Luiz Carlos Azedo: Ciro Nogueira é o espinho que impede acordo de Lula com Lira

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

Proposta de reforma administrativa está praticamente pronta, por meio da PEC 32, que manteve a estabilidade para servidores concursados

O espinho nas mãos do PT que impede o acordo entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), chama-se Ciro Nogueira, o presidente do PP. Lira pleiteia o Ministério do Desenvolvimento Social para o deputado Fufuca (PP-MA), mas a mudança de posição do ministro Wellington Dias (PT-PI) enfrenta resistência na bancada do Senado, principalmente do líder do governo, Jaques Wagner (PT-BA), solidário com o ex-governador do Piauí, que é um senador licenciado. Isso fortaleceria Nogueira num estado onde Lula obteve uma das suas maiores vitórias.

Entretanto, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, aposta na manutenção do entendimento entre Lula e Lira e destaca o novo arcabouço fiscal. “Encontrou-se um denominador comum entre forças que pareciam antagônicas na direção de um entendimento sobre uma regra fiscal que desse à sociedade brasileira como um todo — aos investidores, aos contribuintes — a certeza de que nós estamos com uma economia que caminha para um equilíbrio do ponto de vista fiscal”, destacou.

Enquanto Haddad avaliava positivamente a aprovação do novo arcabouço fiscal na Câmara dos Deputados, Lira reiterava a intenção de promover uma reforma administrativa que estava no congelador desde 2020. A PEC da reforma administrativa foi enviada à Câmara em 2020, durante o governo Jair Bolsonaro, para mudar a estrutura da administração pública.

O projeto estava sendo articulado por Paulo Guedes, mas foi para o freezer após a ida de Ciro Nogueira para a Casa Civil do governo Bolsonaro. Agora, a proposta ressuscita. Centrão articula um manifesto de apoio à reforma administrativa por meio de frentes parlamentares ligadas a setores empresariais, entre as quais a do Empreendedorismo (FPE), do Comércio e Serviços (FCS), do Brasil Competitivo (FBC) e da Agropecuária (FPA).

“A reforma administrativa é fundamental, ainda mais depois da aprovação do marco fiscal, em que há muito mais esforço do governo em aumentar gastos do que em cortar custos”, afirma o deputado Pedro Lupion (PP-PR), presidente da FPA. Na segunda-feira, num evento em São Paulo, Lira disse que é preciso “discutir despesas, já que não podemos aumentar impostos”. É música para os ouvidos do mercado.

A proposta de reforma administrativa está praticamente pronta, por meio da PEC 32, que manteve a estabilidade para servidores concursados, mas tem inovações como redução de jornada de trabalho e de remuneração em momentos de crise fiscal, avaliação de desempenho com possibilidade de perda de cargo e estágio probatório para recém-concursados. Essa proposta estressa as relações com o PT, que tem forte presença de líderes sindicais e parlamentares ligados a servidores públicos.

Equilíbrio fiscal

A aprovação do arcabouço fiscal foi uma grande vitória para o governo Lula e fortaleceu a posição do ministro Haddad, mas há uma correlação de forças majoritariamente conservadora na Câmara, principalmente nas questões fiscais e tributária. Haddad quer administrar o ritmo do reequilíbrio fiscal, o que dependerá do Orçamento da União. O equilíbrio das contas públicas, segundo o ministro, permitirá que o Brasil, na situação geopolítica que se encontra, possa fazer valer as suas vantagens competitivas em relação aos demais países e possa acelerar sua taxa de crescimento, que anda muito baixa há mais ou menos 10 anos. Na avaliação de Haddad, o Brasil precisa crescer acima da média mundial, com sustentabilidade. “Somos um país de renda per capita, medida por paridade de poder de compra, ainda muito baixa na comparação com países com igual potencial.”

Com o objetivo de aumentar a arrecadação, o governo negocia com os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, a aprovação de uma medida provisória para taxar as offshores. A ideia é instituir uma cobrança semestral de imposto de renda sobre os rendimentos dos fundos exclusivos. A expectativa é arrecadar cerca de R$ 10 bilhões por ano. Haddad quer elevar a arrecadação para cobrir a correção da tabela do Imposto de Renda e ajudar a zerar o deficit público em 2024.

O ministro pediu que o Congresso espere até dezembro, quando deverá estar aprovada a primeira fase da reforma tributária, para discutir a renovação da desoneração da folha de pagamento para 17 setores da economia, cuja relatora, deputada Any Ortyz (Cidadania-RS), está com o relatório pronto e deve ser votado na próxima terça-feira.

