MANCHETES
O Globo
Ramal do Crime – Na viagem de trem, homens armados e feira de drogas
Petróleo dispara após ataques na Arábia Saudita
Imóveis devolvidos atrasam retomada da construção
No Rio, 618 jovens infratores já foram soltos
Policiais morrem mais por suicídio
Pós-Lava-Jato, Rio tem novo mapa político
Estradas têm 2 milhões de bichos mortos
Atrasos em grandes obras federais custam R$ 200 bi
O Estado de S. Paulo
Com teto menor, Judiciário tem de cortar até estagiário
TRF-3 define destino de fundo cobiçado por Moro
Ataque à Arábia Saudita eleva o preço do petróleo em 18%
Para economista, reforma tributária tem risco de falhar
Fundos imobiliários devem ter crecimento
Na BR-319, sobram promessas e buracos
Folha de S. Paulo
OAS relatou intervenção de Lula por obra na Bolívia
MP investiga se há máfia das creches em São Paulo
Marcelo Crivella – Não atuo como bispo evangélico na prefeitura
Dados descrevem a realidade das ONGs no Brasil
Grileiros, eólicas e famílias em disputa por terra no sertão da Bahia
Receita passa por enxugamento de agências e serviços
Compra de lancha por R$ 6 milhões leva à prisão chefe do PCC
Irã nega ataque, e EUA não descartam encontro com líder do País
Ativistas de Hong Kong pedem proteção do Reino Unido
Valor Econômico
Custos disparam e empresas assumem gastos com saúde
Óleo deve subir após ataque na Arábia Saudita
Antropóloga vê opressão a indígenas
Especialistas propõem transição para o IVA
Crise e penúria reduzem greves
EDITORIAIS
O Globo
Queda nos homicídios é ofuscada pelo aumento da letalidade policial
Número de mortes decorrentes de intervenção por agentes do Estado cresceu 19,6% em 2018
Por um lado, as estatísticas de violência recém-divulgadas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) trazem certo alento à população. Afinal, desde 2011 o número de mortes violentas no país vinha numa escalada. Mas, em 2018, segundo o Anuário do FBSP, houve queda de 10,4% em relação a 2017 — caiu de 64.021 para 57.341. Ou seja, 6.680 a menos. Dado relevante, embora não seja ainda uma tendência. Importante dizer que o recuo ocorreu em 23 das 27 unidades da Federação — as exceções são Roraima, Tocantins, Amapá e Pará.
Mas o mesmo estudo revela dados preocupantes. Em 2018, o número de mortes decorrentes de ações policiais (autos de resistência) cresceu 19,6% em relação ao ano anterior, passando de 5.179 para 6.220. Isso significa que uma em cada dez mortes violentas no Brasil resulta da ação de agentes do Estado. Essas estatísticas variam de acordo com a unidade da Federação, mas há casos que chamam a atenção, como os de Roraima, onde os autos de resistência subiram 183,3%, Tocantins (99,4%), Mato Grosso (74%), Pará (72,9%), Sergipe (60,7%), Goiás (57,1%), Ceará (39%) e Rio (32,6%).
O Anuário mostra que a letalidade da polícia vem aumentando nos últimos anos. Em 2013, foram contabilizadas 2.212 mortes desse tipo. No ano passado, somaram 6.220, quase três vezes mais. Na média, os autos de resistência representam 11% do total de mortes violentas. Mas, em alguns estados, têm impacto maior. No Rio e em São Paulo correspondem a 22,8% e 19,7% respectivamente. Taxas que remetem às de países como Venezuela (25,8%) e El Salvador (10,3%), onde não vigora o estado democrático de direito e são recorrentes as denúncias de execuções.
É um equívoco pensar-se que a redução dos índices de criminalidade no Brasil, ainda extremamente elevados, será obtida com o aumento da letalidade policial. Mesmo porque essas mortes também impactam as estatísticas. Ademais, estudos comprovam que não há relação de causa e efeito entre uma polícia mais truculenta e um estado menos violento.
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança, das nove unidades da Federação que apresentaram as maiores taxas de letalidade policial, em cinco a redução dos homicídios ficou abaixo da média nacional. Por outro lado, Distrito Federal, Acre e Maranhão conseguiram baixar tanto as mortes por intervenção policial quanto os assassinatos.
