A PEC 45 não reduz a tributação dos bancos, como alegado, embora mude sua composição
Algumas análises sobre a proposta de reforma tributária em tramitação na Câmara dos Deputados (PEC 45) têm apontado que as instituições financeiras seriam beneficiadas pela adoção de um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), pois este não incidiria sobre a intermediação financeira. Trata-se de uma interpretação no mínimo estranha, pois a incidência do IBS sobre serviços financeiros será definida apenas na lei complementar que regula o imposto, a qual ainda não é conhecida.
De qualquer forma, para ajudar a entender a questão, vale a pena conhecer como a teoria e os demais países tratam da incidência sobre serviços financeiros do Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA) – categoria à qual o IBS pertence.
O maior problema para a cobrança de IVA sobre serviços financeiros resulta do fato de que estes podem ser cobrados na forma de tarifas e comissões (caso, por exemplo, da tarifa de manutenção de uma conta corrente), mas também podem ser cobrados na forma de margem (caso do spread bancário). A complexidade da tributação dos serviços financeiros pelo IVA relaciona-se sobretudo aos serviços cobrados na forma de margem, pois a dificuldade em definir a margem (o que, muitas vezes, só é possível no final da operação) dificulta a adoção do regime de débito e crédito que caracteriza o IVA. É mais fácil tributar os serviços prestados na forma de tarifas, mas ainda assim há questões operacionais (como tarifas de pequeno valor cobradas em alta frequência). Adicionalmente, alguns serviços (como operações de câmbio) podem ser cobrados tanto na forma de margem quanto de tarifa, o que abre espaço para planejamento tributário pelas instituições.
Diante de tais dificuldades, a maior parte dos países opta por isentar praticamente todos os serviços financeiros (inclusive os cobrados por meio de tarifas), vedando a recuperação dos créditos correspondentes ao imposto incidente nos insumos adquiridos pelas instituições. Tal modelo apresenta, no entanto, vários problemas. Por um lado, os serviços financeiros prestados para pessoas físicas são subtributados. Por outro lado, os serviços prestados para empresas são sobretributados, em razão da incidência cumulativa decorrente da não recuperação dos créditos pelas instituições. Por fim, a não recuperação dos créditos gera um estímulo para que as instituições financeiras internalizem atividades que poderiam ser desempenhadas de forma mais eficiente por terceiros.
Alguns autores sugerem que uma forma de tributar serviços financeiros no IVA seria por meio da tributação do fluxo de caixa das instituições financeiras. Trata-se, no entanto, de um método complexo, que não é adotado por nenhum país.
Neste contexto, vários especialistas propõem a tributação dos serviços financeiros cobrados na forma de tarifas e a isenção daqueles cobrados na forma de margem, permitindo a recuperação dos créditos proporcionalmente à receita tributada (ver Pierre Pascal Gendron: Canada’s GST and Financial Services – Where Are We Now and Where Could We Be?). Este é o modelo adotado, por exemplo, pela África do Sul, sem que tenha havido migração relevante da cobrança via tarifas para a cobrança via margem.
Como mencionado anteriormente, o modelo a ser adotado no Brasil no caso de aprovação da PEC 45 ainda não está definido. Mas a título de exercício estimou-se qual seria o impacto da adoção de um modelo semelhante ao da África do Sul, tributando os serviços prestados na forma de tarifa à alíquota estimada de 25%. Constatou-se que, para os bancos da amostra, o montante recolhido passaria de R$ 24,6 bilhões (PIS, Cofins e ISS) para R$ 26,8 bilhões (IBS).
Ou seja, ao contrário do alegado, a PEC 45 não reduz a tributação dos bancos, embora mude sua composição, desonerando o spread (atualmente tributado à alíquota de 4,65% pelo PIS-Cofins) e elevando a tributação dos serviços cobrados por meio de tarifas (atualmente sujeitos à incidência de PIS-Cofins à alíquota de 4,65% e de ISS a uma alíquota que varia de 2% a 5%). (O Estado de S. Paulo – 15/10/2019)
BERNARDO APPY, DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL