A volta do pessimismo na ciência política brasileira
Barry Ames, um dos maiores comparativistas da ciência política atual, fez o mais contundente diagnóstico sobre nossas instituições políticas. Mesmo lideranças hábeis e de grande competência não resistem a sua disfuncionalidade. Ames cita o historiador marxista britânico Perry Anderson, para quem FHC “podia ser considerado o chefe de Estado intelectualmente mais preparado da atualidade”, e, em 2001, se perguntava: “Imagine-se o que teria de enfrentar um presidente mais ‘normal’?”.
Ames referia-se a malogros na área da educação, previdência social e tributação, que não se deveram à resistência programática da oposição, e tinham apoio nominalmente majoritário. Pesquisando o Brasil, desde a década de 70, foi pioneiro em utilizar métodos quantitativos para investigar o sistema partidário, regras eleitorais e o Orçamento.
Para Ames, as relações Executivo-Legislativo eram marcadas por jogos de patronagem; o sistema partidário, fragmentado e hiperlocalista. O resultado era uma democracia travada e ingovernável do ponto de vista fiscal. A conclusão gerou críticas robustas. O debate reatualiza-se.
Mas sua pergunta retórica, em 2001, é crucial no momento em que o ocupante da Presidência é o mais despreparado ou “anormal” da nossa história. Teríamos então uma mistura explosiva: líder inepto e instituições defeituosas.
Mais tarde, em 2013, Ames reconheceu a governabilidade não antecipada alcançada nos governos FHC e Lula e introduziu uma qualificação na análise: “O sistema político brasileiro funciona melhor quando a esquerda está no poder: porque a direita tem pouca coerência ideológica e pode ser facilmente comprada”. E concluía no texto da apresentação do livro “Making Brazil Work” que publiquei com Carlos Pereira: “Só o tempo dirá se as instituições funcionarão tão bem quando uma oposição de centro esquerda for mais ideológica e disciplinada”.
Sim, sob um governo radical de direita, o rio também correu para o seu leito institucional, e ao fim e ao cabo forjou-se uma maioria parlamentar inorgânica de apoio ao Executivo, ator central do nosso sistema; inepto, sem capacidade de coordenação, e o sistema degenerou em um padrão opaco e sem controle, que ameaça a sustentabilidade fiscal. E como mostramos em nosso livro as instituições de controle latu senso que começavam a mitigar as patologias das relações Executivo-Legislativo se enfraqueceram.
É claro que a questão da capacidade de o Executivo aprovar sua agenda não se confunde com a capacidade de o sistema político produzir decisões eficientes que garantam ganhos coletivos, o que requer visão e coordenação. Mas aquela é precondição desta última. (Folha de S. Paulo – 31/01/2022)
Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA)