Veja as manchetes e editoriais dos principais jornais hoje (10/01/2020)

MANCHETES

O Globo

Míssil iraniano pode ter derrubado avião por engano
Toffoli derruba censura ao Porta dos Fundos
Caixa estuda diminuir juro do cheque especial para 2%
Presidente do STF recua e permite redução do DPVAT
Idade mínima para cirurgia de troca de sexo cai para 18 anos
Milícia pode ter infiltrado estagiária na Defensoria
Em Petrópolis, chuva deixa ‘lago de lama’ no Quitandinha
Maior teatro da Zona Sul tem futuro indefinido
Paz: Romário se reaproxima da CBF em jogo-exibição

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro quer dar subsídio para luz de templos religiosos
Funcionalismo federal eleva pressão por maior salário
Toffoli derruba veto a especial do Porta dos Fundos
EUA e aliados dizem que Irã abateu avião; Teerã nega
Produção industrial cai após três altas
Chuva abre cratera e espalha buracos em SP
Menina de 4 anos sobrevive na floresta
Anuncio de Harry e Meghan enfurece rainha

Folha de S. Paulo

Segundo Canadá e Reino Unido, míssil do Irã abateu avião
Expansão do Bolsa Família esbarra em falta de dinheiro
Toffoli revê própria decisão e reduz valor do DPVAT
Assessor de Guedes é denunciado pelo Ministério Público
Supremo derruba censura a especial do Porta dos Fundos
Chuva de 60 mm mata 2, abre cratera e derruba árvores em SP; previsão é de mais temporais
Conselho de Medicina reduz para 18 anos idade mínima para cirurgia de adequação de sexo
Intoxicações e morte são investigadas em Minas
Isolado, Battisti acumula derrotas na Justiça italiana
Sindicatos tentam barrar previdência de Macron

Valor Econômico

País vendeu US$ 37 bi das reservas no ano passado
Crédito a pessoa jurídica retoma o nível pré-crise
Por fraude em fundos, 29 são denunciados
O jovem Wesley assume a Seara
“O cinema não vai acabar”, diz presidente da Cinemark
Após ano ruim, bancas voltam a se expandir
China joga pesado na luta ideológica

EDITORIAIS

O Globo

Censura é ilegal e inaceitável em qualquer área

Veredicto sobre vídeo coincide com um governo que atua de forma autoritária contra a arte e a cultura

A liberdade de imprensa e de expressão, direito constitucional do cidadão e da sociedade, de tempos em tempos é desrespeitada em decisões de juízes de primeira instância, ao decretarem censura a algum tipo de conteúdo artístico ou jornalístico. O erro costuma ser corrigido na instância seguinte, mas isso não serve de atenuante.

No caso do “Especial de Natal Porta dos Fundos: A primeira tentação de Cristo”, a censura foi estabelecida por um desembargador, Benedicto Abicair, da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, portanto, na segunda instância. A decisão de Abicair foi tomada sobre recurso da Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura à negativa na instância inicial ao seu pedido de retirada do filme da Netflix. O desrespeito à Constituição, neste caso, subiu de patamar.

Compreende-se que haja quem não goste de um enredo em que Cristo é personificado como gay. Outros riem ou não se importam. Mas não se pode impedir sua circulação, exibição. Se alguém quiser exigir indenizações por via judicial à produtora, está no seu direito. Funciona assim.

Mas preocupa que o veredicto do desembargador coincida com uma atmosfera política tensa no país, inaugurada pela chegada da extrema direita ao Planalto, por meio do presidente Jair Bolsonaro e seu grupo. Também haveria problemas deste tipo se fosse com a esquerda, como aconteceu em torno do jornalismo profissional.

Ilustra este caso do vídeo o ataque com coquetéis molotov à sede da produtora Porta dos Fundos. Um dos criminosos foi identificado: Eduardo Fauzi, foragido na Rússia, e contra quem a Polícia Federal enviou pedido de prisão à Interpol.

Já identificado por participar de manifestações violentas de rua, precisa mesmo se explicar à polícia no Rio. É inútil especular se o atentado seria cometido em outro momento político. Deve-se é cumprir de forma estrita a lei.

