Veja as manchetes e editoriais dos principais jornais hoje (20/05/2020)

MANCHETES

O Globo

Sem ministro, país passa dos mil mortos diários
Ramagem levou ex-chefe da PF do Rio a Bolsonaro
Maia admite adiar eleição, mas sem esticar mandatos
Weintraub usou advogados do MEC em causa própria
Governo vai ‘suavizar queda’ de auxílio de R$ 600, diz Guedes
Família leva 17 horas para achar menino morto em ação policial
Rio quer internar paciente de Covid-19 antes de agravamento
EUA reprovam citação da OMS sobre patentes

O Estado de S. Paulo

Mais de mil mortes por dia e 1 a cada 7 novos casos no mundo
São Paulo registra mais de 5 mil mortos
Congresso estuda adiar eleições para o fim do ano
Poupança digital compulsória dificulta auxílio
O novo cenário dos teatros

Folha de S. Paulo

Pela 1ª vez, país supera mil mortes por Covid-19 em 24h
Maia vê quase unanimidade para adiar as eleições
Ministro pedem apoio do centrão a privatizações
Flávio repassou R$ 500 mil de fundo a advogado investigado
General põe coronel nº2 e 9 militares na Saúde
Senado dá aval para mudar data do Enem
Bolsa funcionará normalmente no megaferiado de SP
Decreto congela reajuste tarifário de energia
Menino de 14 anos morre em ação da PF no Rio
Emissões de carbono caem 17% no mundo com confinamento
Trump ameaça sair da OMS por divergências sobre coronavírus

Valor Econômico

Setor elétrico vê problemas no ‘socorro’ oficial
235 mil empregos
MS descarta afrouxar isolamento
Bracher defende juro baixo pós-crise
Bolsonaro sugere e empresa demite sem indenizar
Indústria de motos reabre em Manaus

EDITORIAIS

O Globo

Bolsonaro constrói o seu estelionato eleitoral

A distribuição de cargos e orçamentos ao centrão começa a definir o destino deste governo

Para quem se elegeu com um discurso visceral contrário à “velha política”, a perspectiva para Jair Bolsonaro é se constituir num estrondoso estelionato eleitoral. O presidente construiu uma imagem muito diferente do que ele é de fato, e isso cobra um preço. As primeiras faturas enviadas a Bolsonaro se devem à queda do disfarce de liberal, deixando aparecer as feições ideológicas de um defensor de corporações, e contrário, portanto, a mudanças incluídas na reforma da Previdência para reduzir a injusta distância entre segmentos privilegiados do funcionalismo público e a grande maioria de assalariados do setor privado. Esta distância entre o verdadeiro capitão e o candidato deve ter sido percebida por uma minoria dos recém-convertidos bolonaristas, preocupados com nuances ideológicas em torno do liberalismo. Se desembarcaram do projeto do novo presidente, devem ter sido compensados com sobras pela adesão de corporações do funcionalismo.

Mas agora, ao confiar o respaldo parlamentar do seu governo ao centrão e a políticos em geral especializados em vender apoio em troca de cargos e orçamentos, Bolsonaro radicaliza o seu processo de metamorfose para mostrar quem verdadeiramente é.

As sérias avarias sofridas pelo aumento da toxidade do caso do desvio de salários de assessores de gabinetes da Assembleia do Rio (Alerj) — a “rachadinha”, em que está implicado o filho senador Flávio —, acrescidas dos riscos que corre com os inquéritos que tramitam no Supremo para investigar usinas de fake news e subterrâneos das manifestações antidemocráticas, e isso tudo amplificado pelas denúncias do ex-ministro Sergio Moro, levam Bolsonaro a se preparar para a luta pela sobrevivência. Quer dizer, tentar reunir na Câmara no mínimo 171 votos para impedir que se aprove contra ele um processo de impeachment ou permissão para que seja processado no STF.

Bolsonaro começa a ficar parecido com Michel Temer (2016-18) e Collor (1990-1992), dois presidentes que se recolheram para montar barricadas de defesa em meio a um intenso toma lá dá cá, como o que o governo começa a praticar com o centrão e aparentados. O Temer reformista soube escolher boa equipe econômica, mas foi demolido na conversa indevida com o empresário Joesley Batista nos porões do Palácio Jaburu. Porém, manteve o mandato. Collor terminou abatido pelas revelações do irmão Pedro dos seus negócios com PC Farias.

Bolsonaro, ao seu modo, vai repetindo a história: acaba de entregar o orçamento de R$ 50 bilhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), do MEC, ao PL de Valdemar Costa Neto, mensaleiro, ex-presidiário, sem mandato, mas muito ativo.

Há pouco o presidente recolocou no conselho de Itaipu, uma sinecura binacional, o ex-deputado federal e ex- ministro de Temer Carlos Marun, do MDB, combatente da tropa de choque do ex-presidente. Na mesma leva, foi outro ex-deputado, José Carlos Aleluia, do DEM do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. A ver qual dos finais possíveis terá este roteiro.

O Estado de S. Paulo

A cloroquina e o crime de responsabilidade

À plena luz do dia, Jair Bolsonaro utiliza-se do cargo para causar dano à saúde da população, em escancarado exercício abusivo do poder

A pressão do presidente Jair Bolsonaro para que o Ministério da Saúde altere, contra as evidências e estudos médicos, o uso da cloroquina em pacientes com covid-19 é uma patente violação do direito à saúde, tal como previsto na Constituição de 1988. “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”, estabelece o art. 196 da Carta Magna.

A manobra do presidente é manifestamente perversa, por insistir numa medida com graves riscos para a saúde da população. Nada mais nada menos, Jair Bolsonaro quer que o Ministério da Saúde atue em sentido contrário ao que preconiza a medicina. Até Nelson Teich, que assumiu a pasta da Saúde assegurando “alinhamento completo” com o presidente, se recusou a assinar o novo protocolo.

Mas isso não é obstáculo para Jair Bolsonaro. Se médicos não podem assinar a mudança de orientação no uso da cloroquina, por ferir a ética profissional, o presidente da República quer valer-se do interino, Eduardo Pazuello, que não é médico – e sim um general de brigada intendente –, para obter a desejada aquiescência a seus arbítrios. À plena luz do dia, Jair Bolsonaro utiliza-se do cargo para causar dano à saúde da população, em escancarado exercício abusivo do poder.

Vale notar que a insistência de Jair Bolsonaro no uso da cloroquina não causa danos apenas à saúde da população. Ela coloca em risco a própria permanência de Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto, uma vez que a insistência em agredir a saúde da população, prescrevendo algo que afronta as evidências médicas, se encaixa inequivocamente em uma das descrições dos crimes de responsabilidade previstos na Lei 1.079, de 1950.

Assim estabelece o seu art. 7.º: “São crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos direitos políticos, individuais e sociais: (9) violar patentemente qualquer direito ou garantia individual constante do art. 141 e bem assim os direitos sociais assegurados no artigo 157 da Constituição”. Editada em 1950, a lei refere-se aqui a dois artigos da Constituição de 1946. O primeiro protege os direitos fundamentais – direito à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade – e o outro, os direitos sociais, incluindo a saúde. A Constituição de 1988 ampliou e tornou ainda mais explícito esse direito.

No caso, a conduta do presidente da República não viola o direito à saúde por uma limitação de recursos financeiros, falta de infraestrutura, ausência de mão de obra qualificada ou alguma circunstância condicionante da atuação do poder público. Não é que o Estado, em razão de alguma limitação, se mostre incapaz de prover atendimento médico adequado à população. O empenho de Jair Bolsonaro para ampliar o uso da cloroquina em pacientes com covid-19 é de outra ordem e, portanto, de outra gravidade. O que se vê é o uso insistente e arbitrário do poder presidencial para pôr em risco a saúde da população.

