Luiz Carlos Azedo: Ampliação do governo barrará o golpismo

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

Vivemos um ambiente que representa um retrocesso político, o maior desde a redemocratização. Lembra o clima às vésperas da posse de JK

É difícil entender a tese de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não ampliou o suficiente a coalizão de governo. Ontem, sinalizou que entregará três ministérios ao PSD e três ministérios ao União Brasil, além dos três que já negociou com o MDB. Igualmente é incompreensível a tese de que “o centro está na periferia do governo”. MDB, PSD e União Brasil estão onde sempre estiveram. Quem está se deslocando em direção ao centro, e até um pouco além, é Lula, tudo com objetivo mais do que justo de garantir apoio no Congresso e neutralizar o golpismo do presidente Jair Bolsonaro.

O petista ganhou a eleição por uma estreita margem de votos, lida com uma oposição de rua enfurecida e perigosa, que já começa a registrar ações terroristas — e enfrenta uma situação econômica delicada, por causa de um governo que gastou o que tinha e o que não tinha para tentar a vencer as eleições. Administra tensões com as Forças Armadas, que surpreendem pela atitude de alguns comandantes — que se recusam a reconhecer o novo comandante supremo, embora tenham se submetido às loucuras de Bolsonaro por uma questão de disciplina e hierarquia. Um deles chegou a dizer aos colegas que bastava uma ordem do atual presidente para impedir a posse de Lula.

Vivemos um ambiente que representa um retrocesso político, o maior desde a redemocratização, com a eleição de Tancredo Neves, em 1985. Lembra o clima político às vésperas da posse de Juscelino Kubitschek, em 1955, quando o general Henrique Teixeira Lott impediu o golpe militar que setores conservadores das Forças Armadas e lideranças da UDN armavam para impedir que o presidente eleito e seu vice João Goulart, vencedores da eleição de outubro daquele ano, assumissem.

Durante a campanha, os ataques do udenista Carlos Lacerda contra JK, chamando-o de corrupto e amoral, não impediram a vitória do político mineiro, com 36% dos votos sobre seus oponentes: o militar Juarez Távora (UDN-PDC-PSB-PL), com 30%, Ademar de Barros (PSP), com 26%, e o integralista Plínio Salgado (PRP), com 8%, em 3 de outubro de 1955. Naquela época, não havia segundo turno, o que abria espaço para questionar a legitimidade de sua vitória, já que seus adversários estavam todos à direita. E juntos tiveram 64% dos votos.

Delirante, Lacerda mentia em seus artigos no jornal carioca Tribuna de Imprensa para deixar a classe média em pânico. Dizia que Jango, com a ajuda do argentino Juan Domingo Perón, do PCB e do dinheiro “espúrio” de JK, contrabandeava um arsenal bélico da Argentina para “implantar a ditadura sindicalista” no Brasil.

Um mês após a vitória da chapa JK-Jango, o coronel Jurandir Bizarria Mamede, ligado à Escola Superior de Guerra, no enterro do general Canrobert Pereira da Costa (chefe do Estado-Maior das Forças Armadas e então presidente do Clube Militar), defendeu o golpe militar contra a posse dos eleitos, que se realizaria no início de 1956. Mamede questionava a legitimidade das eleições e “a corrupção e a fraude dos oportunistas e totalitários que se arrogam no direito de oprimir a Nação nessa mentira democrática”.

Contragolpe

O vice-presidente Café Filho (PSP) havia assumido o cargo e nomeado Lott como ministro da Guerra, que exigiu a punição de Mamede, mas não foi atendido pelo presidente. Entretanto, Café Filho se afastou do cargo por problemas de saúde. O presidente da Câmara, Carlos Luz, do PSD e próximo aos conservadores, assumiu a Presidência, para ter o mandato mais curto da história: três dias, entre 8 e 11 de novembro de 1955. No dia 12 de novembro, foi empossado na Presidência da República o primeiro vice-presidente do Senado, Nereu Ramos.

Um dia antes da posse de Ramos, Lott comandou 25 mil homens, que, em poucas horas, tomaram os pontos estratégicos do Rio, então Distrito Federal. O general divulgou uma nota direcionada aos comandantes militares exigindo “o retorno da situação aos quadros normais de regime constitucional vigente”. Ele garantia a posse de Ramos, que se comprometeu em assegurar a legalidade.

No dia 11 de novembro, o Congresso votou o impedimento de Carlos Luz, que acompanhado de Lacerda, Mamede e parte do ministério se refugiaram no navio “Tamandaré”.

Os golpistas pretendiam estabelecer um governo paralelo em São Paulo com o apoio do governador Jânio Quadros, mas o plano fracassou. Amedrontado, Lacerda tentou fugir do país mesmo com as garantias de sua imunidade parlamentar. Buscou abrigo nas embaixadas do Peru e de Cuba, que lhe forneceu asilo político. Antes do embarque para Havana, ainda sob o jugo de Fulgêncio Batista — derrubado em 1959 pela Revolução —, o deputado escondeu-se durante três dias em uma caixa-d’água seca.

O presidente assumiu em 1956 e Lott foi seu ministro da Guerra. Em janeiro de 1959, o general abandonou a caserna e foi transferido para a reserva remunerada como marechal. A popularidade conquistada em novembro de 1955 garantiu sua nomeação como candidato na eleição de 1960, com Jango como vice.

Como as eleições a presidente e vice eram separadas, Jânio venceu a eleição — e Jango também. Mas essa já é outra história. (Correio Braziliense – 29/12/2022)

Leia também

Desoneração da folha é leite derramado

NAS ENTRELINHASO Congresso pretende reduzir os impostos e exigir...

O padrão a ser buscado

É preciso ampliar e replicar o sucesso das escolas...

Parados no tempo

Não avançaremos se a lógica política continuar a ser...

Vamos valorizar a sociedade civil

Os recentes cortes promovidos pelo Governo Federal, atingindo em...

Petrobrás na contramão do futuro do planeta

Na contramão do compromisso firmado pelo Brasil na COP...

Informativo

Receba as notícias do Cidadania no seu celular!