Também de nada adianta tecer especulações conspiratórias. Porém, é preciso haver consciência de que há no Executivo federal grupos autoritários que tentam censurar obras de arte, boicotar o financiamento de projetos culturais etc. Sempre com um viés reacionário. Talvez de forma tão poderosa e eficaz quanto um juiz, porque estes aparelhos bolsonaristas usam como arma a retenção de recursos públicos essenciais ao setor.

Por isso, é preciso que as instituições democráticas sejam sempre acionadas na defesa do direito à liberdade de imprensa e de expressão, entre outros de sentido republicano. Sempre é necessária uma vigília em defesa das liberdades. Quanto mais agora.

Exemplo oportuno é o recurso ao Supremo contra a censura do filme, aceito pelo presidente da Corte, Dias Toffoli. É preciso ser entendido, conforme explicou a constitucionalista Vera Chemim ao GLOBO, que uma obra considerada desrespeitosa nos aspectos moral e religioso está protegida pela Constituição, do ponto de vista do Direito. É o que vale.

O Globo

Fundos estatais perderam bilhões com fraudes na avaliação de ativos

Exposição dos malfeitos é necessária, mas há que se aperfeiçoar o controle

Avançam as investigações sobre fraudes nos fundos de pensão de empresas estatais. O Ministério Público Federal encerrou 2019 com uma ação de improbidade contra 26 pessoas e três empresas acusadas de provocar prejuízo de R$ 1,4 bilhão nas fundações Funcef (Caixa Econômica Federal), Petros (Petrobras) e Postalis (Correios).

As perdas nos fundos de pensão estatais são bilionárias. Elas foram detectadas durante as investigações sobre corrupção na Petrobras, na Operação Lava-Jato, e há cerca de três anos repassadas a uma força-tarefa especialmente constituída em Brasília. A dimensão e a complexidade das fraudes financeiras já comprovadas, em tese, são suficientes para ocupar o grupo de procuradores pelos próximos oito anos, em tempo integral.

Havia método e organização no ardil montado em torno desses fundos, os maiores do país, responsáveis pela gestão do patrimônio que garante aposentadoria e pensões dos empregados das empresas públicas. Alguns padrões foram determinados.

Dos dez casos que motivaram a abertura das investigações, sob o codinome de Operação Greenfield, oito são relativos a investimentos realizados de forma temerária ou fraudulenta pelos gestores das fundações estatais em empresas privadas por meio de Fundos de Investimento em Participações (FIPs), instrumento financeiro utilizado pelo investidor para comprar participação acionária numa empresa, ou adquirir títulos de dívida (do tipo debêntures simples ou conversíveis em ações).

Descobriu-se que, nessa dezena de casos investigados, a trapaça começou na avaliação de ativos com sobrepreço — similar ao superfaturamento em obras públicas.

Entre 2009 e 2014, por exemplo, diretores de Funcef, Petros e Postalis, em parceria com executivos do Multiner e com empresas de consultoria, aportaram o equivalente a R$ 1,4 bilhão no FIP Multiner, para construção, montagem e operação de uma termelétrica em Manaus. O Multiner não valia tanto. Ao contrário, já era inviável financeiramente.

Desse investimento nada restou para os fundos de pensão. Perderam 100% do capital, e o FIP Multiner ainda contabiliza um saldo negativo de R$ 398,5 milhões. O Ministério Público pediu à Justiça indenização de R$ 4 bilhões pela coletânea de crimes, que abrangem enriquecimento ilícito, dano ao Erário e atentado aos princípios da administração pública.

A exposição das fraudes nos fundos de empresas estatais é necessária, mas é preciso absoluto rigor no aperfeiçoamento dos mecanismos de prevenção, controle e punição, para que não se repitam.

O Estado de S. Paulo

Soa, de novo, o alarme da indústria

A crise do setor industrial compromete gravemente o dinamismo e a qualidade do conjunto da economia. O problema, porém, vem sendo pouco ou nada discutido

Depois de três meses de crescimento, o novo recuo da produção industrial faz disparar, de novo, o alerta. Quanto poderá crescer a economia brasileira, e por quanto tempo, com a indústria ainda muito fraca? Ninguém se assusta, em Brasília e no mercado, com o risco de um retrocesso na conformação da economia nacional? A longa e trabalhosa industrialização do Brasil, obtida em décadas de muito esforço e muito investimento, parece haver-se interrompido há pouco menos de dez anos, no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. O declínio começou, portanto, antes da recessão de 2015-2016. Pelos últimos números, a atividade industrial voltou ao nível de fevereiro de 2009 e ficou 17,1% abaixo do pico atingido em maio de 2011.