É de tal forma desastrosa, do ponto de vista médico, a ampliação do uso da cloroquina que governadores ouvidos pelo Estadão disseram que ignorarão o novo protocolo, se houver. Além dos graves efeitos colaterais da cloroquina e da ausência de comprovação de sua eficácia no tratamento da covid-19, o novo protocolo não contribuiria para solucionar os problemas principais das atuais circunstâncias, por exemplo, a falta de respiradores, leitos e testes.

Os fatos são contundentes: o governo de Jair Bolsonaro é completamente disfuncional. E de pouco adianta a presença de pessoas oriundas das Forças Armadas, seja com experiência em coordenação, logística ou enfrentamento de crise, se a orientação que prevalece no Executivo federal são os delírios de Jair Bolsonaro. Não se pode tapar o sol com peneira. Não há racionalidade e tampouco moderação em um governo no qual o presidente da República tenta obrigar o Ministério da Saúde a emitir uma orientação que inequivocamente coloca em risco a saúde da população. É o poder direcionado a causar dano, e isso é crime.

Folha de S. Paulo

O caso da Suécia

Defender estratégia do país escandinavo no Brasil desconsidera quadro diverso

No debate sobre a estratégias contra a pandemia de coronavírus, o exemplo sueco tem sido esgrimido como argumento de diversos pontos de vista, do técnico ao ético e do epidemiológico ao ideológico. Até o presidente Jair Bolsonaro agarrou-se a ele.

No mais das vezes, reduz-se a situação no país escandinavo a uma caricatura. Bolsonaro quis destacá-lo como paradigma da inutilidade do isolamento social, numa comparação destrambelhada entre Argentina, que critica, Brasil, que sabota, e Suécia, que admira.

O presidente, mais uma vez, deu prova de despreparo. Na conta por milhão de habitantes que sugeriu, os vizinhos se saem melhor (178 casos/milhão) que os brasileiros (1.140), e os suecos ficam em último lugar (2.937), até o fim de semana.

Tais cifras indicam que os suecos erram ao não adotar medidas draconianas como as de outras nações europeias? É cedo para dizer. A depender da duração da pandemia e do tempo para aprovar-se uma vacina eficiente, aceitar mortalidade mais elevada de partida pode ou não se revelar uma política adequada ­—é uma aposta.

Aposta fundada em lógica e princípios, a bem dizer, não em crenças irracionais como a viabilidade de uma retomada geral de atividades ou os efeitos da cloroquina.

Equivoca-se quem propagandeia que não houve política de distanciamento social na Suécia: museus, estádios, universidades e colégios fecharam, proibiram-se visitas a casas de repouso e reuniões de mais de 50 pessoas.

Sim, o comércio permaneceu aberto, mas com regras contra a aproximação entre clientes. E o país europeu tem metade dos habitantes da Grande São Paulo, baixa densidade demográfica, população de alto nível de escolaridade e sistema de saúde eficiente, que passou longe do colapso mesmo com a maior proporção de casos.

Brandir esse caso como exemplo a ser seguido no Brasil soa como chiste macabro. Aqui nem sequer há informações confiáveis sobre quantidade de infecções e óbitos por Covid-19 para nortear qualquer política de distanciamento, menos ou mais rigorosa.

Na penumbra das evidências parcas e da desrazão rampante, tateamos entre tentativas e erros. Basta ver as idas e vindas em São Paulo quanto à mobilidade dos cidadãos, que não se consegue reduzir.

Certo é que não existe política única para garantir isolamento social na medida certa. Países, regiões e cidades enfrentam momentos diferenciados na marcha da epidemia, com recursos sanitários e condições sociais díspares.

Valor Econômico

Mudanças no poder global colocam em xeque a OMC

Não há mais um polo dominante na arena comercial e política

A saída antecipada de Roberto Azevêdo do comando da Organização Mundial do Comércio é simbólica de uma mudança de fase no jogo econômico e político do comércio mundial. A pandemia acelerou as tendências anti-globalização, que já haviam sido potencializadas pela ascensão de Donald Trump nos Estados Unidos e de outros populistas em vários países. O protecionismo em alta é o antípoda do espírito radicalmente negociador de seu diretor-geral e da OMC, que vive grave crise.

