Uma questão central, hoje, tem que ver com a montagem de novos instrumentos para a plena compreensão do que se apresenta diante de nós. Isto é, uma realidade marcada pela crise ambiental, pelas mutações que abalam o mundo do trabalho e pelos impasses vividos pela Democracia Representativa.
Assim, será preciso repensar muitos aspectos da prática política anterior, daquele período que vai dos socialistas utópicos ao chamado socialismo real.
Separar as partes vivas das partes mortas. Justiça social, Democracia como componente do processo civilizatório e Ética são valores inegociáveis; são as partes vivas do passado. Contrariamente ao que propugnava Maquiavel, não penso que os representantes do Estado tenham que ter uma lógica ou uma Ética diferente daquela do cidadão comum. Talvez tenhamos aí um bom caminho para justamente aproximar as ruas das instâncias de decisão.
Agora é preciso trabalhar as questões novas ou as partes do presente, como o necessário aprofundamento da representação democrática (que não pode ser confundida com a criação de assembleias gerais permanentes), o alastramento do trabalho por conta própria e o entendimento de que há uma revolução tecnológica em curso (automação, robotização, inteligência artificial), e que tudo isso é irreversível. A Inteligência Artificial (IA), por exemplo, já atingiu um estágio em que deixa de ter uma dimensão complementar ou de apoio às atividades industriais para adquirir um caráter de força capaz de substituir parte do trabalho humano diretamente produtivo. Na primeira Revolução Industrial, uma parte da capacidade muscular do homem era transferida para a máquina. Na atual, uma parte da sua criatividade é acumulada nas máquinas.
Formas de gestão mais ousadas também precisam ser implementadas, entre elas a autogestão. Outra possibilidade é revolucionar o modelo de propriedade das empresas, por intermédio de um sistema de ações, de propriedade de cada trabalhador, como Friedrich Engels sugeriu ainda no final do século XIX.
Além disso, caberá aos sindicatos traçar novas linhas de ação frente a todas essas mudanças, o que não tem acontecido com muita frequência até agora, tanto no que tange aos novos contratos de trabalho quanto no tocante à regulamentação da Inteligência Artificial. Algumas lutas sindicais travadas na indústria automobilística dos Estados Unidos começam a apontar para algo próximo a uma compreensão de que é necessário se dotar de uma visão coletiva do trabalho, inclusive com a tomada de consciência frente aos desequilíbrios ecológicos provocados pela indústria. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) já vem se manifestando a respeito da necessidade de os países se valerem de normas sobre o trabalho nas plataformas digitais.
Toda tecnologia depende de uma correlação de forças. A Inteligência Artificial, por exemplo, pode ser usada para a obtenção de grandes avanços científicos como também pode ser empregada na vigilância das pessoas dentro das grandes corporações. Uma Inteligência Artificial a serviço da proteção política do grande capital já pode estar se tornando uma realidade. Assim sendo, uma nova luta de classes pode estar apenas começando.
Não estamos mais na fase artesanal da indústria, aquela que teve como expressão o movimento anarquista. Como tampouco estamos mais na fase do chão da fábrica, aquela que teve, por sua vez, como expressão maior o comunismo da Terceira Internacional. Estamos, isso sim, entrando em uma nova fase, a da Revolução da Automação, da Inteligência Artificial e da Robótica. Trata-se de construir uma política nova a partir dela. As cooperativas e o trabalho por conta própria terão, forçosamente, um importante papel nesse processo. Esse é o momento de o trabalhador ser o dono do seu trabalho e dos instrumentos de trabalho.
Em artigo datado de 2019, o economista e militante marxista grego Yanis Varoufakis escreveu, a propósito das novas formas de organizar o mundo do trabalho:
“Imaginemos que as ações fossem como um direito a voto, que não se pode comprar, nem vender. Assim como ao entrar na universidade recebe-se o carnê da biblioteca, umas equipes novas nas empresas receberiam uma única ação por pessoa que garantisse o direito a emitir um voto em eleições abertas a todos os acionistas, nas quais se decidirão todos os assuntos da corporação: desde as questões de gestão e planejamento até a distribuição de lucros líquidos e bonificações”.
Está mais do que na hora de o Campo Democrático reinventar as suas formas de intervir na realidade, para melhor transformá-la.
*Ivan Alves Filho, historiador.