O combate à violência requer um trabalho cada vez mais integrado entre as forças de segurança dos estados e da União, o uso de inteligência e tecnologia e polícias bem equipadas e treinadas para agir com eficiência, dentro da lei. Só assim será possível reduzir as vergonhosas taxas de mortes violentas no país. Não há atalhos nesse caminho.
O Globo
Câmara precisa acelerar o fim dos supersalários
Procurador que acha um ‘miserê’ ganhar R$ 24 mil, embora receba muito mais, não é caso isolado
Gravação de uma recente reunião do Ministério Público de Minas Gerais mostrou o procurador estadual Leonardo Azeredo dos Santos reclamando da remuneração. “Como é que se vai viver com 24 mil reais?”
Esse valor do seu salário-base equivale a 24 salários-mínimos, o que ele define como “um miserê”. O procurador não falou dos adicionais e outras vantagens que inflam a folha do Ministério Público. Nos sete primeiros meses, por exemplo, ele recebeu R$ 478 mil líquidos, ou seja, R$ 68 mil mensais. Outros na função receberam até R$ 88 mil.
A reação foi intensa, e protestos prosseguem em Minas, estado com déficit de R$ 36,2 bilhões acumulado no período de 2014 a 2018. Estima-se que o desequilíbrio nas contas estaduais, apenas neste ano, supere o patamar de R$ 12 bilhões. Há mais R$ 30 bilhões em dívidas pendentes.
Na origem estão as despesas com pessoal. Dispararam na gestão do então governador do PT Fernando Pimentel: representavam 68% da receita líquida mineira em 2014, e saltaram para 79% quatro anos depois.
Esse aumento reflete, também, excentricidades salariais comuns na União, estados e municípios, entre elas a incorporação de gratificações aos vencimentos. Resultado: a elite da burocracia nacional passou a ser sustentada com supersalários.
O caso do procurador é simbólico, mas não é peculiaridade mineira. No primeiro semestre, Minas pagou R$ 752,1 mil a um juiz estadual num único mês. Do total, R$ 725 mil corresponderam a “vantagens eventuais”.
Levantamento da Câmara dos Deputados mostra que cerca de 71% dos magistrados brasileiros têm ganhos que superam o teto constitucional (R$ 39,2 mil), por meio de auxílio-moradia, alimentação, viagens, gratificações e todo tipo de penduricalhos remuneratórios que o sistema jurídico permite conceber e implantar no serviço público. Como o limite é a imaginação, o corporativismo tem produzido, a partir de brechas na lei, uma miríade de situações para multiplicar bônus, sempre com direitos cumulativos.
Há três anos o Senado aprovou um projeto para limitar os supersalários. Recebido na Câmara, o texto foi debatido, convertido em relatório negociado durante ano e meio pelo deputado-relator Rubens Bueno (Cidadania-PR). No primeiro semestre, o presidente da Casa, Rodrigo Maia, adiou a votação para não atrapalhar a reforma da Previdência. Essa etapa já foi superada.
É escandaloso o setor público pagar supersalários num país em que metade dos trabalhadores do setor privado recebe um salário mínimo por mês, segundo o IBGE.
Como mostrou o episódio do procurador de Minas, a alta burocracia virou casta, e isso é inaceitável para uma sociedade que já paga um alto preço pelo resgate do equilíbrio nas finanças estatais. A Câmara precisa agir, rapidamente, e pôr um ponto final nos supersalários.
O Estado de S. Paulo
Federação e autonomia
Ainda que a Constituição tenha assegurado aos Estados e municípios autonomia para resolver as questões locais, com frequência faltam-lhes meios para um governo de fato livre e responsável
A reforma tributária atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados trouxe de volta a questão sobre o pacto federativo. Em artigo publicado no Estado (Tributação em números, 12/9/2019), o senador José Serra (PSDB-SP) lembrou que, “do ponto de vista tributário, o Brasil é o país federativo mais descentralizado do mundo. (…) De acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Estados e municípios brasileiros se apropriam de 56,4% da arrecadação interna de impostos. Em média, essa participação é de 30,9% nos países federados situados em nossa faixa de renda e de 49,5% entre os mais ricos”.
