Nota: O historiador e documentarista Ivan Alves Filho recebeu, no dia 27 de março de 2023, um importante comentário ao seu livro O historiador e o Tapeceiro – Observações sobre o meu ofício, editado pela Fundação Astrojildo Pereira. Convém destacar que a obra em questão data de 2015, o que prova que ela continua a suscitar interesse por parte do público leitor qualificado. O autor do comentário abaixo, que autorizou sua publicação, é o sociólogo João Felipe Salomão.
“Faz uns três anos que o seu “O historiador e o tapeceiro” me olhava da estante esperando uma leitura, desde que o grande camarada Rodrigo Cosenza me passou um exemplar, quando eu ainda estava estonteado pela leitura do seu “Memorial de Palmares”. Pois bem, depois de tanto tempo, segue um comentário meu sobre a obra.
A leitura do livro é muito saborosa! A escrita lembra uma conversa ou uma entrevista, sem as exigências de uma obra acadêmica, e com uma fluidez que remete à oralidade. O livro também lembra uma entrevista pela profusão dos assuntos, pois além das memórias pessoais e das observações sobre a arte da História, você passeia por diversos temas. Me lembrou mesmo o “Minha formação”, do Joaquim Nabuco, em que ele opina sobre várias questões.
Desses temas, eu destaco os comentários sobre a tortura; cristianismo e religião; mundo do trabalho, automação, formas de propriedade e trabalho por conta própria. Além dos temas sobre o ofício de historiador, do que eu guardei suas observações sobre materialismo e dialética; o conceito de modo de produção e a nossa história colonial; estruturas sociais, acontecimentos e mudanças históricas. Sobre esse último ponto, também registrei seus comentários sobre o imbricamento da política com outras estruturas sociais, porque esse tema toca diretamente num projeto que tenho engavetado há alguns anos, sobre um episódio da história política de Teresópolis logo no início da ditadura militar.
Por ter tantos comentários de temas os mais diversos, eu sugeriria, caso o livro tenha uma nova edição, que fosse colocado algo que facilitasse a consulta a esses temas. Talvez um índice remissivo ao final do livro, ou a explicitação no próprio sumário.
Em relação às memórias, as descrições do Rio de Janeiro da sua infância e adolescência são deslumbrantes, e até por isso mesmo, um pouco nostálgicas, porque é impossível não confrontar o seu Rio com o Rio de hoje… As memórias de Paris da década de 1970 também são uma preciosidade!
O capítulo dos livros que você escreveu valem imensamente, para pesquisadores atuais e futuros, pela contextualização de obras de referência para a história brasileira.
Gostei demais do capítulo sobre os livros que você leu! Fiquei fazendo o mesmo exercício em relação aos livros que li, e percebi que essa é uma forma muito interessante de fazer uma arqueologia da nossa própria vida. Estou incentivando os meus amigos a fazerem o mesmo, registrarem os livros que leram, contextualizando tal leitura e refletindo sobre os seus efeitos.
No mais, acho que o livro tem um grande valor pela possibilidade que você descortina de se ser cientista social sem estar necessariamente na academia. Certamente, contribuíram para essa concepção a sua prática precoce do jornalismo e a sua formação política em um partido resiliente forjado na clandestinidade. Mas, junto às circunstâncias, tenho compreendido que há também escolhas éticas e difíceis nessa sua forma de ser historiador, e o livro, mais que tudo, é um belo testemunho de quem tem um saber definido do que quer e tem o poder de ir até no rabo da palavra.
É isso, camarada! Vamos em frente!
João Felipe Salomão
Rio de Janeiro, 27 de março de 2023″