A reforma da Previdência impediu a renovação de incentivos fiscais que tenham impacto sobre a arrecadação do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) sem especificar a fonte de recursos que compensem as medidas. “Temos um problema aí, e eu pedi tempo para tentar resolver da melhor maneira possível”, disse Haddad. (Correio Braziliense – 24/08/2023)

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‘Edição nacional’ dá forma a um ‘novo’ Gramsci

“Edição nacional” dá forma a um “novo” GramsciO século XXI parece demandar uma recepção mais complexa e sofisticada de Gramsci e, nesse sentido, dispensa tanto a fórmula “canônica” em seu tratamento quanto um relativismo interpretativo inconsequente.No campo das ciências sociais, Antonio Gramsci talvez seja o autor italiano mais traduzido no Brasil. Um autor sui generis já que, em vida, nunca publicou um livro e seus escritos foram, por escolha dos seus editores, publicados primeiramente a partir dos grandes temas que se entrecruzavam nos cadernos escritos na prisão, para só depois ganharem uma “edição crítica” que se esmerou em acompanhar a cronologia da escritura gramsciana durante seu encarceramento. Referimo-nos aqui à “edição temática” coordenada por Felice Platone e Palmiro Togliatti, publicada entre 1948 e 1951, e à “edição crítica” dos Cadernos do Cárcere, de 1975, coordenada por Valentino Gerratana.1Atualmente, os Cadernos do Cárcere, somados a textos escritos para jornal, cartas (de Gramsci e dos seus interlocutores) e traduções, compõem o escopo da denominada “Edição nacional”, cujo primeiro volume veio à luz em 2007 e já conta com 9 volumes publicados na Itália. A “Edição nacional”, coordenada pela Fondazione Istituto Gramsci e publicada pelo Istituto della Enciclopedia Italiana – Edizione Treccani –, está projetada em quatro seções, a saber: 1. Scritti (1910-1926); 2. Epistolario (cartas anteriores e posteriores à prisão); 3. Quaderni del carcere (nova edição crítica e integral); 4. Documenti (dedicado à atividade político-partidária).2Com a difusão dos seus escritos, inicialmente, Gramsci foi visto tanto como o “teórico da cultura nacional-popular” quanto um formulador “da revolução nos países avançados do capitalismo”, de cuja obra se extraíram conceitos que o tornaram um pensador assimilado em grande escala. Ao longo de décadas, Gramsci foi utilizado de maneira ampliada e, no mais das vezes, buscou-se, a partir dele, difundir algumas fórmulas desvinculadas do seu contexto de enunciação. Inevitável que tivesse ocorrido tanto um processo de instrumentalização — no PCI, Gramsci assumiu a figura de um formulador ortodoxo e também a de um precursor do “eurocomunismo” — quanto de diluição e empastelamento do seu pensamento, sendo muitas vezes citado por opositores declarados às suas aspirações políticas de emancipação dos subalternos. Por esses descaminhos, diluiu-se a riqueza do seu pensamento, o que parece estar sendo recuperado, como a sua complexa leitura do nacional a partir de um “cosmopolitismo de novo tipo”3 ou sua aspiração por um “comunismo como sinônimo de igualdade e democracia”.4Olhando essa trajetória de recepção e assimilação, pode-se dizer que Gramsci chegou a um patamar de utilização que passou a exigir um novo tratamento, que desmontasse mitos, simplificações e falsificações, e pudesse resgatar Gramsci como uma obra que se confunde com sua vida, contextualizada nos conflitos e transformações daqueles anos febris que marcaram o alvorecer do século XX.Esse espírito marca uma reviravolta nos estudos gramscinos nas últimas décadas que, em primeiro plano, buscou estabelecer uma leitura filológica dos seus textos com o intuito de dar uma compreensão mais refinada dos seus conceitos em compasso com sua escritura, ou seja, capturando o “ritmo do pensamento”.5 Em paralelo, a partir de uma perspectiva analítica centrada na “historização integral”, foi possível pensar, de maneira articulada e contextualizada historicamente, as vicissitudes da sua trajetória pessoal e da sua reflexão teórica, permitindo que se pudesse compreender melhor os dramas individuais e os dilemas políticos daquele prisioneiro especial do fascismo. Muito desse movimento renovador se alicerçou no trabalho desenvolvido pela Fondazione Gramsci de Roma por meio de pesquisas inovadoras, seminários regulares difundidos em publicações coletivas e iniciativas intelectuais que articulavam o diálogo entre estudiosos e pesquisadores dos escritos de Gramsci ao redor do mundo.6Com o trabalho de pesquisa ensejado na propositura da “Edição nacional” e em função das pesquisas desenvolvidas de identificação e reorganização do que Gramsci escreveu, passou a haver um significativo movimento de reavaliação e revigoramento do seu pensamento. Diversas publicações de estudos sobre sua vida e seu pensamento têm vindo a público, particularmente na Itália — mas não só —, que, além de questionarem diversas formas pelas quais Gramsci havia sido assimilado e utilizado, propõem uma revisão de muitas dessas interpretações e sugerem o que vem sendo chamado de um “novo” Gramsci.De acordo com Gianni Francioni e Francesco Giasi, a ênfase dessa caracterização não está no conteúdo, mas no reconhecimento de que “um novo Gramsci ganha forma graças a um complexo trabalho coletivo que conta com a participação de estudiosos de diferentes gerações, com diferentes formações e perfis, com maturações diversas, no campo dos estudos históricos e filosóficos, unidos por pesquisas específicas e continuadas”.7De imediato, esse reconhecimento sugere um questionamento inevitável à equivocada visão de alguns anos atrás de que Gramsci havia deixado de ser lido e estudado na Itália em detrimento do crescimento da investigação sobre Gramsci por parte de pesquisadores não italianos. Outra ideia que deverá ser questionada em breve é a de se supor que a “Edição nacional”, com seus portentosos volumes — que muito dificilmente serão traduzidos em sua totalidade em outros países —, diminuirá a pesquisa sobre Gramsci ao redor do mundo. Sì e no, efetivamente, essa é uma questão em aberto.Em suma, esse “novo Gramsci” obedece mais ao clima do tempo, mais plural e dialogante, do que aquele do status de referencial predominante de um campo político-ideológico, vinculado a um partido, ou então, o seu inverso, como na fabulação de um “outro Gramsci” que se opõe à imagem que, em particular, o PCI, atribuiu a dele. O século XXI parece demandar uma recepção mais complexa e sofisticada de Gramsci e, nesse sentido, dispensa tanto a fórmula “canônica” de tratamento do nosso autor quanto um relativismo interpretativo inconsequente; e repele, mais ainda, a leitura essencialista, antitética e tresloucada promovida pela extrema-direita, à la Olavo de Carvalho8, que deforma tudo e promove somente ignorância.Esse “novo Gramsci”, muito mais fiel à sua trajetória de vida e à complexidade do seu pensamento, permanece convocando seus leitores e estudiosos a se esforçarem no sentido de contribuírem com a discussão dos dilemas políticos da contemporaneidade, notadamente por meio das temáticas da interdependência e do cosmopolitismo, dois temas caros a ele e vetores essenciais para o enfrentamento dos desafios deste “mundo grande e terrível”… e “complicado”, que ele já divisara no seu tempo, um século atrás. (Estado da Arte/O Estado de S. Paulo - 09/10/2024 - https://estadodaarte.estadao.com.br/filosofia/edicao-nacional-da-forma-a-um-novo-gramsci/)Notas:1. A “edição temática” foi quase integralmente publicada no Brasil na década de 1960 pela editora Civilização Brasileira. A partir de 1999, tendo como editores Carlos Nelson Coutinho, Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira, a mesma editora publicaria uma versão dos Cadernos do Cárcere que mescla a “edição temática” com a “edição crítica”. ↩︎ 2. Em maio de 2024, foi lançado Scritti 1918, organizado por Leonardo Rapone e Maria Luisa Righi, o último volume até agora publicado da “Edição nacional”. ↩︎ 3. IZZO, Francesca. Il moderno Principe di Gramsci – cosmopolitismo e Stato nacionale nei Quaderni del carcere. Roma: Carocci, 2021(uma versão em português está no prelo pela Editora da Unicamp & FAP). ↩︎ 4. DESCENDRE, Romain & ZANCARINI, Jean-Claude. L’oeuvre-vie d’Antonio Gramsci. Paris: La Dècouverte, 2023, p. 13. ↩︎ 5. COSPITO, Giuseppe. Il ritmo del pensiero – per una lettura diacronica dei “Quaderni del carcere” di Antonio Gramsci. Napoli:Bibliopolis, 2011. ↩︎ 6. A título ilustrativo podemos mencionar: Giuseppe Vacca, Vida e pensamento de Antonio Gramsci – 1926/1937 (Contraponto/FAP, 2012); Leonardo Rapone, O jovem Gramsci – cinco anos que parecem séculos – 1914-1919 (Contraponto/FAP, 2014); Aberto Aggio, Luiz Sérgio Henriques & Giuseppe Vacca (orgs), Gramsci no seu tempo (Contaponto/FAP, 2009; 2ª. ed. 2019); Fabio Frosini & Francesco Giasi (orgs), Egemonia e modernità – Gramsci in Italia e nella cultura Internazionale (Viella, 2019). ↩︎ 7. FRANCIONI, F. & GIASI, F. Un nuovo Gramsci – biografia, temi, interpretazioni. Roma: Viella, 2020, p. 12. ↩︎ 8. OLIVEIRA, Marcus Vinícius Furtado da Silva. “Gramsci no jardim das aflições”. In: Anais do VIII Encontro de pesquisa em história da UFMG. Belo Horizonte: UFMG, 2019. ↩︎
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