Essa descentralização é consequência direta do pacto federativo decorrente da Constituição de 1988, que definiu a autonomia como regra. A Carta Magna define, por exemplo, que “os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição”. A Constituição define os princípios, mas a organização de cada Estado e município deve ser fixada pelo ordenamento jurídico específico de cada ente. Reafirmando a autonomia dos Estados, “são reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição”, diz o art. 25, § 1.º.
Observa-se, ao mesmo tempo, a crônica hipossuficiência financeira, política e administrativa dos entes federados. Ainda que a Constituição tenha assegurado aos Estados e municípios autonomia para resolver as questões locais, com frequência faltam-lhes meios para um governo de fato livre e responsável.
Em vez de enfrentarem seus problemas, os entes federados recorrem à União, o que conduz à centralização e à uniformização de medidas, em sentido contrário ao que deveria ocorrer numa federação.
Tal situação é vista, por exemplo, nos debates sobre a ampliação do alcance da reforma da Previdência, para abranger também Estados e municípios. Não é tarefa do Congresso Nacional realizar a reforma previdenciária dos entes federados, mas é muito conveniente que o faça, diante das dificuldades políticas para que esses entes alterem seus sistemas de aposentadoria.
“Na Federação brasileira ainda proliferam casos de dependência e irresponsabilidade fiscal”, afirmou o senador José Serra, alertando para o fato de que “uma descentralização adicional de receitas sem condicionantes adequados pode criar ineficiências que corrompem a qualidade do gasto público e a própria autonomia dos entes federativos. Alguns indicadores a esse respeito são a baixa arrecadação municipal nas bases do IPTU e do ISS e a ociosidade de recursos destinados a projetos específicos, inclusive de emendas parlamentares”.
Eis um ponto extremamente preocupante. Em vez de apoiar e fortalecer a realidade local, o sistema federativo tal como previsto pela Constituição de 1988 tem sido ocasião para aumentar ainda mais a hipossuficiência dos entes federados.
“Alguns Estados e municípios parecem estar abdicando de exercer bem a competência de tributar e de executar investimentos, ambos fundamentais para sua plena autonomia. Ao contrário, estão dando prioridade a gastos correntes custeados majoritariamente pelas transferências que recebem da União, ampliando a dependência desses recursos”, escreveu José Serra.
A impressão é que se está diante do pior dos mundos. Têm-se todos os custos e complexidades inerentes a um sistema federativo e, ao mesmo tempo, não se aproveitam os benefícios que esse sistema deveria gerar. Diante desse panorama, é grande a pressão para que o Congresso adote soluções de curto prazo, diminuindo a autonomia dos entes federados. Em vez de resolver satisfatoriamente as questões relativas ao pacto federativo, essa tendência de mitigar a Federação acaba, no entanto, por ampliar suas contradições.
O sistema federativo tem muitas potencialidades, especialmente para um país tão extenso e variado como o Brasil. Mas, para obter seus melhores dividendos, é necessário não trocar a autonomia e a consequente responsabilidade dos entes federados por remendos centralizadores. O aprendizado com essas três décadas de Constituição deve levar a um aperfeiçoamento da Federação, e não ao seu abandono.
O Estado de S. Paulo
Enfim, os contratos de ônibus
Nada justifica tal demora, durante a qual, na maior e mais rica cidade do País, um serviço de tal importância foi regido por contratos emergenciais, renovados a cada seis meses
A assinatura dos novos contratos com as empresas que prestam o serviço de ônibus da capital, depois de uma longa novela – a licitação se arrastava desde 2013 –, deixa uma importante lição sobre como os administradores públicos não devem se comportar em casos semelhantes. Nada justifica tal demora, durante a qual, na maior e mais rica cidade do País, um serviço de tal importância foi regido por contratos emergenciais, renovados a cada seis meses. Com eles, só as empresas concessionárias se beneficiaram, desobrigadas de cumprir metas de melhora do serviço, clara e formalmente estabelecidas.
