NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE
Herdeiro do franquismo, o partido de extrema direita espanhol Vox é terceira força política no parlamento espanhol
O mundo acompanha estupefato o caso do jogador brasileiro Vini Jr, o craque do Real Madri que vem sendo insultado em todos os estádios onde joga futebol. Garrincha sem as pernas tortas, seus dribles são desconcertantes. Ontem, uma sequência impressionante de jogadas dele viralizou nas redes sociais. Elas deveriam provocar sorrisos nas arquibancadas, como aconteceu com os suecos que viram Mané jogar na Copa de 1962, sem Pelé na Seleção, mas o que acontece em relação ao craque do time merengue é uma reação enfurecida das torcidas dos times adversários, principalmente quando o Real joga fora de casa.
No auge de sua forma física e técnica, o atacante do Real Madrid e da Seleção Brasileira sofreu insultos racistas de torcedores do Valencia, que o chamaram de macaco, no estádio de Mestalla, no domingo. A partida chegou a ser paralisada pelo árbitro e, posteriormente, foi retomada. Numa confusão provocada em campo, na qual levou um mata-leão de um jogador adversário, Vini reagiu e foi expulso. Houve grande repercussão negativa aos insultos e aconteceu solidariedade internacional ao jogador, de grandes estrelas do esporte, e não apenas de jogadores de futebol. A reação provocou uma crise no futebol espanhol, cujo principal dirigente criticou Vini Jr. O governo brasileiro também protestou.
Presidente da La Liga, que é responsável pelo Campeonato Espanhol, Javier Tebas Medrano responsabilizou o jogador pelos incidentes: “Já que os que deveriam te explicar o que é e o que a La Liga pode fazer nos casos de racismo, temos tentado explicar, mas você não compareceu a nenhuma das duas datas combinadas para isso que você mesmo solicitou. Antes de criticar e injuriar a La Liga, é necessário que se informe adequadamente. Não se deixe manipular e assegure-se de entender bem as competências de cada um e o trabalho que estamos fazendo juntos”, escreveu o dirigente.
O jogador rebateu: “Mais uma vez, em vez de criticar racistas, o presidente da La Liga aparece nas redes sociais para me atacar. Por mais que você fale e finja não ler, a imagem do seu campeonato está abalada. Veja as respostas dos seus posts e tenha uma surpresa… Omitir-se só faz com que você se iguale a racistas. Não sou seu amigo para conversar sobre racismo. Quero ações e punições. Hashtag não me comove”. Vini Jr sofreu ataques racistas nove vezes, em dois anos e sete meses. O último foi na derrota merengue para o Valencia, pelo Campeonato Espanhol.
Extrema direita
Tebas Medrano é apoiador declarado da extrema direita da Espanha. Em 2019, afirmou que votaria nos representantes do Vox, formado por apoiadores do ditador Francisco Franco, que governou a Espanha de 1938 a 1973. Quem quiser ter uma ideia da natureza e da força do chamado franquismo pode conferir. Uma série espanhola está fazendo muito sucesso na Netflix: Os Pacientes do Dr. García. O principal protagonista é o médico Guillermo García, de ideais humanistas, que acaba perseguido por ter trabalhado como nefrologista, socorrendo os soldados republicanas feridos na dramática defesa de Madri, durante a Guerra Civil Espanhola.
Para permanecer na Espanha, García pede ajuda ao amigo Manuel Arroyo, que lhe fornece uma identidade falsa, com a qual passa a viver como executivo no setor de transportes, enquanto ajuda a resistência antifranquista clandestinamente, como médico. Diplomata, Arroyo torna-se um agente secreto do governo deposto de Juan Negrin e passa a colaborar com os serviços de inteligência norte-americano. Ambos conseguem se infiltrar numa rede clandestina de apoio aos oficiais nazistas que fugiram da Alemanha para se estabelecer na Espanha e na Argentina. A série denúncia a tolerância dos Estados Unidos com o colaboracionismo de Franco e Domingos Perón com os nazistas, em virtude da guerra fria, porque ambos eram inimigos dos comunistas. Estima-se que 200 mil pessoas foram assassinadas pelo regime franquista.
Herdeiro do franquismo, o partido de extrema direita espanhol Vox é terceira força política no parlamento espanhol, depois dos socialistas e do Partido Popular (PP, direita). O líder do partido, Santiago Abascal, é um aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, já esteve no Brasil e participa das articulações dos demais líderes da extrema direita europeia. Considera o governo espanhol e o primeiro-ministro, Pedro Sánchez, “traidores” de Espanha, por causa das concessões aos independentistas. Critica “a ditadura climática” (referência às políticas de resposta às alterações climáticas), as leis relacionadas com os direitos de pessoas transgênero e “o totalitarismo de gênero” e as políticas de imigração, que “abrem as fronteiras”.
A narrativa xenófoba habitual dos partidos de extrema direita em relação aos estrangeiros alimenta o racismo nas arquibancadas da Espanha. O sucesso de Vini Jr, negro e brasileiro, incomoda os saudosistas do franquismo. Não por causa do êxito no futebol, apenas: Vini Jr simboliza a possibilidade de sucesso para milhões de jovens imigrantes e refugiados latinos e africanos. (Correio Braziliense – 24/05/2023)