Proponho uma brincadeira. Eu digo os fatos e vocês dizem o ano e o nome do movimento.
1 – Crise econômica;
2 – De um lado, ideologias de esquerda, centro esquerda e progressistas fragmentadas e totalmente desarticuladas, sem diálogo entre si, de outro, setores conservadores e elites organizados para implementar um governo;
3 – Os conservadores e elites organizados estabelecem método de combate e quase criminalização das ideologias de esquerda;
4 – É criada uma milícia de apoio que constantemente demonstra sua força;
5 – Instituições democráticas, como partidos políticos plurais e imprensa sofrem severos ataques;
6 – Através de seus métodos violentos, a milícia leva ao centro do Poder seus representantes;
7 – Em eleições com indícios de fraudes e de práticas antidemocráticas, as forças organizadas conservadoras e da elite conseguem eleger grande número de candidatos;
8 – O líder de maior proeminência da esquerda, após denunciar as práticas, é assassinado;
9 – O líder do movimento de conservadorismo sofre um atentado e sobrevive, o que o fortalece politicamente como autocrata;
10 – Há grande aproximação entre população cristã e o movimento coordenado pelas elites conservadoras.
O roteiro acima narra a ascensão do fascismo na Itália, entre 1920 e 1926. Em sequência, o Estado fascista foi estabelecido, contribuindo para a 2ª Guerra Mundial, sendo liquidado apenas em 1945, no que pese, ainda nos dias de hoje, retratos do Duce ainda serem encontrados nas paredes de casas no sul da Itália.
A milícia referida no item 4 era a chamada Camisas Negras, que começou como paraestatal e posteriormente foi integrada às forças do Estado em 1927. Não difere muito da milícia de Rio das Pedras, dos raivosos com camisas da CBF, ou, com uma roupagem contemporânea, das milícias virtuais a serviço do presidente e instalada no chamado Gabinete do Ódio. É pertinente inserir nesse bojo também parcela do Ministério Público e do Judiciário, que atuaram alheios às suas atribuições, com objetivo de manipular a política nacional, em favor do grupo hoje ocupante do Planalto.
As práticas antidemocráticas mencionadas no item 7 foram, na época, métodos de violência física, coação e adulteração das cédulas de votação. Nas eleições de 2018, claramente, foram os disparos de fake news por aplicativos de mensagens, desinformação e manipulação.
O assassinato do líder de esquerda apontado no item 8 se refere ao atentado contra Giacomo Matteotti em 1924, que foi sequestrado, jogado no porta-malas de um carro e apunhalado inúmeras vezes. Giacomo Matteotti foi deputado federal e ganhou notoriedade por denunciar o fascismo e seus métodos violentos, inclusive publicando o livro The Fascisti Exposed: A Year of Fascist Domination.
Na atualidade, pode-se encontrar dois paralelos para Giacomo Matteotti. O mais óbvio é o ex-presidente Lula, que apesar de não ter sido assassinato, foi arbitrariamente retirado do jogo político, através de processo judicial parcial e manipulado que lhe rendeu condenação em tempo recorde, prisão próxima das eleições e proibição de conceder entrevistas para que sua voz não influenciasse o escrutínio de 2018.
O segundo paralelo é o assassinato da vereadora Marielle Franco, em 14 de março de 2018, que denunciou o abuso de autoridade praticado pela Polícia Militar fluminense, além de confrontar os milicianos da Zona Oeste carioca, que possuem íntima, antiga e duradoura relação com a família do presidente da república.
O atentado indicado no item 9 foi o sofrido por Mussolini em outubro de 1926 e foi essencial para justificar a implementação do estado fascista, autoritário, policialesco e centralizador que lhe assegurou a posição de ditador (como 1º Ministro entre 1922 e 1943 e como II Duce entre 1943 e 1945). Cabe um paralelo, ainda que mitigado, com o atentado que assegurou a vitória nas eleições presidenciais de 2018 ao Bolsonaro. Mitigado porque, apesar dos ataques frequentes do wanna be Duce às instituições democráticas, essas ainda resistem, mesmo com um Congresso que faz vistas grossas aos seus mandos e desmandos.
A aproximação entre cristãos e fascistas apontada no item 10 foi formalizada através do Tratado de Latrão, ou Tratado de Santa Sé, que além de reconhecer a soberania do Vaticano enquanto Estado e indeniza-lo por perdas de territórios decorrente do Risorgimento, movimento de unificação da Itália (1815 – 1870), também elegeu o catolicismo como religião oficial da Itália, estabeleceu o ensino confessional obrigatório nas escolas italianas, concedeu efeitos civis ao casamento religioso, aboliu o divórcio e proibiu que clérigos que abandonassem a batina fossem admitidos em postos públicos.
Não exatamente com os católicos, mas com as denominações cristãs neopentecostais, o atual governo reza cartilha semelhante, determinando que, ao contrário do que orienta o CNJ e o que entende o STF, o sexo biológico é o único apto a determinar gênero, pregando que “meninas vestem rosa e meninos vestem azul”, entregando cargos chefes a indicados por fundamentalistas religiosos, desviando (não no sentido legal, mas no sentido moral) verba da cultura para fomento a eventos religiosos, direcionando verbas publicitárias a concessionárias de televisão ligadas ao fundamentalismo evangélico e reprimindo minorias sob justificativas bíblicas.
A história ensina aos que querem aprender. Os fatos estão postos e o filme se repete, um pouco mais tosco, é verdade, mas com semelhança assustadora. É aconselhável que os setores progressistas deixem suas divergências de lado e articulem um grande bloco de resistência democrática para que não precisemos cantarolar a ode à “fiore del partigiano”.
Eu não quero ter que cantar Bella Ciao.
Thiago Carvalho – Coordenador do Diversidade 23 – RJ