A tensão entre a expansão da globalização, sustentada pelas instituições multilaterais, e a perda de parte da soberania dos Estados nacionais é antiga, mas subiu ao palco principal a partir da crise de 2008. Ela já existia sob outra forma, como revelou o fracasso da Rodada Doha da OMC, após mais de uma década de negociações. A aliança que procurava moldar novas regras era diferente: China, Índia e Brasil, potências então ascendentes, tentaram limitar velhos privilégios da Europa e Estados Unidos. Nessa contenda, o protecionismo foi uma arma usada pelos países emergentes, enquanto que a defesa do livre comércio manteve-se como estandarte padrão dos países ricos. Agora, a lógica mudou.

A China é a segunda maior potência econômica e adotou o discurso da globalização, após tornar-se o parque fabril do mundo. A Europa perdeu-se em meio a crise econômicas e ameaças de estilhaçamento do maior bloco econômico do mundo. Os EUA, que criaram as instituições multilaterais e davam as cartas no comércio global, perderam a hegemonia e estão seriamente ameaçados de perder a liderança tecnológica. Entrou em cena Donald Trump e seu “A América em primeiro lugar”.

Pequim está longe de respeitar as regras do livre mercado e da democracia, mas ao ser aceita na OMC e ganhar poder econômico e político global, usa o multilateralismo como uma bandeira que lhe é conveniente. Sob Barack Obama, os EUA traçaram uma estratégia dentro das regras do jogo para conter o expansionismo chinês, ao desenhar a Parceria TransPacífico, o maior acordo comercial com uma dúzia de nações, para deter as rédeas da política comercial na região que mais cresce no mundo, e impedir que Pequim ditasse as regras.

Trump mudou tudo. Ele está destruindo os organismos multilaterais, e a OMC é um dos alvos. Há consenso entre os republicanos de que a OMC legisla contra os interesses americanos e extrapola suas funções, uma crítica enviesada que conta com a simpatia de muitos democratas. Os EUA, sem alarde, impediram o tribunal da OMC, único com poder de decisão efetiva sobre disputas comerciais globais, de operar. Recusaram-se a indicar juízes e hoje a corte de apelação está paralisada.

A resposta à pandemia desorganizou as cadeias de produção e tende, no atual contexto, a redesenhá-las, com algum retorno da produção de itens estratégicos, como os ligados ao setor de saúde, para as indústrias domésticas. Esta reestruturação não necessariamente leva ao protecionismo, que é mais uma reação política que com vistas a obter supostas vantagens comerciais.

Com fins eleitorais, Trump voltou a atacar a China, principalmente no decisivo front tecnológico, buscando impedir que a Huawei, à frente na disputa pelo 5G, obtenha semicondutores americanos. Agora, os EUA ameaçam retaliar fornecedores externos da Huawei que usem equipamentos americanos e vendam ao gigante chinês. A China também já deu vários passos para restringir grandes empresas de TI dos EUA de prosperarem no mercado doméstico.

Nessa guerra pela corrida tecnológica, os EUA jogam com a lei do mais forte e vão exigir “lealdade” e alinhamento para continuarem a manter relações com seus parceiros mais frágeis. O jogo diplomático chinês usa a sedução da neutralidade na disputa, amparada por investimentos diretos e acesso a seu gigantesco mercado.

A Europa é aliada e rival dos EUA. Trump não aceita restrições à expansão das gigantes de TI de seu país no mercado europeu e os europeus não aceitam as jogadas monopolistas delas. Essa é uma fonte de atritos, mas há alianças possíveis. Uma delas é a reforma da OMC, que pode ser mutuamente proveitosa. A UE já cobiça a vaga de Azevêdo e antes de sua saída articulava mudanças para restringir as vantagens indevidas da China. Os passos isolados, ou em conjunto, ilustram que não há mais um polo dominante na arena comercial e política. A tendência ao protecionismo pode mudar, porém, se Trump perder as eleições.

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