Marcus André Melo: Por que as democracias sobrevivem?

Novos estudos explicam porque as previsões sobre a morte da democracia falharam

O título desta coluna não estará na capa de algum best-seller. Sim, a discussão em torno de como morrem as democracias deu lugar a um grupo cada vez maior de estudos qualitativos e quantitativos sobre por que as previsões sobre o colapso das democracias falharam.

Estes estudos apontam uma debilidade crítica das análises já apontada aqui na coluna há pelo menos quatro anos em relação ao best-seller de Levitsky e Ziblatt: há viés de seleção na variável dependente (no caso, a morte da democracia). A amostra teria que incluir os casos de sobrevivência e morte da democracia.

Generalizações a partir de estudos de caso de Orban, Chávez, Erdogan, etc —frequentemente combinadas com referências a Hitler— têm pés de barro. Além do mais, mudanças marginais na Índia ou EUA não podem ser reportadas ponderadas pela população, como se refletissem tendências globais.

No entanto, algumas análises não cometem este erro primário e baseiam-se em índices elaborados por instituições como Freedom House, V-DEM, The Economist (EIU), ou Polity2. Alguns baseiam-se em indicadores objetivos (ex: percentagem de eleições em que o incumbente ou seu partido venceu) ou número de jornalistas assassinados.

Outros são subjetivos (ex: “como avalia se as eleições foram limpas e justas e se a vontade popular prevaleceu”) e são sujeitas a vieses (o número de especialistas consultados é muito pequeno).

Little e Meng desagregaram dezenas de indicadores das fontes disponíveis concluindo que nas últimas quatro décadas não há nenhuma evidência de declínio da democracia segundo dezenas de indicadores objetivos; em muitos casos observa-se o contrário. Também examinaram os indicadores subjetivos e investigaram as possíveis razões para os vieses encontrados.

Concluíram (utilizando um modelo formal) que a saliência e o nível crescentes de informações sobre retrocessos democráticos explicam parte do viés. O impacto do fenômeno Trump é exemplo.

Algumas fontes têm problemas específicos. O V-DEM —o padrão-ouro— publiciza de forma anônima as respostas dos especialistas (cujo número varia de 5 a 11) que sugerem um intervalo de confiança para suas respostas. Little e Meng mostraram que ele é superior ao desvio padrão das respostas para os níveis das escalas utilizadas, comprometendo alguns indicadores. O Polity2, por sua vez, perdeu grande credibilidade pela falta de plausibilidade.

Após a eleição de Trump em 2016, o escore para os EUA declinou para 5 (o mesmo que Haiti e Somália), o menor de sua história desde 1801, inferior inclusive aos da Era Jim Crow, quando negros e mulheres (até 1920) eram impedidos de votar. (Folha de S. Paulo – 27/02/2023)

Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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