Uma homenagem necessária e justa: Dia internacional da mulher celebra derrota de secular opressão

Em praticamente todos os agrupamentos dos indivíduos da nossa espécie (homo sapiens) – e sem existência de comunicação entre eles, que permitisse transmissão de costumes – estabeleceu-se, desde tempos ancestrais, uma hierarquia que subordinou as fêmeas aos machos ou, utilizando o linguajar cultural, uma predominância dos homens sobre as mulheres. Não há razões biológicas para domínio dos seres do sexo masculino sobre os do sexo feminino. E até hoje discutem-se os motivos que levaram a essa hierarquização absolutamente sem sentido. Mas tal tema fica para outro comentário.

O que se quer aqui registrar é que, ao longo da História, tal estado de coisas foi imposto às subordinadas, mas jamais aceito por elas. A luta feminina contra o domínio masculino está presente em todos os momentos, desde a Antiguidade conhecida, tendo-se tornado mais intensa a partir de meados do século XIX, principalmente na Europa e nos Estados Unidos.

Um quadro de 1848 retrata reunião de um clube feminino em Paris, onde as mulheres formulavam três reivindicações: (i) que a saia de baixo (anágua) fosse substituída pela calcinha; (ii) que os homens se ocupassem dos trabalhos domésticos ao menos três dias por semana; e (iii) que se reconhecesse serem homens e mulheres absolutamente iguais, salvo pelas diferenças oriundas da própria natureza.

As fábricas criadas pela Revolução Industrial exigiam mão de obra feminina. As mulheres nelas passaram a trabalhar em condições degradantes, com jornada de trabalho de 15 horas, salários miseráveis, violência sexual e exploração do trabalho infantil dos filhos, que tinham que levar com elas. Também não dispunham de direitos cívicos, como o voto. Mas, agrupadas, passaram a conhecer a sua força e dispuseram-se à luta.

Em 8 de março de 1857, as operárias de uma fábrica têxtil em Nova York declararam greve por melhores condições de trabalho, maiores salários, fim da exploração das crianças e direito de voto. Foram violentamente reprimidas pela polícia. Mas não há prova de que tenham morrido carbonizadas dentro da fábrica incendiada. (O incêndio em uma fábrica têxtil, com 146 operários grevistas mortos dentro dela – 125 mulheres e 21 homens, todos entre 13 e 25 anos de idade –, ocorreu em 25 de março de 1911, em outra fábrica de NovaYork – Triangle Shirtwaist.)

Em 8 de março de 1908, trabalhadoras no comércio de agulhas de Nova York promoveram manifestação para lembrar a greve ocorrida no mesmo dia em 1857 e, como antes, foram violentamente reprimidas pelas forças policiais.

Em 8 de março de 1917 (23 de fevereiro, pelo calendário juliano, adotado na Rússia à época), em Petersburgo, operárias de indústrias têxteis e outras declararam greve, saíram às ruas em oposição ao czar Nicolau II e exigindo pão e paz (saída da Rússia da Primeira Guerra Mundial contra a Alemanha). Foram violentamente reprimidas, com dezenas de mortos e feridos. O fato provocou a solidariedade dos operários e dos soldados às mulheres revoltosas e o czar foi derrubado – sendo esse protesto o estopim que levaria à Revolução Russa de outubro de 1917 (em nosso calendário gregoriano, 7 de novembro).

Por registrar tantas heroicas lutas femininas, essa data de 8 de março foi escolhida, pela Organização das Nações Unidas, em 1977, para a celebração do Dia Internacional da Mulher (de lembrar que, no dia 30 de abril, celebra-se no Brasil o Dia Nacional da Mulher).

Historicamente, porém, a primeira comemoração de tal efeméride ocorreu no dia 28 de fevereiro de 1909, em manifestação de mais de 3 mil pessoas no centro de Nova York, convocada pelo Partido Socialista da América. O ímpeto de luta das operárias levou a que, em novembro daquele ano, uma longa greve das trabalhadoras paralisasse mais de 500 fábricas têxteis norte-americanas.

No ano seguinte, 1910, no dia 26 de agosto, reuniu-se na Dinamarca a Segunda Conferência Internacional das Mulheres Socialistas. Por proposta da ativista Clara Zetkin, mais de 100 mulheres, representando 17 países, referendaram a ideia de haver um dia para celebrar as lutas femininas por melhores condições de trabalho, maiores salários, eliminação do trabalho infantil, direito de voto e de organização sindical.

Essa luta tão antiga ainda não terminou. Muitos direitos das mulheres já foram reconhecidos e agora elas travam uma batalha pela plena igualdade entre os dois sexos da espécie humana, o que pressupõe o mais absoluto respeito de um pelo outro, com a marginalização (e mesmo criminalização) de quaisquer procedimentos que reproduzam ou lembrem o indevido predomínio masculino

A comemoração do dia de hoje celebra – mais do que em qualquer outra época – a vitória da civilização contra a milenar opressão de que as mulheres foram vítimas. E mostra que a melhor maneira de fazer florescer as infinitas potencialidades da nossa espécie é a cooperação equânime e amistosa entre os dois sexos – e jamais o domínio de um pelo outro.

Demos todos um “viva!” às mulheres, cuja existência livre é crucial para a perpetuação e o desenvolvimento da nossa espécie e, consequentemente, da civilização humana.
 
Texto de Luiz Corvo, advogado.

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