Paulo Siqueira: A busca da Paz

“Todo o mundo moderno está dividido entre conservadores e progressistas. O papel dos progressistas é continuar cometendo erros. O papel dos conservadores é evitar que os erros sejam corrigidos. Mesmo quando o revolucionário se arrependesse da revolução, o tradicionalista já a estaria defendendo como parte de sua tradição. Portanto, temos dois grandes tipos de pessoas: a avançada que se precipita para a ruína, e a retrospectiva que aprecia as ruínas”.

Chesterton

Quando os mongóis garantiam a segurança da rota da seda, se alguma caravana fosse saqueada, eles simplesmente atacavam sem piedade as aldeias e vilas da região. Matavam, escravizavam, faziam pilhas com cabeças de adultos, idosos e crianças, homens e mulheres. Quando um cidadão romano era morto, a legião romana destruía e escravizava a região onde ocorrera o assassinato; as guerras Médicas, entre gregos e persas, começaram quando Dario I enviou uma expedição punitiva a cidades gregas, após ataques realizados em apoio as cidades jônicas por helenos.

A punição coletiva foi o tom na história da humanidade e somente com o Iluminismo que evoluiu ao liberalismo, se concebeu a individualização da pena. Direito afirmado tanto no “Bill Of Rights”, na Revolução Americana, quanto na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na Revolução Francesa. Apesar dessa percepção lá no longínquo século XVIII, e tão evidente para nós, a punição coletiva não desapareceu da humanidade, encontramos seu ápice na Segunda Guerra Mundial, tanto pelas tropas do Império japonês, quanto os nazistas, cujo grande símbolo foi a destruição da cidade de Lídice na Tchecoslováquia, quando pra punir o assassinato de Heydrich pela resistência Tcheca, tropas nazistas mataram todos os seus homens e enviaram todas as mulheres e crianças para campos de concentração. Antes da guerra, ainda em 1933, após o incêndio no Reichstag, os nazistas resolveram exterminar tanto o partido comunista, quanto os próprios comunistas. As punições coletivas nazistas foram extremamente cruéis no leste europeu, mais ainda na antiga URSS, onde caçavam eslavos, e principalmente comunistas e judeus, que os nazistas consideravam uma coisa só ou com muita relação.

Mas a sanha nazista que atingiu ciganos, mórmons, homossexuais, deficientes físicos e mentais entre outros, foi terrivelmente avassaladora para com os judeus. Hitler , antes de setembro de 1939, anunciava em seus discursos que os judeus pagariam um alto preço pela guerra eminente, ele os acusava de estimularem a guerra contra o povo alemão. A partir da Conferência de Wannsee, 1942, presidida pelo próprio Heydrich pouco antes de ser assassinado, decidiu-se pelo extermínio completo dos judeus na Europa, no que ficou conhecido como Holocausto.

O Holocausto foi a industrialização da morte, foi o ápice de séculos de perseguição, progroms, assassinatos, conversão forçada, chantagens, estupros, humilhações, extorsões, linchamentos, acusações infundadas, expulsões, isolamentos, injustiças e todo o tipo de brutalidade contra os judeus, a lista é imensa. Quando se faz críticas à atuação de Israel em guerras ou políticas colonialistas nos assentamentos, não devemos comparar com o Holocausto, é injusto. É injusto com aquelas pessoas, por todos aqueles séculos de toda sorte de crueldades sofridas, afinal, não acreditamos mais na punição coletiva, não é mesmo? Não se trata do judeu, como uma definição em si, como não se trata do cristão, do muçulmano ou outra generalização qualquer.

Mas há que se criticar a postura de Israel, em especial na atual guerra em Gaza. Precisamos levantar nossa voz contra a barbárie. O ataque do Hamas foi um ato absurdo, bárbaro, cruel, terroristas assassinaram pessoas que estavam lá vivendo suas vidas, crianças, idosos, famílias inteiras, sequestraram, fizeram reféns, gravaram em vídeos, riram e comemoraram seus crimes. Não adianta dizermos que o Hamas não é somente um grupo terrorista visto ter outras frentes de atuação, pois o Hamas quer a eliminação de Israel, e em seu estatuto defende qualquer forma de luta, o que inclui o terrorismo, que aliás, já era criticado por Marx e Lenin pois ambos defendiam o movimento de massas.

Israel tem todo direito a se defender e defender seu povo, prender ou até aniquilar os terroristas, mas isso não significa punir todo o povo palestino ou todos os habitantes de Gaza. O argumento de que a guerra é violenta e inocentes morrem não pode ser tolerado como justificativa para o bombardeio de civis, crianças, idosos, destruição de propriedades e bens, destruição da infra-estrutura, o que reduz Gaza à pré-civilização, sem água, energia, escolas, hospitais ou estradas. A ministra israelense May Golan, declarou que sente orgulho da destruição e dos cadáveres em Gaza, para que no futuro, os netos dos israelenses saibam o que acontece com quem ataca Israel, ou seja, além da pena coletiva contra os palestinos de hoje, ela propõe que essa punição atravesse gerações, um retrocesso humano de mais de 300 anos.

