Já temos 136 mortos e mais de 4.200 casos confirmados de Covid-19 no Brasil, que se somam aos mais de 30.000 mortos e 600.000 infectados no mundo todo. No mesmo dia em que o Distrito Federal confirma a primeira morte por infecção do novo coronavírus – a servidora Viviane Rocha de Luiz, de 61 anos -, o presidente da República foi às ruas estimular o descumprimento das orientações mais elementares dos técnicos da saúde de todo o mundo – inclusive do seu próprio Ministério.
Na manhã deste domingo, 29, Bolsonaro visitou diversos lugares públicos no entorno de Brasília, aglomerando pessoas e repetindo falas contrárias às medidas de segurança sanitária. Ao final, anunciou estar cogitando um Decreto para cancelar todas as medidas de distanciamento social impostas com base na ciência.
Todos os eventos de transgressão às medidas de isolamento para conter o avanço do novo coronavírus foram filmados e transmitidos para milhões de pessoas. E as imagens mostraram um Bolsonaro ainda em campanha, que parece não ter entendido a realidade que grita ao seu redor e ainda acredita em uma falsa disputa entre a preservação de vidas e a garantia de estabilidade econômica, como se não fosse óbvio que as duas ações são urgentes e necessárias, mas sempre subordinadas ao valor maior inscrito na Constituição Federal, o respeito à vida.
Essa mistura de irresponsabilidade e ignorância não deve ser lida como uma simples demonstração de despreparo intelectual e emocional. Até as referências políticas internacionais de Bolsonaro, com destaque para Trump, depois de alguma demora, entenderam a gravidade da situação e estão anunciando sucessivas medidas de desestímulo à circulação de pessoas e de quarentena. Mobilizam seus países para um sentimento de união no enfrentamento da maior crise sanitária e econômica dos últimos 100 anos.
Quando escolhe o caminho do confronto em lugar do chamamento à união, quando escolhe ignorar as orientações dos médicos, inclusive daquele que escolheu como Ministro da Saúde, Bolsonaro faz uma aposta de altíssimo risco para a população brasileira.
Ainda que o estilo populista disfarce, estamos diante de um homem que venceu uma campanha histórica contra o grupo político que tinha hegemonia no comando do país há décadas. Alguém que soube catalisar o desejo de mudança que gritava nas ruas, mesmo sem apoio de nenhuma força política tradicional ou grandes recursos. Não pode ser tratado como ingênuo ou simplório. Bolsonaro sabe onde quer chegar.
O que ele aparenta estar buscando é o agravamento de uma ruptura política que justifique uma eventual tentativa de auto-golpe. Aposta no agravamento da divisão nacional para fortalecer a narrativa de vítima e justificar seu projeto de poder que não aceita os limites impostos pela democracia. Repete trajetória já vista diversas vezes na história.
Ironia do destino, foi justamente a democracia que permitiu sua legítima chegada ao poder. Os limites do que pode e do que não pode fazer um governante estão claros na nossa Constituição.
Bolsonaro rompeu estes limites, justamente na hora em que a população mais precisa de uma liderança positiva. A solução deste impasse vai exigir equilíbrio e coragem para fazer o necessário neste momento tão grave da nossa história, mas sempre dentro dos limites democráticos, sempre no estrito respeito à Constituição.
É com base nela que atos abusivos e equivocados serão corrigidos imediatamente. E é também com o mesmo respaldo legal que as responsabilidades individuais serão apuradas.
Por hora, a escolha do Congresso Nacional deve ser salvar vidas pela saúde e pela economia. (Congresso em Foco – 29/03/2020)
Alessandro Vieira é senador pelo Cidadania de Sergipe