Os 32 novos contratos, no valor de R$ 63 bilhões – uma das maiores concorrências do País –, terão a duração de 15 anos, em vez dos 20 anos previstos inicialmente. Esse foi o último grande obstáculo a ser superado para enfim se encerrar essa história. Em 24 de maio último, em ação movida pelo diretório estadual do PSOL, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que o prazo de 20 anos era ilegal. O PSOL defendia o prazo de 15 anos estabelecido por lei de 2001. O prazo de 20 anos foi introduzido por outra lei municipal aprovada em 2015. Depois de receber, dia 6 último, o parecer pedido à Procuradoria-Geral do Município sobre a questão, o prefeito Bruno Covas anunciou logo a assinatura dos contratos com esse prazo reduzido.
São fortes os indícios de que a rapidez da decisão do prefeito está ligada também à paralisação dos ônibus no próprio dia 6 último, sobre a qual pesam suspeitas de ser sido feita de comum acordo entre empresários, motoristas e cobradores, caracterizando locaute. Embora todos eles neguem, o secretário municipal de Segurança Urbana, José Roberto Rodrigues de Oliveira, enviou ofício à Delegacia de Polícia de Proteção à Cidadania (DPPC) pedindo que se investiguem as suspeitas de locaute. Segundo Covas, “cabe à Polícia Civil dizer se isso ocorreu, quem investiga prática de crimes é ela”. Se se confirmar o locaute, espera-se a adoção das providências indispensáveis para que todos os nele implicados sejam severamente punidos. Os milhões de usuários de ônibus não podem ser joguetes nas mãos de irresponsáveis.
Durante o período de 2013 até agora – quando o serviço de ônibus esteve sob contratos emergenciais – tudo correu bem para as empresas. Essa situação em que tudo era provisório, sem a necessidade de seguir planos de renovação e melhorias no serviço, era cômoda para elas. Mas saía cara para os paulistanos, que sofriam com a degradação contínua do serviço – lento e desconfortável, submetendo os usuários a longas esperas nos pontos. As viagens diárias de ônibus de ida e volta para o trabalho e outros compromissos se tornaram um suplício. E o ônibus é e continuará sendo por bom tempo um dos mais importantes meios de transporte coletivo da capital, tendo em vista o alto custo e a natural demora exigidos para a ampliação das linhas do metrô.
O que os paulistanos se perguntam agora é por que os prefeitos que se sucederam naqueles seis anos não tomaram as medidas que se impunham para evitar esse absurdo. Jogar a culpa da demora na Justiça e no Tribunal de Contas do Município (TCM), como se essas instituições tivessem algum prazer sádico em criar dificuldades para a realização das licitações, e assim infernizar a vida dos paulistanos, é desculpa que não convence ninguém. No ano passado, quando os contratos de emergência foram renovados mais uma vez, um pesquisador em mobilidade do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Rafael Calábria, pôs as coisas em seus devidos lugares, ao afirmar que a culpa pelo atraso na licitação era da Prefeitura, que não elaborava edital de licitação sem a correção de erros já conhecidos.
Por que ter insistido tanto tempo nesses erros, que só beneficiaram as empresas, se eles podiam ter sido facilmente identificados com a ajuda de técnicos competentes e experientes? Responder a essa questão, mesmo correndo o risco de ferir suscetibilidades, é uma valiosa contribuição que Bruno Covas pode dar à cidade.
O Estado de S. Paulo
O governo e a realidade
Governos que não transmitem equilíbrio e racionalidade tendem a criar uma atmosfera de desconfiança, sob a qual é muito mais difícil estimular investimentos privados
Os investidores nacionais e estrangeiros reunidos num evento em Brasília para ouvir alguns dos mais importantes integrantes do governo sobre as perspectivas do País devem ter ficado confusos. O encontro, promovido pelo Council of the Americas, fórum de debates que reúne corporações multinacionais com presença na América Latina, mostrou a esses investidores que há uma parte do governo razoavelmente preparada para enfrentar os desafios em diversos níveis, com visão clara e respeito pelos dados da realidade nacional. Contudo, o seminário deixou claro também que há outra parte do governo totalmente alheia ao mundo real, movida exclusivamente por uma ideologia doentia, que tem contaminado decisões administrativas em diversas instâncias, com consequências imprevisíveis.
