MANCHETES
O Globo
Troca de insultos entre Bolsonaro e Maia alimenta crise política
Vélez ‘não está dando certo’, diz presidente
Antes de Brumadinho. lucro da Vale chegou a R$ 25,6 bi em 2018
Sem alternativas, Brexit de May volta à pauta
O Estado de S. Paulo
Temor sobre Previdência derruba Bolsa e eleva o dólar
Bolsonaro e Maia trocam insultos em público
Câmara ameaça votar repasse de R$ 39 bi a Estados
Aniversário do golpe de 64 vai parar na Justiça
Guedes, entre bombeiros e equilibristas
Deputados perdoam multas a partidos
Violência pode dar em divórcio automático
Rússia diz que Brasil na Otan eleva tensão
Folha de S. Paulo
Bolsonaro provoca de novo, Maia reage e crise se agrava
Para Guedes, governo enfrenta a si mesmo
Presidente diz que regime militar não foi ditadura
Presidente afirma que a Folha é ‘toda a fonte do mal’ na imprensa
Bolsa despenca 3,6% e dólar fecha no maior valor desde 1º turno
Ex-presidente do Inep chama Vélez de limitado
Faixas com tom político são barradas em estádios
May oferece cargo em troca de brexit aprovado
Valor Econômico
Conflito político atinge mercado e dólar vai a R$ 4
“Vamos falar com o Congresso”, diz governador da BA
Reforma ainda está viva, aposta ex-direitor do BC
Área técnica recomenda a Bolsonaro veto a perdão de dívidas do Funrual
BNDES provisiona Cuba e Venezuela
Liminar mantém decisão do Carf
Com popularidade em alta, López Obrador afasta investidores no México
EDITORIAIS
O Globo
Falta de articulação cobra seu preço
Agendamento desastroso de ida de Paulo Guedes à CCJ e aprovação de PEC negativa são exemplos
Passadas as rusgas entre o clã Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sobre a tramitação do estratégico projeto de reforma da Previdência, esperava-se que o clima melhorasse. O presidente Jair Bolsonaro e Maia trocaram acenos. Parecia que o Planalto, enfim, iria se envolver, como imprescindível, na articulação política para viabilizar o projeto no Congresso. Deixaria de imaginar que o presidente da Casa poderia acumular esta função. Não há registro de algo parecido no passado.
Mas bastaram os fatos ocorridos em Brasília na terça-feira para se constatar que o Planalto continua leniente na condução das mudanças na seguridade social, básicas para todos —sociedade e governo. As trapalhadas em torno do agendamento da ida do ministro da Economia, Paulo Guedes, à Comissão de Constituição e Justiça começaram a abalar o otimismo que possa ter sido criado com o aparente apaziguamento na Praça dos Três Poderes.
Guedes tem demonstrado apetite e desenvoltura para combater no campo político por esta reforma e outras, também necessárias. Mas ele não pode, nem deve, tentar fazer tudo. Por impossível. Se alguém imagina que Paulo Guedes possa ser o ponta de lança da coordenação política erra tanto quanto quem considerou a hipótese de Rodrigo Maia se desdobrar em representante primordial do Planalto na Câmara.
Permanecem os sinais de falta de coordenação, agravada pela persistente ausência do próprio presidente Bolsonaro no trabalho de viabilização das reformas no Congresso. O agenda-mento da presença de Paulo Guedes na CCJ foi um da série de desastres que o governo vem acumulando. Não houve qualquer dos cuidados básicos da suposta base do governo para impedir que a oposição ocupasse os primeiros lugares nas inscrições para a sabatina do ministro. Ele ficaria isolado num paredão de fuzilamento. Enquanto isso, torna-se cada vez mais gritante a ausência do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, do mesmo partido de Maia, mas com quem não se entende.
Em um recado evidente a Bolsonaro, que se recusa a conversar com o Legislativo, veio a aprovação, à noite, na Câmara, faltando agora o aval do Senado, de uma proposta de emenda constitucional (PEC), a do Orçamento Impositivo, que vai contra uma das importantes intenções da equipe econômica: em duas rápidas votações, foi carimbada uma PEC de 2015 que torna o Orçamento ainda mais rígido, grande obstáculo ao ajuste fiscal e à retomada do crescimento. Ela amplia a imposição de gastos previstos num Orçamento do qual 90,4% já são de despesas obrigatórias. O Ministério da Economia, ao contrário e corretamente, quer desvincular gastos e desindexá-los.
