Estamos desde o caso George Floyd em um intenso e inflamado debate sobre a questão racial no Brasil. Sabemos que esse debate não começou agora. Podemos aqui elencar os primeiros manifestos e revoltas organizados pela população negra ainda no século XIX, todas as manifestações promovidas por diversos coletivos do movimento negro, além de pequenas batalhas cotidianas enfrentadas por negras e negros e tristemente comentadas e debatidas tanto nos espaços domésticos quanto nos espaços de convivência, militância ou de lazer.
Entretanto, esse assassinato ofereceu-nos, mais uma vez, a possibilidade de alargar esse diálogo e convidar outros setores da sociedade para olhar com mais seriedade e responsabilidade essa questão, tão cara a todos nós, e que envolve, também, a branquitude desse país.
É fundamental dizer que para a reflexão que escolhemos apontar aqui usamos como ponto de partida três aspectos presentes no debate racial: o conceito sociológico e político de raça operado em grande medida nos meios acadêmicos; a narrativa construída sobre o argumento da “democracia racial” em que o “mito da harmonia das três raças” teria diluído qualquer forma de preconceito pela cor da pele, tendo em vista que todos no país seriam “mestiços” e, que nos parece mais importante para o nosso argumento, o papel que o Estado brasileiro exerce na produção e reprodução do racismo estrutural.
Esses aspectos nos ajudaram a formular o que entendemos enquanto diferença entre enegrecer a política e racializar a política. Cabe aqui explicar que estamos nos referindo especificamente à política institucional e, mais ainda, às composições das Casas Legislativos, especialmente, no Rio de Janeiro. O Mapa da Desigualdade divulgado recentemente pela Casa Fluminense nos mostrou que o percentual de vereadores que se autodeclaram preto ou pardo na capital é de 29%, ou seja, dos 51 vereadores, apenas 15 são negros. Isso está muito aquém da composição racial do país e do próprio Rio de Janeiro.
Outro dado importante é olhar para esse grupo de 15 vereadores e destacar de sua atuação parlamentar as ações que são direcionadas à população negra. Em outras palavras, aquelas que pautam de fato a questão racial, tanto o debate quanto as políticas públicas. Sabemos que essa pauta não é exclusiva das negras e dos negros, qualquer vereador ou vereadora poderia e, deveria, ter como pauta a questão racial, mas, estamos aqui para pensar especificamente sobre essa representação e, no limite, sua representatividade.
Desde essa perspectiva, é inconteste que não é suficiente para um equilíbrio apenas garantir a presença de negras e negros nos espaços democráticos de representação popular mas sobretudo qualificar e politizar essa agenda pública. A reflexão que ensejamos fazer é se o compromisso é com uma cidade antirracista na construção de suas políticas públicas ou apenas em corpos que encarnem agendas não necessariamente centradas nos problemas oriundos do racismo estrutural. Defendemos que a pauta racial tem que estar na ordem do dia das Casas Legislativas e essa questão é inegociável. Para que possamos promover uma mudança real na
estrutura racista que sustenta esse país é urgente tenhamos maior número de representantes que legislem com seriedade e responsabilidade para que o povo preto tenha a proteção real que nos oferece a Constituição brasileira.
Já passou da hora de enegrecer a política, é fundamental racializar esses espaços de representação.
Jorge Freire é produtor cultural e candidato a vereador do Rio de Janeiro
Monique Carvalho é doutora em Ciências Sociais e professora adjunta no CAp-UERJ
Philippe Valentim é professor de História e escritor