Luiz Carlos Azedo: O coração de D. Pedro I simboliza a necropolítica no Bicentenário

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

Ganha um pastel de Belém quem souber onde fica a Rua D. Pedro I no Rio de Janeiro, a cidade que acolheu o jovem príncipe no exílio, em 1808, e o transformou no primeiro imperador do Brasil, às vésperas de completar 24 anos, em 7 de setembro de 1822. Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon era herdeiro da casa real portuguesa, filho de D. João VI, regente de Portugal, e da princesa espanhola Carlota Joaquina, que viriam a se tornar rei e rainha de Portugal em 1816, com a morte da rainha Maria I.

O seu protagonismo político na formação do Brasil como nação não pode ser ignorado nas comemorações do Bicentenário da Independência. Com esse objetivo, amanhã, chega ao Brasil o coração de D. Pedro I, que será exposto no Palácio do Itamaraty, em Brasília, como ponto alto das comemorações oficiais do Bicentenário da Independência. A data magna também servirá para a realização de grandes manifestações de apoio ao presidente Jair Bolsonaro e seu projeto de reeleição; a unidade nacional e a coesão social de nosso país estão fora de questão. Essa forma de comemoração merece uma reflexão crítica, porque simboliza o sequestro da identidade nacional e do nosso futuro pelo presidente Jair Bolsonaro com propósitos eleitorais e regressistas.

Quase como uma piada pronta, a morbidez da programação reforça a ideia de que vivemos tempos de “necropolítica”. As negociações para o empréstimo do coração levaram cerca de quatro meses e envolveram o governo português, a Câmara do Porto e representantes da Irmandade da Lapa, entidade religiosa que guarda a relíquia. Mantido em um pote de vidro, imerso numa substância dourada, o coração do D. Pedro será recebido no Palácio do Planalto com honras de chefe de Estado, com salvas de canhão e escoltado pelos Dragões da Independência; depois, ficará em exposição pública no Palácio do Itamaraty.

Até o começo de 1821, D. João VI manteve D. Pedro afastado da política. Com a Revolução Liberal do Porto, foi obrigado a voltar a Lisboa e deixou-o como príncipe regente do Brasil. Essa ação fez com que assumisse protagonismo político, convertendo-se em líder da Independência, em contraposição às Cortes portuguesas, que exigiam sua volta ao país. Em 9 de janeiro de 1822, D. Pedro anunciou sua permanência no Brasil, evento que ficou conhecido como Dia do Fico.

Daí em diante, o processo de ruptura se acelerou, e a hostilidade nas relações entre Brasil e Portugal aumentou. Em 7 setembro de 1822, Dom Pedro estava em viagem a São Paulo e, no trajeto Santos-São Paulo, próximo ao riacho do Ipiranga, recebeu uma carta assinada por sua esposa e por José Bonifácio, seu conselheiro pessoal, com as novas ordens enviadas por Portugal. D. Pedro aproveitou a situação para declarar a independência. Em 1º de dezembro de 1822, D. Pedro foi coroado imperador.

Escravidão

Ao contrário de todos os demais países das Américas, que se tornaram republicanos a partir da independência — com exceção do México, que teve três impérios brevíssimos —, o Brasil optou por uma monarquia, que nos legou um Estado historicamente constituído e nossa integridade territorial, embora a nação fosse ainda um projeto em construção. A razão de ser da nossa monarquia estava mais associada à manutenção da escravidão e ao projeto de reunificação do Império colonial português, cuja personificação seria o próprio D. Pedro I.

Seu autoritarismo e intransigência resultaram na sucessão de crises que marcaram o Primeiro Reinado. D. Pedro fechou a Constituinte de 1823, rasgou a chamada Constituição da Mandioca e nos outorgou a Constituição liberal de 1824, na qual o direito à propriedade privada foi introduzido com o claro objetivo de blindar a escravidão.

A insatisfação foi enorme. No Nordeste, deu origem a uma revolta de caráter separatista, a Confederação do Equador. D. Pedro I decidiu declarar guerra contra as Províncias Unidas em virtude de uma revolta em curso na Cisplatina. A guerra afetou a economia brasileira e resultou na independência do Uruguai. A derrota moeu a popularidade de D. Pedro, que perdeu apoio dos militares e da população pobre. O assassinato do jornalista italiano Líbero Badaró, que lhe fazia dura oposição, em novembro de 1830, em São Paulo, tornou a situação insustentável.

D. Pedro I foi acusado de proteger os assassinos do jornalista, e o confronto entre seus defensores e críticos nas ruas do Rio de Janeiro explodiu em março de 1831. A Noite das Garrafadas fez com que renunciasse ao trono, em 7 de abril de 1831, para que seu filho, Pedro de Alcântara, pudesse assumir quando completasse 18 anos.

Em 1831, D. Pedro I mudou-se para Portugal com o objetivo de participar da Guerra Civil Portuguesa e defender o direito de sua filha, D. Maria II, de assumir o trono do país. Lutou contra o seu irmão D. Miguel pelo trono e venceu esse conflito. Maria foi restaurada no trono de Portugal em 1834, e D. Miguel fugiu em exílio. Durante a guerra, D. Pedro I contraiu tuberculose, doença que se agravou e o levou à morte em 24 de setembro de 1834.

No Brasil, o conturbado Período Regencial que se seguiu à abdicação de D. Pedro I, até o Golpe da Maioridade de D. Pedro II, em 1840, foi fundamental, porém, para consolidar a União e plantar, no parlamento brasileiro, as sementes do nosso federalismo e, nele, em contrapartida, a cultura de conciliação de nossas elites. D. Pedro jamais recuperou sua popularidade. (Correio Braziliense – 21/08/2022)

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