Por Luiz Carlos Azedo
Soube, por intermédio de amigos, do falecimento de Genivaldo Matias da Silva, ocorrido ontem, e recebo essa notícia com profundo pesar. Trabalhamos juntos na Voz da Unidade, órgão central do antigo PCB, experiência da qual guardo algumas das lembranças mais vivas e afetuosas da minha trajetória. Genivaldo foi, para mim e para tantos outros, um profissional admirável, um companheiro leal e um ser humano de rara generosidade — daqueles cuja presença iluminava o ambiente, mesmo nos dias mais difíceis.
Sua serenidade diante da doença que o acometeu no início deste ano foi apenas mais um capítulo da dignidade com que conduziu toda a sua vida. Genivaldo enfrentou a dor e a fragilidade física com coragem, espírito firme e uma lucidez impressionante. Era assim também na militância e no trabalho: alguém que não se deixava abater, que encarava desafios com firmeza, inteligência e uma surpreendente capacidade de encontrar caminhos onde muitos só viam impasses.
A última vez em que nos encontramos foi no dia 30 de setembro, na Escola de Sociologia e Política de São Paulo, durante a homenagem a José Montenegro de Lima, o Magrão. Já bastante debilitado, insistiu em estar presente. Com dificuldade, falou com a mesma clareza e emoção que sempre o caracterizaram. Era um reencontro com sua própria história — uma história que o coloca, com absoluta justiça, entre os heróis anônimos da democracia brasileira.
Genivaldo conviveu com Magrão nos meses finais de sua vida. Moravam juntos em um aparelho clandestino na rua Brigadeiro Galvão quando ambos foram tragados pela engrenagem repressiva da ditadura. Magrinho — como Genivaldo o chamava — saiu para um encontro e não voltou. Genivaldo seguiu suas instruções à risca e, ainda assim, acabou preso dias depois. Seu testemunho sobre o que viu e viveu permanece como o relato mais importante sobre a prisão, tortura e morte de Montenegro de Lima, um dos principais quadros da Seção Juvenil do PCB, desaparecido político desde 1975.
Seu depoimento é precioso, fala do jovem de origem operária que ingressa na militância pelas mãos de padres progressistas no Jardim Brasil, nos anos 1970, e que, por meio da cultura — o teatro, os cineclubes, a poesia — encontra o caminho da política. É ali que ele conhece Sérgio Fonseca, Sérgio Gomes, Waldir Quadros, e, finalmente, Magrinho, que o introduz no mundo clandestino da resistência democrática.
O relato faz reviver esse período: os encontros na Praça Dom José Gaspar, as aulas de teatro nas escolas, os grupos de estudo, a criação da Juventude do MDB na Vila Maria e no Tucuruvi, o Festival Mundial da Juventude, as viagens a Paris e Moscou, as conversas com Armênio Guedes e o encontro clandestino com Luiz Carlos Prestes — uma experiência que marcou profundamente sua formação política. Genivaldo estava, sem jamais buscar protagonismo, no centro de fatos decisivos da história da resistência ao regime militar.
Anos depois, já em plena abertura democrática, reencontramo-nos na Voz da Unidade, onde Genivaldo foi editor gráfico. Ali, mais uma vez, revelava-se seu temperamento: equilibrado, cordial, dedicado ao trabalho coletivo. Era o tipo de militante que jamais ergue a voz para impor sua opinião, mas que, com poucas palavras e um sorriso discreto, pacificava tensões, aproximava pessoas e ajudava a construir consensos.
Era também um profissional de enorme competência técnica, daqueles que transformavam um jornal precário, produzido com recursos limitados, em um instrumento político eficaz e digno. Tinha profundo senso de responsabilidade pública e acreditava na comunicação como ferramenta de consciência e cidadania.
Fora do ambiente militante, era igualmente inspirador. Suas convicções políticas — sempre pautadas pela defesa da democracia, dos direitos sociais e da dignidade humana — não eram jargão nem retórica. Eram vividas com coerência no cotidiano, nos gestos pequenos e nas escolhas silenciosas, na forma justa e solidária com que tratava todos ao seu redor.
Genivaldo deixa suas filhas Nacha, Janaina e Ligia, e sua irmã Edna, que o acompanharam com amor e coragem durante todo esse processo doloroso. A elas ofereço minha solidariedade e meu mais profundo pesar. Sei que a ausência será imensa, mas sei também que ele deixa um legado moral — de integridade, lealdade e compromisso com a justiça — que continuará iluminando seus caminhos.
Despeço-me de Genivaldo com a tristeza da perda, mas também com a gratidão por tê-lo conhecido e por termos caminhado lado a lado em uma etapa tão significativa da vida política e intelectual de nosso país.Vá em paz, Genivaldo. Sua passagem por nossas vidas jamais será esquecida, e sua história continuará a inspirar todos aqueles que acreditam na força da democracia e na dignidade humana como fundamento da vida pública.
