No llores por mí, Argentina

Realizadas ontem, as eleições argentinas revelam um fato inquietante e que se alastra pelo mundo: a extrema-direita, como nas décadas de 20 e 30, capitaliza e potencializa a crise atual.

Mas, que crise é essa exatamente – talvez seja a pergunta que devemos formular.

Trata-se, antes de tudo, de uma crise de corte estrutural, de mudança de processo civilizatório. Os sinais aí estão: mutações no mundo do trabalho, descalabro ambiental, retrocessos nacionalistas em plena era da globalização. O terreno é fértil para aventureiros de todos os matizes, sejam eles Milei, Meloni, Marine Le Pen, Trump, Maduro ou Putin.

O campo democrático e progressista não tem sabido lidar muito bem com essas mutações. Se os anarquistas foram os intérpretes da classe trabalhadora em uma época em que preponderava a indústria de caráter mais artesanal e os comunistas representavam as alterações no trabalho em direção à indústria pesada, o mundo atual é muito diferente. Há uma forte tendência ao trabalho por conta própria com recurso inclusive à tecnologia de ponta, ao desenvolvimento da inteligência artificial e da automação. Armar uma nova política a partir dessa realidade é o grande desafio. E o campo democrático e progressista não está correspondendo a esse desafio justamente.

Alinho abaixo, ainda que esquematicamente, algumas das dificuldades mais prementes vividas por esse campo, a meu juízo. Espero que ajude a destravar o imbróglio atual, marcado pelo confronto entre a Civilização e a Barbárie:

– Desdenhou e desdenha ainda a opção democrática. Homens como Daniel Ortega ou Nicolás Maduro não passam de ditadores de quinta categoria. Mesmo assim, setores se reivindicando do campo progressista defendem suas práticas “governamentais”, na ausência de outro termo. Acontece que Democracia e Direitos Humanos são inegociáveis. Não existe “tortura de direita” ou “tortura de esquerda”: o que existe é tortura. O que existe é uma escória humana se escondendo por detrás da política. Ter acesso ao Banco Central via Estado pode ser muito mais proveitoso (e sobretudo menos arriscado) para um delinquente do que assaltar um banco qualquer.

– Apostou em lutas identitárias que buscam mais as diferenças do que as aproximações entre as pessoas. As lutas perderam o foco social, ficando reduzidas à questão racial simplesmente, como se não fosse possível relações entre culturas e etnias fora de um esquema de dominação.

– Deixou de lado a análise do capital, em constante mutação também. Ou seja, seus novos campos deatuação, realizando lucros em áreas antes pouco exploradas, submetendo a saúde, a educação e o meio ambiente à sua lógica.

– Não percebeu o quanto a corrupção causa nojo às pessoas. Ela avança no bolso do cidadão comum. A corrupção envolve a ética, mas também a esfera econômica. Ou seja, a corrupção está para a economia como a tortura para a política: ela mata. É fundamental entendermos isso.

– Não entendeu que estatização não é sinônimo de socialização. O que conta tanto não é a propriedade formal, mas a gestão dessa mesma propriedade. O papel aceita tudo, a vida não. Entre privatização e estatização existe vida útil e ela se responde pelo nome de interesse público.

Ivan Alves Filho é historiador

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