O governo Netanyahu está a 20 anos operando a asfixia econômica de Gaza. Segundo a própria imprensa israelense, seu governo transferiu via Qatar, 2 bilhões de dólares ao Hamas, e permitiu que outros tantos bilhões fossem destinados ao grupo. Na situação de não haver estado palestino e com o Hams controlando a faixa, recebendo altos aportes financeiros e o isolamento econômico por terra, ar e mar de Gaza, a população fica refém do grupo, que oferece caridade, emprego, segurança, remédios, não muito diferente do que fazem as facções criminosas nas favelas do Rio de Janeiro.

Nas reuniões de gabinete de Netanyahu , era comum seus ministros afirmarem que fortalecer o Hamas, significava enfraquecer o Fatah, o qual reconheceu o estado de Israel e assinou o Tratado de Oslo, tratado repudiado tanto pelo Hamas, quanto por esse governo Netanyahu . Isso significava, dito por Netanyahu e seus ministros, impedir a implantação do estado palestino. Em sua base de governo, Netanyahu tem ultra-ortodoxos e radicais que defendem a guerra até a expulsão dos palestinos e árabes do que pretendem ser a grande Israel histórica. Há um aliança objetiva, com grupos terroristas como o Hamas, Hezbollah ou outros no sentido de alimentar condições para guerra. Não por acaso o primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin, que assinou o tratado de Oslo, foi assassinado por ultra-nacionalistas judeus, assim como Sadat foi assassinado por jihadistas muçulmanos.

Mas a sociedade israelense se mobiliza e embora ainda não tenha condições de derrubar o governo, cuja a base de apoio é forte, vem desde que Netanyahu atacou o judiciário israelense com a reforma judicial, se aproveitando de sua maioria conjuntural no congresso levantando vozes críticas. Devemos lembrar que Israel é a única democracia na região, o que não significa que não tenha suas contradições e não tenha tido comportamentos criminosos em diversas situações como a chacina de Sabra e Chatila quando permitiu que milícias cristãs massacrassem refugiados palestinos. O comandante militar das forças israelense então, era Ariel Sharon, que foi punido, mas anos depois se tornaria primeiro-ministro de Israel e atuaria na desestabilização da região. De qualquer forma, os gritos pela paz repercutem em Israel, as pessoas não querem viver na guerra eterna, criar seus filhos para bucha de canhão. O movimento de paz não virá somente de Israel, claro, os grupos terroristas e os radicais muçulmanos precisam ser isolados politicamente, há também entre palestinos e árabes, os que trabalham pela paz, o que significa, como observou Yuval Harari, que todos entendam não ser possível obter a justiça total, ou seja, ceder na busca por reparações de suas tragédias em prol a construção do caminho da paz, como nos mostrou Luiz Carlos Prestes, que após 9 anos preso em uma solitária pelo regime getulista do Estado Novo, ter sua esposa de ascendência judia entregue aos nazistas para ser morta num campo de concentração e sua filha nascida na prisão, apoiou Vargas, pois percebia o perigo maior que era o integralismo na alta cúpula militar brasileira, e os riscos do fascismo ainda não estavam totalmente superados.

O mundo que sonhamos.

Há atualmente vários conflitos no mundo, Ucrânia, Gaza, Burkina Faso, Somália, Sudão, Iêmen, Mianmar, Nigéria e Síria, fora os conflitos de menor intensidade. A busca pela paz deve ser o nosso norte. O partido sempre defendeu o fim do conceito de estrangeiro, o que significa o reconhecimento da humanidade em todos nós, o que inclui os outros. O único caminho possível é o da paz, do humanismo, a defesa de que o conhecimento, a tecnologia, as riquezas produzidas pela humanidade alcancem a todos, senão igualitariamente, mas que trabalhemos pela inclusão cada vez maior de pessoas ao progresso. O progresso não deve ser visto somente do ponto de vista tecnológico ou econômico, mas nas relações humanas e nos direitos de cada ser humano do mundo poder viver em paz, conforto, segurança e com sua cultura e crenças. Progressistas que somos, temos que segurar nossa angústia de forçar aos outros nossa perspectiva. Esse tipo de atitude, gera autoritarismos, totalitarismos e esta na raiz do colonialismo e imperialismo, bem sabemos no que isso deu. Devemos trabalhar pela ótica humanista, ou seja, no respeito ao outro em suas ideologias pessoais, desde que, claro, estas não coloquem em risco a dignidade, a segurança, o bem-estar ou a liberdade de terceiros. Mas devemos renunciar à imposição de valores, deixar que a história em seu inevitável progresso, transforme nossos erros e bandeiras dos conservadores.

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