Em novembro, o setor produziu 1,2% menos que no mês anterior e 1,7% menos que um ano antes. Foi negativo o desempenho mensal de todos os grandes segmentos – bens de capital, bens intermediários e bens de consumo duráveis e não duráveis. Além disso, de janeiro a novembro o volume produzido foi 1,1% inferior ao de igual período de 2018. A queda acumulada chegou a 1,3% em 12 meses, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Apesar de alguma reação no segundo semestre, os últimos números da indústria indicaram uma atividade 0,8% menor que a de dezembro do ano anterior. O governo chegou a anunciar uma firme arrancada da economia a partir de setembro. Surgiram, de fato, dados positivos, e muitos economistas apresentaram novas estimativas de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019 e 2020. No entanto, as projeções da atividade industrial permaneceram negativas para o ano passado e modestamente positivas para este.

O mau desempenho de 2019 é atribuível em parte à prolongada crise argentina. O segundo maior país do Mercosul é um importante comprador de manufaturados produzidos no Brasil. A indústria automobilística foi especialmente prejudicada pela recessão no vizinho. Em dezembro, as fábricas de veículos foram mal, como já informou a associação das montadoras. E isso deverá afetar os dados finais do setor industrial, como antecipou o gerente de Coordenação da Indústria do IBGE, André Macedo. Não se pode, no entanto, confundir os problemas de toda a indústria com os da área automobilística, apesar da importância deste segmento.

Em novembro, o desempenho foi pior que o de um ano antes em 18 dos 26 ramos da indústria, em 43 dos 79 grupos e em 53,8% dos 805 produtos cobertos pela pesquisa do IBGE. Também durante o ano os números negativos foram difusos. Não há como desprezar esses dados, mesmo levando em conta a grande importância da indústria automobilística no conjunto da atividade industrial. Os pontos fracos são muito espalhados. Seria mais fácil destacar empresas e segmentos de sucesso, em geral diferenciados pela competitividade e pela maior presença no mercado internacional. A indústria aeronáutica é o exemplo mais evidente. Seria igualmente fácil mencionar segmentos industriais vinculados ao agronegócio, há anos o setor mais saudável e competitivo da economia brasileira.

Não se pode confundir a crise da indústria brasileira com as mudanças em curso, há vários anos, em países desenvolvidos, onde o setor industrial tem perdido peso na composição do PIB. Nessas economias, às vezes classificadas como pós-industriais, tem crescido o peso de setores de serviços muito eficientes e tecnologicamente avançados. O setor de serviços do Brasil continua muito longe desses padrões. A economia brasileira continua muito dependente da indústria, especialmente do segmento de transformação, como núcleo de absorção, produção e difusão de tecnologia, como centro de irradiação de dinamismo e como fonte de geração de empregos formais e com remuneração acima da média do mercado.

No Brasil, a crise do setor industrial compromete gravemente o dinamismo e a qualidade do conjunto da economia. Este problema, no entanto, vem sendo pouco ou nada discutido em Brasília, no mercado e até na academia.

O Estado de S. Paulo

Mais pessimismo na educação

A área educacional foi a mais atingida pela gestão desastrosa de Bolsonaro, em seu primeiro ano de mandato

Especialistas em pedagogia e ONGs conceituadas do setor educacional começaram o ano discutindo um problema grave numa área vital para a formação das novas gerações. Trata-se da renovação, no final do primeiro semestre, do mandato de 12 dos 24 membros do Conselho Nacional de Educação (CNE), que é o órgão encarregado, entre outras atribuições normativas e administrativas, de promover a articulação do sistema educacional entre a União, os Estados e os municípios, definir diretrizes para formação docente, emitir pareceres sobre políticas educacionais e fiscalizar o cumprimento da legislação do setor.

O temor dos especialistas diz respeito aos critérios de escolha que serão adotados pelo governo do presidente Jair Bolsonaro. Pela legislação em vigor, metade das indicações deve ocorrer por meio de uma lista de nomes apresentada por entidades da área educacional, cabendo ao Ministério da Educação (MEC) escolher as mais representativas. Há mais de uma década, os nomes – quase todos com excelente currículo e muita experiência em gestão educacional – têm sido indicados pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).

Por lei, o governo pode reconduzir ao cargo todos os conselheiros que estão no primeiro mandato. Embora as autoridades educacionais não tenham se manifestado oficialmente, já circulam no Executivo e no Legislativo rumores de que Bolsonaro e o ministro da Educação, Abraham Weintraub, deverão preterir essas entidades, dando preferência a nomes indicados por associações educacionais vinculadas a igrejas evangélicas. Também circulam rumores de que, pressionado pela bancada evangélica do Congresso, o governo escolherá conselheiros para a Câmara de Educação Básica do CNE com uma visão próxima da que tem a equipe do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, principalmente em matéria de gênero.

Esses rumores começaram a circular em Brasília no final de dezembro, duas semanas antes de Bolsonaro, ao responder a perguntas de jornalistas, ter falado espontaneamente que os livros didáticos usados nas escolas públicas têm “um montão de amontoado de muita coisa escrita” (sic) e são um “lixo”. Na ocasião, sem ser indagado, o presidente prometeu que os próximos livros escolares serão “suavizados” e que não servirão para doutrinação. “Não vão ficar nessa historinha de ideologia. Esse moleque é macho, pô. Estou vendo aqui, o moleque é macho. E os idiotas (os autores dos livros didáticos hoje em circulação na rede pública) acham que ele vai definir o sexo quando tiver 12 anos de idade. Sai para lá”, concluiu Bolsonaro, apontando para um garoto de seis anos que estava no colo do pai.

Como a maior parte dos conselheiros do CNE que terminarão o mandato pertence à Câmara de Educação Básica, especializada em questões de ensino infantil, fundamental e médio, os temores dos especialistas em pedagogia e das ONGs do setor educacional são procedentes. Eles receiam que os novos conselheiros, além de optarem por diretrizes mais políticas e religiosas do que técnicas, tentem revogar os marcos normativos de políticas fundamentais em fase de implementação, como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), desorganizando o ensino fundamental. Como em 2019 o MEC perdeu tempo discutindo política do método fônico de alfabetização, entre outras bobagens, as secretarias estaduais e municipais de educação não tiveram outra saída a não ser adotar o que julgavam mais adequado para as redes de ensino sob sua responsabilidade. Como cada secretário fez o que pôde, não houve articulação no plano nacional.

A área educacional foi a mais atingida pela gestão desastrosa de Bolsonaro, em seu primeiro ano de mandato. A se confirmar essa simbiose entre orientação evangélica, diretrizes conservadoras, inépcia administrativa e voluntarismo no CNE, a situação ficará pior.

O Estado de S. Paulo

Empreendedorismo verde

O Brasil pode e deve protagonizar uma verdadeira “Primavera Verde”, seja na esfera pública, seja no mercado

O ano de 2019 foi amargo para ambientalistas brasileiros. Como se não bastasse a moral abalada por catástrofes inadvertidas como Brumadinho ou as manchas de óleo no litoral, as queimadas na Amazônia e os destemperos do presidente Jair Bolsonaro desencadearam protestos internacionais dos mais embaraçosos – como o prêmio “Fóssil Colossal” na COP25 da ONU – aos mais onerosos – como boicotes ao agronegócio. Neste 2020 em que os brasileiros precisarão redobrar esforços contra as nuvens escuras que se acumulam sobre suas cabeças – seja literalmente, no céu, seja metaforicamente, nas esferas de governo –, é bom que atentem às iniciativas que germinam sob seus pés para tornar a economia mais verde.

Na mesma COP, como reportou o Estado, um grupo de empreendedores brasileiros das chamadas clean techs apresentava soluções para impactar positivamente o clima intensificando a produtividade em setores como agropecuária, saneamento, energia, logística e mobilidade ou uso de solo e florestas. A ONU estima que a economia de baixo carbono representa uma oportunidade de crescimento de US$ 26 trilhões de dólares que poderia criar 65 milhões de empregos até 2030. Na Climate LaunchPad de Amsterdã, uma competição de clean techs, o Brasil teve o segundo maior número de inscritos em meio a 53 países, com 155 negócios entre 2.601.

