Agrishow não cancelou cerimônia por causa da publicidade do BB, mas pela dependência do setor privado em relação ao governo
O cancelamento da cerimônia de abertura da Agrishow, maior feira de máquinas agrícolas da América Latina, foi resultado não só de uma trapalhada do agronegócio, que ficou espremido entre o oportunismo bolsonarista e a retaliação petista.
Foi também uma evidência da divisão da base do setor, que não tolera o PT – e alguns chegaram a compactuar com o golpismo –, e das lideranças do agro, que sabem o quanto é difícil, num país como o Brasil, viver às turras com o governo.
Acuado por inquéritos, o ex-presidente Jair Bolsonaro só saiu de casa desde que chegou de Miami para depor na Polícia Federal. Em Ribeirão Preto, voltou à arena política em grande estilo. Sua ida à Agrishow, a convite do governador Tarcísio de Freitas, foi articulada por lideranças rurais locais.
Os organizadores da feira fizeram trapalhadas em série. O telefonema em que Chiquinho Matturro, presidente de honra da feira, “desconvida” o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, é muito deselegante. E ele faz isso sem avisar as entidades mantenedoras da Agrishow.
O episódio só piora a péssima relação do presidente Lula com o agro. O setor comunga de valores conservadores diferentes dos da esquerda, discorda da política de demarcação de terras indígenas, se revolta com a inação diante das invasões do MST.
Lula não faz nenhum esforço de aproximação. Ele diz que ninguém concedeu tanto crédito agrícola, que viaja o mundo para desfazer a imagem ruim deixada por Bolsonaro e que não entende por que o agro o odeia. Mas leva João Pedro Stédile na comitiva para a China.
O governo age com truculência. Ministros palacianos chegaram a afirmar que o Banco do Brasil cancelaria o patrocínio na Agrishow. A informação não procede. As ações de promoção e publicidade na feira estão mantidas. A administração do banco poderia ser questionada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e pelo Tribunal de Contas da União (TCU), se permitisse sua utilização como ferramenta de retaliação política.
Era inevitável que a Agrishow se tornasse palco para Bolsonaro. Basta conferir as imagens de sua chegada ao aeroporto e suas caminhadas por lá. Ao cancelar a cerimônia de abertura, os organizadores apenas impediram que isso ocorresse oficialmente. E não o fizeram por causa da publicidade do Banco do Brasil, mas por causa da dependência do setor privado em relação ao governo.
Para ficar apenas em um exemplo: o Ministério de Minas e Energia estuda aumentar a mistura de álcool na gasolina, o que provocaria um salto nos preços do açúcar, beneficiando usineiros paulistas. E se o governo decidir retaliar nesse assunto também. (O Estado de S. Paulo – 02/05/2023)
Raquel Landim, jornalista e analista da CNN Brasil