A antecipação do bipartidarismo

O governador Rafael Fonteles e o senador Ciro Nogueira parece que firmaram um entendimento informal para antecipar os prazos da última reforma política, que instituiu as cláusulas de desempenho, visando a redução do número de partidos políticos no país e, assim, acabar com o imenso abcdário de siglas que participam das eleições, elegendo, em sua maioria, poucos parlamentares, mas garantindo espaços, direitos, prerrogativas e recursos e uma imensa dificuldade para os governos negociarem maiorias nos parlamentos em todos os níveis, das câmaras municipais ao Senado Federal.

Estes líderes do PT e PP estão planejando apresentar, nas eleições de 26, o menor número possível de candidatos e, consequentemente de nominatas, reimplantando algo parecido com o bipartidarismo que reinou na política nacional durante quase toda a ditadura militar, instalada em 1964 e encerrada em 1985. O bipartidarismo só foi extinto no início da década de 80 do século passado, com a criação de algumas legendas que até hoje estão presentes nas urnas eletrônicas.

O plano está sendo possível devido algumas particularidades da política piauiense. Com o fim do bipartidarismo, onde a hegemonia da Arena era quase absoluta houve, inicialmente, uma divisão que partiu, principalmente os oriundos desta Arena, com a dissidência de Alberto Silva, que acabou no MDB. De 1982, quando ocorreram as primeiras eleições para governador no país, depois da ditadura, até 2002, houve governo e oposição. Neste período, foram governadores – sem contar os vices que assumiram – Hugo Napoleão, representando o regime antigo; Alberto Silva, de oposição; Freitas Neto, ex-regime; e Mão Santa, oposição -que foi cassado no final de 2001 e substituido pelo seu então adversário, Hugo Napoleão. Notem, que mesmo estes líderes sendo todos oriundos do mesmo grupo político, o governante tinha forte oposição na Assembléia Legislativa.

Em 2002, foi eleito um out side, um estranho aos herdeiros do bipartidarismo. O jovem Wellington Dias, moldado no ativismo radical do PT, ganhou de Hugo Napoleão e fez uma transformação tão radical que deixou perplexos todos os que viam nele o que se chama popularmente de bananeira. O esperado radicalismo não floresceu, muito pelo contrário: o que apareceu foi um governante moderado, conciliador, que juntou e trouxe para o seu lado praticamente todos os velhos caciques do interior, independentemente de filiação partidária, restabelecendo o bipartidarismo exatamente nos mesmos moldes dos tempos da ditadura, conquistando o apoio da imensa maioria dos líderes, ao ponto de chegar a 2022, seu último mandato no Karnak, sem ninguém ter lhe feito sombra.

Ocorre que, conciliador como era, deixou à vontade seus correligionários para escolherem o melhor caminho de se manterem no poder e muitos destes criaram ou se abrigaram em várias siglas partidárias. Para o então governador, não importava se estivessem filiados no PCdoB, no antigo PFL ou no PP de hoje. Lhe apoiando, estava tudo bem.

Em 22, um pouco desgastado, foi eleito senador e elegeu Rafael Fonteles com muita tranquilidade. Aí vem a mudança que explica o que está acontecendo agora. Ao contrário do antecessor, o jovem governador já assumiu com muitos sonhos e planos para o futuro e toda sua estratégia eleitoral é fundamentada nisto. Cada passo, cada ação. O primeiro foi fortalecer o PT, partido que tinha o governador mas não elegia prefeitos. O que não era problema até então, virou um problema e grande. Na sua visão, nada justificava essa lacuna. Já na primeira eleição municipal, investiu pesadamente para impor o bipartidarismo em cada um dos 224 municípios do Piauí. Exigiu que sua base na Assembleia apresentasse apenas um candidato por cidade, de preferência, pelo PT. E foi bem sucedido na maioria e embora seu partido não terminasse o pleito com o maior número de prefeitos eleitos, conseguiu eleger o maior número de petistas da história.

O passo seguinte está sendo dado agora. Já comunicou a alguns dirigentes partidários que só vai apoiar duas chapas para a eleição parlamentar. Uma do PT e outra formada por MDB e PSD, numa federação cruzada, como ocorreu em 22, o que está provocando choro e ranger de dentes, pois muitos de seus aliados, abrigados em outras siglas, sonhavam em ter seu apoio para tentar se eleger ou manter o mandato. O caso mais expressivo é o do deputado Evaldo Gomes, que, historicamente, monta nominatas apenas para garantir sua eleição; e alguns nomes outros, especialmente vereadores, que querem saltar das Câmaras Municipais para a Assembleia.

Com essa estratégia, o governador e o senador Ciro Nogueira matam a possibilidade de aparecer algum aventureiro que, mais tarde, possa vir a lhes causar problemas, mantendo nos parlamentos políticos ciosos de seus limites e, principalmente, de quem manda. Obviamente que outros partidos podem lançar chapas, mas sem apoio de um dos dois -ou dos dois-, vão fazer o que? Sobrarão apenas os poucos partidos ideológicos que sempre vão para a guerra, mesmo sabendo que já está perdida, pois os fisiológicos não terão nem os uniformes para entrarem em campo.

Essa situação interessa aos dois líderes, afinal, não esqueçamos: se o senador Ciro se apresenta para a imprensa nacional como um ante PT radical, aqui na terrinha a coisa não é bem assim. Seus dois mandatos de senador foram obtidos com os seus dois pés fincados no Karnak e o que está se vendo, neste momento, são declarações de governistas -inclusive petistas -de boas vindas ao antigo companheiro.

PS: Alguém pode perguntar: Mário, como bipartidarismo se está falando em três chapas? Apenas e tão somente conveniência eleitoral até 2030 quando, então, se não ocorrer nada fora da curva, o processo será concluído.

Fonte: https://portalrdt.com.br/a-antecipacao-do-bipartidarismo-mario-rogerio/

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