Uma das mais de 500 startups ambientais do País, a Pluvi.on, consegue, por meio de um sistema mais preciso de previsão das enchentes, reduzir os danos nas comunidades afetadas. Outra, a Stattus4, otimiza o rastreamento das perdas de água nos encanamentos. O Brasil desperdiça quase 40% da água coletada nos mananciais durante a distribuição. Um quinto disso seria suficiente para abastecer os 35 milhões de brasileiros sem água potável. Uma outra startup, a Inocas, descobriu um substituto para o óleo de palma, comum em alimentos e cosméticos, do óleo de macaúba, que é ainda uma potencial alternativa a combustíveis fósseis como o diesel. O plantio da macaúba é mais amistoso à vegetação nativa e pode ser feito em áreas de preservação tanto ambiental, reduzindo o desmatamento, quanto em pastagens degradadas, aumentando a produtividade do gado.

No Mato Grosso, uma das principais fazendas de soja e gado do Brasil, a Roncador, conseguiu intensificar a pecuária, reduzindo a área de pastagem de 60 mil hectares para 30 mil, por meio do modelo de integração lavoura-pecuária – um sistema consorciado que alterna pasto com soja aumentando a ciclagem de nutrientes no solo e mantendo sua umidade. Em dez anos a produção de carne cresceu 30% e a produção total de alimentos aumentou 40 vezes sem derrubar nenhuma árvore.

O Painel de Mudanças Climáticas da ONU estima que 23% das emissões de gases de efeito estufa provêm da pecuária e do desmatamento. Em dez anos, a Roncador deixou de emitir 46,7 mil toneladas de CO2 por safra e passou a capturar 89 mil toneladas, o equivalente às emissões anuais de 51 mil carros. Até agora, apesar dos incentivos federais previstos para a Agricultura de Baixo Carbono, os casos bem-sucedidos de integração lavoura-pecuária são de projetos-piloto, mas o desempenho de uma fazenda do porte da Roncador indica que o modelo pode ser replicado com sucesso.

O Brasil pode, sendo a segunda potência agropecuária do mundo, e deve, sendo guardião de um bioma decisivo para a vida planetária, protagonizar uma verdadeira “Primavera Verde”, seja no dia a dia da esfera pública, seja no terra a terra do mercado – com efeito, ela só é plausível se um nutrir o outro. Mas, contra um 2019 cinzento, é preciso erguer a moral. Empreendimentos como esses têm a virtude – por imperfeitos que sejam na prática – de se empenhar na satisfação de ambições idealistas e de necessidades realistas: de, a um tempo, reduzir o impacto ambiental e intensificar a produtividade; rentabilizar o seu negócio e dar frutos à sociedade – anseios plausíveis, quanto mais se nutrirem uns aos outros

Folha de S. Paulo

Mais planejamento

Mesmo em cenário de aperto, governo não pode descuidar dos mais necessitados

Em operação feita às presas no final de 2019, o governo Jair Bolsonaro precisou usar parte de uma verba que estava prevista para aposentadorias e pensões a fim de bancar o pagamento da 13ª parcela aos beneficiários do Bolsa Família, uma promessa de campanha que, como em muitas eleições, não contava com o devido lastro financeiro.

Parte do dinheiro veio de recursos que estavam reservados para a Previdência Social e que não foram utilizados devido ao atraso do Instituto Nacional do Seguro Social em dar resposta a novos pedidos de aposentadorias e pensões.

Estima-se que aproximadamente 2,3 milhões de pedidos por benefícios desses tipos estivessem represados até o final de novembro passado. O governo federal promete agora diminuir a maior parte desse estoque até o final de 2020 a um custo de quase R$ 10 bilhões.

A situação de aperto nas contas públicas não é nova e tem mobilizado a atual equipe econômica a dar continuidade ao trabalho iniciado no governo Michel Temer, que atacou a questão principalmente com a aprovação, no Congresso, da emenda constitucional que instituiu o chamado teto dos gastos.