As votações na PEC foram maciças —dos 308 votos necessários, o projeto obteve, no primeiro turno, 448 contra apenas 3, e, no segundo, 453 a 6. Até deputados do partido de Bolsonaro, o PSL, votaram contra o governo. O próprio Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) comemorou o fato, lembrando o apoio do pai ao projeto.
O fato é lamentável demonstração de descaso na Câmara com a crise do país. Que ao menos sirva de alarme para o Planalto. Enquanto isso, o presidente, na manhã de ontem, foi ao cinema com a primeira-dama, Michelle.
O Globo
Governos não podem assistir paralisados ao avanço da dengue
Aumento de 264% no número de casos demonstra que ações para combater doença são insuficientes
Se o Brasil falha no combate a doenças para as quais existem vacinas, como é o caso da febre amarela e do sarampo, que ressurgiram no rastro do desleixo com sistemas de controle, não é difícil imaginar o que acontece com outras moléstias, como dengue, zika e chicungunha, que dependem de ações eficazes do poder público e da população para serem contidas.
E, a julgar pelos números divulgados pelo Ministério da Saúde, o país está mais uma vez fracassando nesse combate. O número de casos de dengue aumentou 264%, passando de 62.900 para 229.064 nas onze primeiras semanas de 2019, em comparação com o mesmo período do ano passado. O total de mortes também cresceu: de 37 para 62, o que representa alta de 67%.
Os números, que já são ruins, se tornam ainda piores quando analisados
por estados da Federação. No país, a taxa de incidência, até o dia 16 de março, é de 109,9 casos por cem mil habitantes, mas é superada em muito por Tocantins (602,9), Acre (422,8), Mato Grosso do Sul (368,1) e Goiás (355,4).
Da mesma forma, alguns estados registraram aumento no número de casos infinitamente superior à média nacional. Em Roraima, as notificações dispararam 6.566% (de 3, em 2018, para 200 este ano); em São Paulo, 2.124% (de 3.734 para 83.045); no Tocantins, 1.809% (de 491 para 9.377); no Paraná, 1.424% (399 para 6.084) e, no Mato Grosso do Sul, 912% (de 999 para 10.116). Do total de 62 óbitos, metade aconteceu no estado de São Paulo.
No Rio, houve queda de 36% nas notificações de dengue (4.624 para 2.960). Em contrapartida, os casos de chicungunha aumentaram 15% (de 5.885 para 6.765), seguindo na contra-mão do Brasil, que registrou uma redução de 44% (23.484 para 12.942).
Desde os anos 80, quando retornou com força ao país, após décadas sob controle, a dengue tem feito estragos. O Rio, por exemplo, já teve várias epidemias letais. Portanto, não se pode descuidar. Impedir que o Aedes aegypti continue a fazer vítimas é tarefa de autoridades dos três níveis de governo — e de toda a sociedade, já que moradores têm papel fundamental nessa guerra.
Há um trabalho de prevenção importante, que exige ações localizadas para eliminar focos do transmissor. E agilidade para diagnosticar a doença e tratá-la imediatamente, antes que o quadro se agrave, podendo levar à morte. Mas, infelizmente, o aumento de casos e de óbitos comprova que a inércia e o despreparo dos governos têm sido um forte aliado do Aedes. O fato é que estamos perdendo a batalha para o mosquito.
O Estado de S. Paulo
Não é brincadeira
A Câmara dos Deputados mandou clara mensagem ao presidente Jair Bolsonaro: não está para brincadeira. No momento em que o presidente adota uma atitude imperial ante o Congresso, esperando que este cumpra as vontades do Executivo sem nenhuma forma de diálogo, na presunção de que os projetos do governo se impõem por si mesmos, os parlamentares de todos os partidos, inclusive governistas, decidiram manifestar seu descontentamento de forma esmagadora.