Investidores, por definição, preferem ambientes de negócios em que seja possível traçar cenários com um mínimo de segurança. Governos que não transmitem equilíbrio e racionalidade tendem a criar uma atmosfera de desconfiança, sob a qual é muito mais difícil estimular investimentos privados. Assim, o governo do presidente Jair Bolsonaro, às voltas com um apagão orçamentário e com pouquíssimo dinheiro para investimentos públicos, deveria se empenhar para seduzir quem ainda pretende apostar no Brasil. O evento do Council of the Americas, intitulado “Agenda do Brasil para Crescimento Econômico e Desenvolvimento”, era para ser uma dessas oportunidades para “vender” um País que, a despeito das dificuldades atuais, é confiável e sólido.
Foi o que tentou fazer, por exemplo, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina. Em meio à pressão internacional a respeito do desmatamento e dos incêndios na Amazônia, a ministra não minimizou os problemas, já que seria temerário fazê-lo ante uma plateia bem informada, mas tratou de colocá-los na perspectiva correta. Teresa Cristina admitiu que “o problema da Amazônia existe”, mas foi ao ponto certo ao destacar que “não é correto associar as queimadas na Amazônia com a produção de alimentos”.
A ministra enfatizou que “a preservação ambiental é uma preocupação do País e dos produtores rurais” e que, “ao mesmo tempo que buscamos aumentar nossa produtividade agrícola, desenvolvemos políticas e mecanismos para proteger o meio ambiente”. Em seguida, destacou a efetividade do Código Florestal brasileiro e as iniciativas do governo para incentivar “práticas de produção de baixa emissão de carbono”. A ministra Teresa Cristina, portanto, fez a defesa da administração que integra sem agredir o bom senso.
Os investidores convidados pelo Council of the Americas, contudo, foram apresentados também à faceta irracional do governo, representada pelo discurso do chanceler Ernesto Araújo. A propósito do mesmo tema – a devastação na Amazônia –, o chanceler ofereceu à audiência todo o acervo catalogado de teorias da conspiração que alimentam a narrativa radical do bolsonarismo e que não encontram qualquer relação com o mundo real.
“Falsa crise, falsa interpretação da situação”, disse o chanceler, negando o que todos podem ver em imagens de satélite. Para Ernesto Araújo, a crise “colou” em razão de “ideologia”. E pôs-se a dizer que as pessoas que criticam o Brasil estão contaminadas pelo “vírus” da ideologia. “Não é culpa das pessoas. Suas cabeças estão sendo invadidas por um tipo de pensamento que não permite a elas ver a realidade, e isso é ideologia”, disse o chanceler, citando como propagador desse “vírus” o Foro de São Paulo – reunião de partidos da esquerda latino-americana que o bolsonarismo enxerga como a fonte de todo o mal. Diante de tamanho despautério, é de imaginar a desorientação dos investidores que ali estavam para se convencer de que vale a pena fazer negócios no Brasil.
O ministro da Justiça, Sergio Moro, também presente ao encontro, pediu aos investidores que “apostem no Brasil e no governo do presidente Jair Bolsonaro”. Mas em qual governo, afinal, devem apostar? Naquele que aceita a realidade ou naquele que a afronta?
Folha de S. Paulo
Bolha de privilégios
Judiciário e Ministério Público não acordaram para a realidade orçamentária
Enquanto os poderes Executivo e Legislativo precisam lidar mais de perto com cortes de verbas e reformas destinadas a mitigar o colapso das finanças públicas, outros setores da máquina pública não parecem ainda ter acordado para a realidade orçamentária brasileira.
Tornou-se nacionalmente conhecido nos últimos dias, por exemplo, o episódio em que um procurador do Ministério Público de Minas Gerais qualificou de “miserê” a média salarial de R$ 24 mil mensais verificada naquela instituição.
A enorme maioria da população não precisaria de estatísticas para apontar que tal cifra situa seu beneficiário no topo da pirâmide social. Os dados o confirmam: segundo o IBGE, em 2016 a renda média do trabalho do 1% mais rico do país era de R$ 27,3 mil.
O procurador mineiro não corre o risco de ficar fora desse estrato privilegiado. Constatou-se, afinal, que sua remuneração regular chega aos R$ 35,5 mil. Em julho, recebeu ainda outros R$ 41 mil em indenizações e outros penduricalhos.
Artifícios do gênero, destinados a driblar os tetos salariais do serviço público são costumeiros no Ministério Público e no Judiciário brasileiros —cujos custos, como proporção da renda nacional, têm poucos paralelos no mundo.
Essas estruturas consomem algo em torno de 1,6% do Produto Interno Bruto, patamar não encontrado em nenhum outro país relevante, conforme estudo publicado em 2015 por Luciano da Ros.
As aberrações não se limitam a vencimentos incompatíveis com os recursos do país, como mostram outros casos recentes.
Em São Paulo, os planos do Tribunal de Justiça para a construção de um prédio orçado em R$ 1,2 bilhão provocaram constrangimento entre membros da própria corte, segundo noticiou esta Folha.
A justificativa oficial para essa obra faraônica soa risível: economizar alegados R$ 58 milhões anuais hoje gastos com aluguéis e transporte de magistrados.
Tampouco se pode ver sem inquietude a ofensiva para a criação de um sexto Tribunal Regional Federal, com sede em Belo Horizonte. Tal proposta acaba de ser aprovada pelo Superior Tribunal de Justiça, mas felizmente precisa passar também pelo crivo do Congresso e pela sanção presidencial.
Espera-se que os parlamentares possam tirar a limpo o argumento de que o novo órgão não implicará mais despesas, graças a remanejamentos de verbas e pessoal.
Não há mais como expandir uma máquina já inchada e perdulária, que ainda proporciona mordomias quase caricaturais —como o gasto de R$ 100 mil com três ministros do Superior Tribunal Militar que participaram de um seminário de dois dias na Grécia durante o período de férias coletivas.
Judiciário e Ministério Público devem passar por anos de contenção para ao menos mitigar discrepâncias no setor público. A necessária autonomia de que devem gozar não equivale ao direito de viver numa bolha orçamentária.
Folha de S. Paulo
O alarme da dengue
Casos da doença disparam; governos e cidadãos precisam evitar tragédia no verão
As doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti voltaram a ser motivo de preocupação no país, que registra, até 24 de agosto, mais de 1,4 milhão de casos de dengue, em alta de 600% ante período correspondente do ano passado.
Essa doença e as também viroses zika e chikungunya já mataram 650 pessoas neste ano. Não é improvável que o Brasil bata o infeliz recorde do ano de 2015, quando houve 1.001 mortes.
A calamidade de quatro anos atrás incluiu o surto de bebês nascidos com síndrome congênita associada ao vírus da zika, da qual a microcefalia é uma das sequelas. Neste ano, a incidência dessa moléstia também está em alta —aumento de 47% em relação a 2018, com 9.813 casos e 2 mortes.
Fez bem o Ministério da Saúde ao antecipar em dois meses a campanha informativa de combate ao mosquito transmissor, na tentativa de se antecipar ao período chuvoso na maior parte do país.
Causam preocupação os relatos segundo os quais, em meio a restrições orçamentárias, prefeituras estão reduzindo as visitas de equipes de saúde às residências em busca de focos do mosquito e a pulverização de venenos. Também houve, como a Folha noticiou, problemas no fornecimento de inseticida pelo governo federal.
Ainda no campo do combate químico, o plenário do Supremo Tribunal Federal validou recentemente lei que autoriza, em casos de risco iminente à saúde pública, a pulverização de substâncias para controle do mosquito por meio de aviões, o que pode ser mais uma arma no arsenal contra as doenças.
Por mais que autoridades façam a sua parte, o cidadão também precisa empenhar-se em tornar sua casa e seu bairro inóspitos ao Aedes.
Não deveria haver brasileiro que não conhecesse —e praticasse— as medidas recomendadas de não deixar jarras, garrafas, potes, baldes ou caixas d’água destampados; lavar e escovar recipientes de plantas; e não descartar lixo em locais em que os objetos descartados podem acabar acumulando água.
Cumpre evitar, no verão que se aproxima, o terror de postos de saúde lotados e de mortes evitáveis pelo trio infernal de viroses.