Matheus Rojja Fernandes *
A democratização da literatura no Brasil é uma questão central para o desenvolvimento educacional, social e cultural do País. Garantir o acesso a bibliotecas e livros nas instituições de ensino é mais do que apenas assegurar uma estrutura física; trata-se de uma questão de direitos fundamentais. Esse acesso é indispensável para a formação intelectual e cidadã, desempenhando um papel importante na resposta às desigualdades e na promoção de uma educação de qualidade, conforme estabelece a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). Neste contexto, a correlação com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), especialmente o ODS 4, que visa garantir educação inclusiva e equitativa, e o ODS 10, que busca reduzir as desigualdades, é clara e urgente.
Os números sobre a presença de bibliotecas nas escolas públicas brasileiras são alarmantes. De acordo com o Censo Escolar de 2022, apenas 31% das escolas públicas possuem bibliotecas. Isso significa que mais de 18 milhões de estudantes, o que corresponde a 52% dos matriculados na rede pública, estudam em instituições sem esse recurso básico. A situação é ainda mais crítica na educação infantil, onde apenas 18% das escolas têm bibliotecas, expondo uma enorme lacuna que compromete o desenvolvimento cognitivo e social de milhões de crianças. Em um País de grandes desigualdades, esse déficit de acesso ao conhecimento e à leitura aprofunda ainda mais as disparidades socioeconômicas e regionais.
A ausência de bibliotecas nas instituições de ensino não é apenas um indicador de infraestrutura insuficiente, mas também uma violação direta à Lei n.º 12.244, sancionada em 2010, que previa a universalização das bibliotecas escolares até 2020, prazo que foi prorrogado em 2024, por meio da Lei n.º 14.837, para que seja efetivada no prazo máximo de vigência do Plano Nacional de Educação, aprovado pela Lei n.º 13.005, de 25 de junho de 2014. O não cumprimento desta norma mostra o quanto o País ainda falha em assegurar uma educação de qualidade e em oferecer condições mínimas para o desenvolvimento intelectual de seus estudantes. Além disso, o Plano Nacional de Educação (PNE), que estabelece diretrizes para uma educação inclusiva e igualitária, reconhece a necessidade de ambientes escolares adequados para o pleno desenvolvimento do aprendizado — algo que claramente ainda está distante de ser alcançado.
A correlação entre o acesso à leitura e o desenvolvimento cognitivo, social e emocional é amplamente reconhecida. O hábito da leitura é fundamental para o desenvolvimento de habilidades essenciais como a criatividade, o pensamento crítico e a resolução de problemas. Além disso, em contextos de maior vulnerabilidade socioeconômica, a existência e utilização de bibliotecas escolares têm um impacto ainda mais significativo no desempenho escolar.
O acesso à literatura nas instituições de ensino, porém, vai além do aspecto educacional. Ele está intrinsecamente relacionado à redução das desigualdades, conforme preconizado pelo ODS 10, que busca diminuir as diferenças sociais e regionais. A disparidade entre estados brasileiros no que diz respeito à presença de bibliotecas nas escolas públicas é gritante. Enquanto em Minas Gerais 82% das escolas possuem bibliotecas, no Acre esse número cai para apenas 13%. Esse abismo regional evidencia a necessidade de políticas públicas que visem reduzir essas desigualdades, promovendo um acesso mais equitativo aos recursos educacionais e culturais em todas as regiões do País.
Uma solução eficaz para a democratização da leitura seria a implementação de auxílio financeiro específico para a aquisição de materiais de leitura. Essa iniciativa não apenas democratizaria o acesso ao conhecimento, como incentivaria o hábito da leitura em contextos onde a compra de livros ainda é inacessível para muitas famílias. Nesse sentido, essa proposta estaria em consonância com o ODS 1, que busca erradicar a pobreza, e o ODS 8, que defende o trabalho decente e o crescimento econômico, ao oferecer oportunidades educacionais que aumentariam as chances de inserção no mercado de trabalho.
Além disso, o acesso à literatura desempenha um papel fundamental na formação de valores humanos, como empatia e solidariedade. Obras literárias permitem que os leitores entrem em contato com histórias e realidades distintas, gerando reflexão e uma maior compreensão das diversidades sociais e culturais. A capacidade de se colocar no lugar do outro, estimulada pela leitura, é um dos pilares para a construção de uma sociedade mais justa e pacífica, como preconiza o ODS 16, que busca promover sociedades pacíficas e inclusivas.
Portanto, a democratização do acesso à literatura é uma ferramenta estratégica para a superação de desigualdades e para a construção de um Brasil mais equitativo e justo. A implementação de bibliotecas em todas as instituições de ensino, aliada a iniciativas que promovam a leitura, não é apenas uma medida necessária para cumprir a legislação vigente, mas um investimento de alto retorno para o futuro do País. Ao assegurar que todos os estudantes tenham acesso a livros e ao conhecimento, o Brasil estará não só caminhando em direção ao cumprimento da Agenda 2030, mas também preparando suas crianças, adolescentes e jovens para um futuro de oportunidades e inclusão social.
* Filiado ao Cidadania. Ex-Coordenador do Gabinete da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministérios dos Direitos Humanos e da Cidadania (SNDCA/MDHC). Foi Secretário Parlamentar do Deputado Federal Rubens Bueno (Cidadania/PR).