No governo Bolsonaro, a maior contribuição para o esforço de sanear as contas certamente virá da reforma da Previdência, que prevê uma economia de R$ 800 bilhões em dez anos aos cofres da União.

Mas, como o remanejamento destinado ao Bolsa Família revelou, o país ainda está muito distante de conquistar uma trajetória consistente de redução do déficit federal e do endividamento público, hoje próximo a 80% como proporção do PIB e no maior patamar entre as grandes economias emergentes.

Nesse sentido, é fundamental que Bolsonaro mantenha o foco no que interessa e concentre esforços na relação com o Congresso a fim de encaminhar outras reformas.

Em seu primeiro ano, um tempo precioso foi perdido com inutilidades ideológicas e confusões causadas pelo próprio presidente. Elas acabaram frustrando as projeções de crescimento para 2019, que terminaram cortadas à metade em relação ao que muitos davam como certo no começo do mandato.

Daqui para frente, o maior desafio é aprovar a reforma administrativa, que trará impactos positivos na segunda maior conta da União, o gasto com os servidores.

Até lá, o governo deveria priorizar o planejamento em torno das verbas destinadas ao Bolsa Família, cujo atendimento em 2019 foi reduzido de 13,8 milhões de beneficiários para 13,1 milhões.

Trata-se de um contrassenso em um país que viu a pobreza extrema aumentar mais de 30%, para 24 milhões de pessoas, desde a recessão iniciada no final de 2014, ainda no governo de Dilma Rousseff.

Folha de S. Paulo

Estupidez primitiva

Censura a filme humorístico revela analfabetismo constitucional

Não fosse um disparate rematado, a censura imposta por um desembargador do Rio de Janeiro ao grupo humorístico Porta dos Fundos desafiaria os doutrinadores do Direito a lidar com uma nova categoria jurídica, o “animus pacificandi”.

Foi investido do espírito de pacificador da pátria que Benedicto Abicair, do Tribunal de Justiça, esmagou a Constituição. Mandou às favas a liberdade de expressão e o veto à censura para proibir a veiculação de filme que satiriza Jesus.

Nem se fale da estupidez estratégica dessas decisões amalucadas. Com a probabilidade de que não vejam o dia nascer mais que duas vezes, elas acabam atraindo ainda mais atenção e curiosidade para a peça que desejam proscrever.

Desta vez a sandice não durou nem sequer 30 horas. Coube ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, fulminá-la na noite desta quinta (9), por razões tão óbvias que causa espanto não estarem sedimentadas na cabeça de todos os magistrados nacionais neste 32º ano de vigência da Carta.

Manifestações que incidem sobre a moral e a religião jamais se traduzem de modo objetivo para o intérprete da lei. Por isso a melhor tradição do Direito abre mão de exercer tutela sobre elas, deixando-as circular livremente para que sejam criticadas, elogiadas ou simplesmente ignoradas no âmbito exclusivo da sociedade civil.

Há milênios se faz humor agressivo com elementos religiosos. O filme alvejado pelo desembargador Abicair, com perdão do trocadilho, chuta uma porta arrombada.

Mas há quem ainda dê risada de suas piadas. Também se respeitam argumentos dos que lhe condenam o mau gosto, o exagero e a ofensiva banal contra a fé alheia. Campanhas civis de boicote são legítimas.

Só a força é que está proibida de entrar nesse circuito —seja a brutalidade dos terroristas que tentaram incendiar a produtora do Porta dos Fundos, seja a violência estatal que cala, censura e tira do ar.

Pessoas que agridem aquele cuja expressão lhes cause ojeriza e magistrados que subtraem as liberdades democráticas são como resquícios de uma sociabilidade primitiva vez ou outra irrompendo entre nós.

Talvez valham como lembretes de que a tarefa civilizatória nunca cessa e exige atenção constante.
O modo de lidar com essas anomalias é insistir na completa alfabetização constitucional dos aplicadores da lei, bem como na punição daqueles que, em vez de argumentar, partem para as vias de fato.

Valor Econômico

Dívida intensifica expectativa com nova lei da recuperação

As regras de recuperação judicial das empresas ajudam a azeitar as relações econômicas e abrem espaço para o barateamento do crédito

Levantamento da consultoria Alvarez & Marsal publicado pelo Valor (7/1) apurou que as 20 maiores recuperações judiciais do país somavam R$ 242 bilhões em dívidas em outubro de 2019. O volume de recursos devido por essas empresas em dificuldades cresceu 62% no ano. Cinco novas companhias entraram para o clube nada seleto e engrossaram o calote em nada menos do que R$ 100,3 bilhões. Somente a Odebrecht contribuiu com R$ 80 bilhões para a conta dependurada junto aos credores. Os números reforçam a necessidade de aprovação da reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falências, que vai completar 15 anos, mas já precisa de aperfeiçoamentos.

Uma legislação deficiente para promover a recuperação judicial ou falência das empresas é um dos motivos para a posição lamentável do Brasil no ranking Doing Business do Banco Mundial, que reflete o ambiente de negócios em 190 países. O Brasil caiu oito posições no levantamento mais recente, e recuou do 116º para o 124º posto. A nota do Brasil até melhorou. Mas outros países passaram à frente porque estão fazendo reformas mais rapidamente. Uganda e Egito são alguns deles. O prazo médio de recuperação ou falência é de quatro anos no Brasil em comparação com menos de três anos na América Latina.

Pior do que isso é o baixo índice de sucesso na recuperação das empresas. Segundo levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a taxa de recuperação no Brasil é de apenas 14%. No Japão, por exemplo, o nível fica em 92%. Nos Estados Unidos é de 82%; e, no Chile, de 42%.

Todos esses elementos acabam influenciando o custo do crédito. O volume elevado de dívidas é um dos motivos para os spreads elevados cobrados pelos bancos. Os R$ 242 bilhões devidos pelas empresas em recuperação judicial donas das maiores dívidas representam praticamente o dobro dos créditos contabilizados em atraso há mais de 91 dias pelos bancos em outubro, ou seja, de risco mais elevado. Naquele mês, dados do Banco Central (BC) informavam que os bancos tinham o equivalente a 8% da carteira classificada como E, F, G e H, de um total de R$ 1,42 trilhão em empréstimos para pessoas jurídicas.

O levantamento da consultoria Alvarez & Marsal, detalhado pelo Valor, detectou o aumento dos pedidos de recuperação judicial de maio a outubro, em relação a igual período de 2018, o que foi atribuído à demora na retomada do crescimento econômico mais robusto. Nesse espaço de tempo, pediram recuperação judicial não só a Odebrecht (junho), mas também a Atvos (antiga Odebrecht Agroindustrial), com R$ 12 bilhões em dívidas em maio; a Renova Energia, com débitos de R$ 3,1 bilhões e a Enseada Naval, com R$ 2,3 bilhões, ambas em outubro. Anteriormente no ano, em fevereiro, havia pedido recuperação a Heringer, com R$ 2,9 bilhões devidos.

Mas o que mais chamou a atenção dos consultores foi a concentração do setor de infraestrutura, com atividades em construção pesada e energia, no grupo das 20 maiores em recuperação judicial. Mas isso já era esperado dado o envolvimento de muitas empresas da área nas investigações da Lava Jato. Além da Odebrecht, fazem parte da lista a OAS e a UTC, empresas que entraram em dificuldades depois que as investigações vieram à tona. Por trás disso há a preocupação de como serão tocadas as obras de infraestrutura necessárias na retomada da economia e se as empresas menores e as eventuais estrangeiras interessadas terão condições de desempenhar esse papel.

Há correntes que defendem que as investigações deveriam poupar as empresas e se concentrar nos acionistas e diretores que violaram as leis. No entanto, a relação íntima entre as finanças dos acionistas e a das empresas torna muitas vezes difícil essa distinção. Em relação à revisão das regras de recuperação, há também quem advogue que os empresários tenham direito a errar.

Havia a esperança de que 2019 pudesse fechar já com uma nova legislação para a recuperação judicial e falência das empresas. O processo até andou, mas não chegou a sua conclusão. Agora a expectativa foi transferida para este ano, quando o Congresso já possui uma agenda bastante cheia. No entanto, os parlamentares terão que abrir espaço para o tema. Embora não influencie diretamente o crescimento econômico, certamente as regras de recuperação judicial das empresas ajudam a azeitar as relações econômicas e abrem espaço para o barateamento do crédito.

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