Algo está errado — economia vai bem; aprovação de Lula, não

NAS ENTRELINHAS

Indicadores econômicos vão bem: queda da inflação, aumento do emprego, crescimento de quase 3%. Se não é a economia, o problema está a política

Segundo a Lei de Murphy, “se alguma coisa tem a mais remota chance de dar errado, certamente dará errado”. A frase é atribuída ao capitão e engenheiro norte-americano Edward Aloysius Murphy Jr., um dos responsáveis pelo desenvolvimento de testes sobre os efeitos da desaceleração rápida em pilotos de aeronaves, que registravam a frequência cardíaca e a oxigenação do sangue dos pilotos. O aparelho estava defeituoso e Murphy foi chamado para consertá-lo. Foi quando descobriu que a instalação estava errada e disse a frase famosa.

A Lei de Murphy não tem base científica, mas foi adotada no planejamento sempre que as coisas começam a dar errado. Na verdade, é uma questão de probabilidades. A tese de que o pão cai sempre com a manteiga para a parte de baixo, por exemplo, tem 50% de chance de se confirmar — mas depende da altura da queda, porque muitas vezes não há tempo ou energia suficientes para o pão dar uma volta completa. No fundo, o que torna a Lei de Murphy um sucesso é a memória. Sempre vamos nos lembrar quando algo não deu certo e poderia ser evitado. É o caso da pesquisa Genial-Quest divulgada ontem.

Foi tratada com falsa naturalidade pelo ministro da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, que minimizou os números desfavoráveis. Segundo ele, o resultado reflete uma reação dos entrevistados às falas de Lula sobre a guerra entre Israel e o grupo terrorista islâmico Hamas, que controla a Faixa de Gaza, que tende a se diluir no tempo. É uma avaliação superficial, mas compreensível. Na cozinha do Palácio do Planalto, os resultados negativos serão atribuídos à política de comunicação da Presidência, ou seja, ao ministro petista, e não ao presidente da República.

Lula é aprovado por 51% dos entrevistados, enquanto 46% reprovam. Seu governo é visto positivamente por 35% e, negativamente, por 34% — outros 28% o consideram regular. O levantamento ouviu 2 mil pessoas entre os dias 25 e 27 de fevereiro, em 120 municípios, e foi encomendado pela Genial Investimentos. A margem de erro é de 2,2 pontos percentuais para mais ou para menos.

O levantamento mostra que 60% dos brasileiros acreditam que Lula exagerou ao comparar a ação de Israel na Faixa de Gaza ao Holocausto — nome dado ao extermínio de judeus na Segunda Guerra Mundial promovido pelos nazistas. É uma explicação insatisfatória. Os indicadores econômicos vão muito bem, obrigado: queda da inflação, aumento do nível do emprego, crescimento econômico de quase 3%. Se não é a economia, o problema está na política.

Mas, aí, ninguém sequer chega perto de Lula para criticar, porque ele repele quem tem a pretensão de supostamente querer lhe “ensinar a governar”. Sem um estado-maior, como no primeiro mandato, quando tinha ministros que lhe falavam o que não gostaria de ouvir, somente a primeira-dama Janja ousa contrariá-lo, mas sempre em posição mais radical, como no caso dos militares, por exemplo.

Popularidade em baixa

Desde agosto do ano passado, enquanto a economia melhora, a aprovação de Lula vem caindo: era de 60% baixou para 51%; a desaprovação subiu de 35% para 46%. A aprovação somente é alta no Nordeste (68%), empata no Norte e no Centro-Oeste (50%), cai no Sudeste (44%) e desaba no Sul (40%).

Tanto entre os homens como entre as mulheres, a aprovação é de 51% — era 59% e 60%, respectivamente, em agosto passado. Por faixa de idade, a pesquisa mostra que Lula está falando apenas para a sua geração (61% a 35% entre os idosos), perde apoio entre os jovens (50% a 46%) e os adultos (50% a 50%) — era de 50% a 36% em agosto.

Por nível de escolaridade, tem amplo apoio somente entre quem tem o ensino fundamental (59% a 38%), mas perde entre os que tem o ensino médio (50% a 48%) e o ensino superior (53% a 45%). Entre os mais pobres (até dois salários mínimos) tem sua maior base de apoio (61% a 36%), mas caiu de 56% para 45% entre os que recebem de dois a cinco mínimos — ou seja, a baixa classe média, na qual sua reprovação subiu de 38% para 52% de agosto até agora.

Acima de cinco mínimos, houve uma ligeira melhora, mas o jacaré continua de boca aberta: a desaprovação é de 54%, contra 44% de aprovação. Lula mantém sua liderança entre os católicos (58% a 39%), mas a rejeição entre os evangélicos só aumenta (62% a 35%).

Se a tese de Pimenta estiver certa, a Lei de Murphy está sendo confirmada pelo posicionamento de Lula na política externa. Ontem, bateu-boca com a líder da oposição venezuelana Maria Corina Machado, impedida de disputar as eleições pelo presidente Nicolas Maduro.

O massacre de palestinos em Gaza, que continua, até mitigou a declaração infeliz de Lula sobre o Holocausto, porque a acusação de que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu promove um genocídio, cada vez mais se ampara em crimes de guerra cometidos pelas tropas de Israel.

Mas sua declaração de que a oposição venezuelana deveria lançar outro candidato, em vez de ficar chorando, improvisada ou não, é mais um desastre na política externa. Lula está em rota de colisão com o Ocidente (“a marcação é constante, mas a distância diminui”). No Brasil, isso não tem a menor chance de dar certo. (Correio Braziliense – 07/03/2024)

Leia também

Recuperação de Nunes deixa Boulos em segundo

A eleição de São Paulo, a cidade mais importante do país, está no radar dos políticos, analistas e da opinião pública de todo o país.

Chile quer rever anistia de golpistas

Segundo dados oficiais, 3.216 pessoas foram assassinadas, 1.400 pessoas desapareceram; um total de 40 mil pessoas foram presas e torturadas.

Oposição quer anistia de Bolsonaro e Moraes ‘impichado’

A anistia aos participantes do 8 de janeiro de 2023 e ao ex-presidente, que está inelegível, mobiliza partidários do ex-presidente e encontra espaço no Centrão.

Lula nomeia deputada negra para Direitos Humanos

NAS ENTRELINHASMacaé Evaristo assume uma pasta na esfera de...

Assédio na Esplanada expõe disputa de poder

Na medida em que os bastidores do caso estão sendo revelados, vê-se que o governo se enredou numa estratégia para abafar o escândalo.

Informativo

Receba as notícias do Cidadania no seu celular!