Na noite de anteontem, em sessão liderada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), os deputados aprovaram uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que reduz o porcentual do Orçamento que o governo pode manejar livremente. A PEC, que agora vai ao Senado, torna obrigatória a execução de emendas propostas por bancadas estaduais e por comissões, a exemplo do que já acontece com as emendas individuais dos parlamentares. Note-se que, enquanto as emendas individuais se prestam basicamente a satisfazer a base eleitoral deste ou daquele deputado, as emendas estaduais e de comissões geralmente têm um caráter eminentemente programático, respondendo a demandas mais abrangentes.
Assim, se respeitadas as restrições fiscais – como, aliás, está expresso na PEC aprovada–, trata-se de legítima expressão do papel do Legislativo na definição de políticas públicas. Dito isso, é inegável que a inesperada votação dessa PEC foi uma manobra para constranger o presidente Bolsonaro e para deixar explícita a ausência completa de algo que se possa chamar de “base governista” no Congresso. A PEC estava engavetada desde 2015. Havia sido elaborada como parte da chamada “pauta-bomba” dos partidos que compunham o “centrão” para minar o governo da então presidente Dilma Rousseff.
Ressuscitá- la agora parece ter como único objetivo constranger o presidente Bolsonaro – que, quando deputado, apoiou essa PEC, bem como o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), seu filho. Se o objetivo era esse mesmo, foi plenamente atingido. A PEC foi aprovada por placares acachapantes: 448 votos a 3 no primeiro turno e 453 votos a 6 no segundo, com 1 abstenção. Praticamente todos os deputados do PSL, o partido do presidente Bolsonaro, votaram a favor de um projeto que claramente atrapalha o governo, porque aumentará o engessamento orçamentário de 93% para algo em torno de 97%. “Eu estou perplexo. Muitas vezes não sei mais quem é situação e quem é oposição”, desabafou o líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP). De fato, o governo, especialmente o presidente Bolsonaro, parece empenhado em tornar a oposição desnecessária.
Está conseguindo unir quase todo o Congresso contra o governo, inclusive os parlamentares que comungam da mesma agenda do Executivo – a começar pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia. A quase unanimidade dos parlamentares contra os interesses do governo, verificada na votação da PEC sobre o Orçamento, indica uma evidente reação à tentativa do presidente Bolsonaro de desqualificar qualquer forma de diálogo político, ao sugerir que as negociações em torno da aprovação de projetos no Congresso são corruptas por definição. Sempre que pode – e nos últimos dias o fez com frequência –, o presidente Bolsonaro tem justificado sua resistência em organizar uma base aliada argumentando que, ao fazê- lo, estaria cedendo à “velha política”.
A “nova política”, segundo sua concepção, seria então aquela em que os deputados votam como quiserem e escolhem se ficarão do lado do “bem”, que é o do governo, ou do “mal”, que é a oposição. “Não somos contra o governo. Somos a favor do Parlamento”, reagiu o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO). “O governo não disse que é cada um no seu quadrado? Então, chegou a hora de resgatarmos as prerrogativas do Legislativo. Cada um faz o seu papel”, disse o deputado Elmar Nascimento (BA), líder do DEM. A acidentada história do País mostra que presidente nenhum pode descuidar da articulação política no Congresso, ainda mais de forma tão deliberada como faz Bolsonaro. Essa lição se reveste de especial importância quando estão em jogo reformas de cuja aprovação depende a solvência do Estado. Não parece claro se Bolsonaro é capaz de aprendê-la.
O Estado de S. Paulo
O MEC preocupa
O modo como o governo Bolsonaro vem conduzindo o Ministério da E d u c a ç ã o (MEC) é escandaloso. Assunto de importância fundamental para o País, a educação se vê envolta em improvisos, polêmicas e embates ideológicos, com um sem-número de idas e vindas, evidenciando falta de rumo, amadorismo e irresponsabilidade. O tema já seria grave em outro Ministério de menor relevância. Sendo no MEC, a atual desorientação é um verdadeiro desastre para o presente e o futuro do País. Conforme mostrou reportagem do Estado, desde o início do governo Bolsonaro, já houve 15 exonerações, várias medidas polêmicas e seis importantes recuos no MEC.
É muita mudança num Ministério que exige especial estabilidade e cuidado. É o segundo maior orçamento do governo federal, com cerca de R$ 115 bilhões em 2019. Tem inúmeras frentes, desde a educação infantil até a educação superior. Seu trabalho se desenvolve em constante parceria com Estados e municípios. Certamente, não é área para amadorismo. “Faz três meses que não temos uma clara orientação sobre qual é a política nacional”, afirma Maria Helena Guimarães de Castro, ex-secretária executiva nos governos de FHC e de Michel Temer. No começo de janeiro, sem maiores explicações, o MEC anunciou que mudaria os critérios de avaliação de livros didáticos.
Houve pronta reação contra a medida e o governo teve de recuar. Eram fortes as evidências da tentativa de interferência ideológica em seara eminentemente técnica. No mês seguinte, houve a polêmica envolvendo o Hino Nacional nas escolas. O MEC enviou mensagem aos diretores da rede de ensino pública e particular pedindo que filmassem os alunos cantando o Hino. Para piorar, a mensagem trazia estampado o bordão do candidato do PSL na campanha eleitoral – “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.
Como é natural, houve também imediata reação contrária. Num primeiro momento, o MEC desculpou-se pela inclusão do slogan partidário na mensagem. Depois, a pasta também recuou a respeito do pedido de filmagem, tendo em vista as implicações legais de filmar menores de idade. O improviso da medida ficou patente. Outro ponto que gera perplexidade é o modo como o Palácio do Planalto trata o titular da pasta, o ministro Ricardo Vélez Rodríguez. Continuamente, a autoridade do ministro é afrontada. Vélez Rodríguez já anunciou dois nomes para ocupar a secretaria executiva do MEC, Rubens Barreto da Silva e Iolene Lima, e nas duas ocasiões o ministro foi desautorizado pelo Planalto. Na segunda-feira passada, sem que o ministro Vélez Rodríguez soubesse, foi anunciado o fim da avaliação das crianças em fase de alfabetização no País.
A decisão tinha sido tomada pelo presidente do Inep. Ao tomar conhecimento da medida, a secretária da Educação Básica, Tania Almeida, pediu demissão. No dia seguinte, o ministro manteve a avaliação da alfabetização e demitiu o presidente do Inep. Até o momento, ações de alocação automática de recursos, como a entrega de livros e merenda às escolas, vêm ocorrendo. No entanto, o andamento de todo o restante é uma incógnita. Não se sabe, por exemplo, como ficarão as verbas relativas à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) ou à reforma do ensino médio.
A implantação da BNCC deveria ser uma das prioridades do MEC, avalia Claudia Costin, diretora do Centro de Inovação em Políticas Educacionais da FGV. “A BNCC precisa ser traduzida em currículos estaduais e municipais”, lembra Claudia Costin. É urgente enfrentar os gargalos e os problemas da educação nacional. Por exemplo, há muito a ser feito na melhoria da formação dos professores. Aprovada no governo de Michel Temer, a reforma do ensino médio precisa ser implantada. Os números de evasão escolar nesta fase do ensino são preocupantes. O Brasil também precisa avançar na alfabetização de suas crianças. Muito tempo e muitas oportunidades foram perdidos na área educacional nos anos em que o PT esteve no governo federal.
Naquele período, as ações do MEC tiveram claro viés eleitoral. Só faltava que, derrotado o PT nas urnas, o País continuasse errando deliberadamente na educação por questões ideológicas, desorganização e amadorismo.
O Estado de S. Paulo
O dinheiro das multas de trânsito
Destino que vem sendo dado a esse recurso foge inteiramente às finalidades estabelecidas pelo Código de Trânsito Brasileiro
O inquérito aberto pelo Ministério Público Estadual (MPE) para investigar o uso pela Prefeitura de dinheiro arrecadado com multas de trânsito para pagar a obra de recuperação do viaduto da Marginal do Pinheiros que cedeu em novembro do ano passado e acaba de ser reaberto ao tráfego deveria servir também para abrir uma discussão mais ampla sobre o destino que vem sendo dado a esse recurso, que foge inteiramente às finalidades claramente estabelecidas para ele pelo Código de Trânsito Brasileiro. O caso desse viaduto é apenas o mais recente exemplo dessa prática.
