Conduta errática do Executivo ajudou a reduzir o tamanho dos superministros
Jair Bolsonaro foi eleito para enfrentar dois superproblemas do Brasil: dívida e crime. Para fazer a economia crescer (o melhor jeito de enfrentar a dívida trazida pela tragédia fiscal) e para inverter as trágicas taxas de criminalidade (com lei, ordem e combate à corrupção), o capitão escolheu dois superministros, Paulo Guedes na Economia e Sérgio Moro na Justiça.
Atualmente, os desafios continuam na categoria “super”, mas os dois ministros, nem tanto. De fato, eles lidam com problemas de enorme e profundo alcance, que não se resolvem da noite para o dia nem há uma só medida isolada capaz de dar conta do recado. Além disso, os ex-super enfrentam um sistema de governo que funciona muito mal, e que a crise fiscal (acabou a grana) contribuiu para tornar ainda mais paralítico.
Mas seria injusto com os fatos da realidade atribuir a perda de status dos superministros ao Legislativo (e à tal “classe política”). Uma parte importante dos problemas políticos que os dois – agora normais – ministros enfrentam está no fato de o chefe do Executivo utilizar de forma precária e errática uma de suas maiores ferramentas de poder: a de determinar a agenda da própria política.
Dois exemplos recentes ilustram esse fato. Na seara de Guedes trata-se da reforma tributária, uma espécie de grito que se ouve ecoar em todos os níveis da Federação, em todos os segmentos da atividade econômica. A Câmara dos Deputados examina há pelo menos quatro anos uma proposta de simplificação. O Senado também. Surgiu mais um projeto de reforma, que seria do Executivo. Mas qual é ele, exatamente?
A volta de um imposto sobre transações financeiras? Um projeto acoplado à negociação política para abrandar a terrível crise fiscal de mais de uma dezena de Estados da Federação? Quem vai convencer o setor de serviços a pagar mais impostos? Como acertar com governadores, prefeitos e representantes de vários segmentos da economia compensações por diminuição de arrecadação ou fim de subsídios, desonerações e incentivos? E o que quer o presidente da República, afinal?
O segundo exemplo é o pacote anticrime de Sérgio Moro. A discussão política sobre o pacote acabou presa à reação de boa parte do Legislativo, ao próprio Moro, ao movimento apelidado de lavajatismo e à ação da PF contra o líder do governo no Senado, reação que se expressou na aprovação de uma lei contra o abuso de autoridade e posterior derrubada, pelo Senado, de vetos presidenciais à lei – vetos, em parte, negociados com o próprio ministro da Justiça. Fora o clima de comoção nacional em consequência da morte da menina Ágatha no Rio, um contexto no qual acabou prevalecendo no Legislativo (e em boa parte do público) a percepção de que a aprovação do pacote anticrime levaria a mais tragédias daquele tipo.
Também em relação a este segundo exemplo a conduta do Executivo levanta indagações. Afinal, Moro e os agentes anticorrupção têm carta-branca ou a conduta de Bolsonaro sugere, ao contrário, a imposição de limites aos órgãos investigadores, em parceria informal com o que parece ser uma nova maioria hoje “garantista” e “antilavajatista” no STF, algo que traria ao presidente conforto pessoal ainda que nem tanto conforto político?
Quando se trata de examinar como o Legislativo se conduziu frente aos dois grandes superproblemas – crime e dívida –, impõe-se sozinha a constatação de que uma base sólida e bem coordenada do governo teria facilitado a tarefa dos ex- superministros, dos quais se sabia de antemão que lhes faltava a experiência da costura e da articulação nos termos em que se dá a política em Brasília. Essa falta de experiência política estava em todos os cálculos. O que não se calculava é que o Executivo fosse ser supererrático. (O Estado de S. Paulo – 26/09/2019)