O custo total da obra, que ainda não está concluída, será de R$ 26,5 milhões. Afirma o promotor Marcelo Milani, da Promotoria de Defesa do Patrimônio Público e Social, que o comportamento da Prefeitura fere as legislações municipal e federal: “Essa destinação do dinheiro é ilegal, porque a verba de multas é ‘carimbada’. O Código de Trânsito Brasileiro determina que essa verba só pode ser usada para melhoria de trânsito e, eventualmente, em sinalização”. Milani está coberto de razão.
Não custa citar o artigo 320 da Lei n.º 9.053, de setembro de 1997, que instituiu o Código e, tendo mais de 20 anos, já deveria ser bem conhecida dos administradores públicos: “A receita arrecadada com a cobrança das multas de trânsito será aplicada, exclusivamente, em sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito”. O parágrafo primeiro estabelece que 5% do valor das multas será depositado mensalmente na conta de um fundo de âmbito nacional destinado à segurança e educação de trânsito. Mais claro e direto do que foi o legislador é impossível.
Nada disso impediu, porém, muitos prefeitos – entre os quais vários da capital paulista – de apelar para engenhosos artifícios a fim de contornar o que diz o Código. O ex-prefeito Fernando Haddad, por exemplo, encontrou uma maneira de pagar os salários dos funcionários da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) com dinheiro das multas. Seu sucessor, o hoje governador João Doria, não deixou por menos. O Programa Asfalto Novo, lançado por ele em 2017 com um estardalhaço que não correspondia nem de longe à sua modéstia – o asfaltamento de 400 km de vias numa cidade com 17 mil km de vias públicas, a maioria das quais em mau estado –, será financiado principalmente com recursos das multas.
Elas entram com R$ 310 milhões de seu custo total de R$ 550 milhões. Ao manter esse programa de seu antecessor, o prefeito Bruno Covas deu um claro sinal de que pretendia seguir a mesma orientação quanto ao uso do dinheiro proveniente das multas de trânsito. Nada mais natural e previsível, portanto, que em janeiro passado Covas tenha anunciado que usaria R$ 55,9 milhões desses recursos para conserto de pontes e viadutos que apresentam riscos estruturais, caso em que se inclui a recuperação do viaduto da Marginal do Pinheiros.
O fato de o prefeito Bruno Covas ter respondido à iniciativa do promotor Milani afirmando que seguiu a legislação não é apenas espantoso diante do que diz o Código de Trânsito sobre o destino dos recursos das multas. É também preocupante, porque indica que ele, seguindo os passos de seus antecessores, está decidido a ir mais longe do que já foi no uso do dinheiro das multas. Se esse dinheiro serve para pagar os funcionários da CET, asfaltar ruas e consertar viadutos e pontes, que limite terá daqui para a frente seu uso irregular?
Deve-se pôr um paradeiro nesse abuso, ou o artigo 320 do Código de Trânsito. A alternativa é transformar o dinheiro das multas reservado para dar mais segurança e melhorar o trânsito – como a educação dos motoristas – em alguns trocados para salvar as aparências. É isso que está em jogo nessa investigação do Ministério Público Estadual e em seus desdobramentos.
Folha de S. Paulo
Represália perigosa
Câmara faz votação relâmpago de PEC que cria mais gastos obrigatórios; para tanto, Legislativo deve se responsabilizar por solidez orçamentária
A Câmara dos Deputados deu uma fantástica demonstração de celeridade — e imprudência — ao aprovar em dois turnos, num único dia, uma proposta de emenda constitucional cujo efeito prático imediato seria engessar ainda mais a gestão do Orçamento federal.
A PEC torna obrigatória a execução de despesas incluídas na lei orçamentária por bancadas estaduais, conhecidas como emendas coletivas. O texto obteve maiorias acachapantes de 448 e 453 votos favoráveis, num total de 513.
Desnecessário apontar a temeridade de deliberar com tal ligeireza sobre um tema complexo e de impacto considerável sobre as já combalidas finanças públicas.
O placar anômalo, ademais, não reflete um consenso resultante de amplo debate, mas uma mera represália ao presidente Jair Bolsonaro (PSL) e sua inapetência para a negociação política —ainda que até o filho do mandatário, Eduardo Bolsonaro, tenha se posicionado em favor do texto, negando estar em curso uma derrota do governo.
Vá lá que os custos da PEC não sejam tão devastadores quanto os de outras pautas-bombas com as quais o Congresso já ameaçou o Executivo no passado recente. De todo modo, trata-se de medida que não faz parte da agenda do Planalto e traz incertezas sobre o manejo dos gastos da União.
A nova regra elevará o desembolso obrigatório anual com emendas parlamentares de R$ 4,6 bilhões para R$ 8,3 bilhões, tomando como referência valores deste 2019. Reduz-se a já exígua margem de manobra para a administração das despesas, uma vez que hoje o governo pode cortar ou remanejar as verbas das emendas coletivas.
Felizmente, o Congresso não terá como aproveitar a norma para acatar demandas regionais de modo ilimitado, dada a vigência do teto de gastos inscrito na Constituição.
Em princípio, é meritória a ideia de um Orçamento integralmente impositivo — no modelo brasileiro atual, parte da peça tem caráter apenas autorizativo, o que reduz seu valor como mecanismo de planejamento e prestação de contas.
Além disso, a liberação de dinheiro para emendas é objeto freqüente de barganhas entre o Planalto e os partidos que aviltam o processo de alocação de recursos.
Entretanto uma transformação dessa ordem precisa se fazer acompanhar de normas e condutas capazes de tornar o Congresso corresponsável, e não somente no papel, pelo equilíbrio e pela qualidade das finanças públicas. Tal cenário ainda parece por demais abstrato na conjuntura de hoje.
Se o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), tem razão em cobrar que Bolsonaro assuma as tarefas de presidente, também o deputado e condutor da pauta legislativa tem responsabilidades a assumir como chefe de Poder.
Folha de S. Paulo
Homicida confesso
Cesare Battisti confessou. O terrorista italiano, que cumpre pena de prisão perpétua em seu país, admitiu pela primeira vez ter participado do assassinato de quatro pessoas e de outras ações criminosas durante os anos 1970. Enquanto gozava do status de refugiado político no Brasil, Battisti, 64, se dizia vítima de uma farsa judicial.
A notícia, divulgada pela Procuradoria-Geral de Milão, não chega a surpreender aqueles que se deram ao trabalho de ler desapaixonadamente os autos dos processos que o condenaram. As provas estão lá.
Importa salientar que as decisões não são de uns poucos magistrados isolados, mas de um robusto sistema com ramificações multinacionais, que envolveu mais de 60 juízes da Itália e da Corte de Direitos Humanos da União Européia.
Parcela considerável dos militantes de esquerda — do Brasil e de outras nações que abrigaram Battisti nas suas décadas de foragido — preferiam apostar na versão ideológico-romântica segundo a qual o italiano era uma espécie de herói condenado apenas porque lutava por justiça social.
Em tese, seria até possível aventar a hipótese de que a confissão tenha sido arrancada sob chantagem, em troca de benefícios na pena, ou mesmo sob tortura. Difícil imaginar, contudo, que isso tenha ocorrido numa democracia avançada como é a da Itália.
A novela do terrorista, mais do que demonstrar como pessoas se deixam cegar pela ideologia, revela os riscos a que autoridades se sujeitam quando abandonam os protocolos institucionais.
Em sua essência, o caso não se mostrava complexo. Condenado em seu país, Battisti, depois de passagens pela França e pelo México, foi descoberto e preso no Brasil em 2007. Deveria, assim, ter sido extraditado. Um intenso lobby esquerdista, entretanto, conseguiu em 2009 que ele fosse considerado refugiado político.
Chamado a dirimir a questão, o Supremo Tribunal Federal, numa decisão tortuosa, rejeitou a tese do crime político, abrindo caminho para a extradição, mas determinou que a palavra final caberia ao presidente da República.
O então ocupante da cadeira, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), não titubeou. No último dia de seu segundo mandato, autorizou que Battisti ficasse indefinidamente no Brasil. Em 2018, quando a maré política já havia virado, o italiano tentou sair do país, mas acabou preso na Bolívia e extraditado.
Se as autoridades brasileiras tivessem agido com celeridade e evitado casuísmos, teriam se poupado de um lamentável papel.