George Gurgel de Oliveira – Brasil (in)sustentável: a agroecologia em questão. Quais os desafios?

A escolha de uma determinada política pública em qualquer sociedade é uma opção política, com reflexos econômicos, sociais e ambientais.

Como desenvolver estratégias e ações para a construção de uma política agrícola no Brasil que seja integrada nacionalmente e descentralizada a nível regional, que tenha a sustentabilidade econômica, social e ambiental como fundamentos e razão de ser?

O texto a seguir procura analisar a realidade atual da produção agroecológica no Brasil, aqui considerada como parte integrante da política agrícola brasileira e os seus desafios políticos, econômicos, sociais e ambientais.

Os velhos e novos desafios de uma política agrícola sustentável

A hegemonia do capital financeiro em detrimento da produção e do bem estar social e os seus reflexos no mundo do trabalho e da cultura, a partir dos anos 70 do século passado, vem atingindo de maneira drástica a realidade cotidiana de toda a humanidade, de forma insustentável. Aumenta a fome, a precarização do trabalho, da saúde, da segurança pública e da mobilidade urbana, impactando o cotidiano e a qualidade de vida das pessoas, sob os efeitos das mudanças climáticas, em um mundo ainda em pandemia, desnudando e aprofundando a crise do padrão de produção e consumo dos alimentos no Brasil e no mundo.

Evidencia-se, portanto, a interdependência entre sustentabilidade e as opções de política econômica e seus reflexos na realidade social e na preservação do meio ambiente em sí e as demandas alimentares – ainda com a fome e a desnutrição assolando a sociedade mundial e brasileira, colocando com a urgência devida, no caso do Brasil, a discussão da atual política agrícola e o papel da agroecologia neste contexto.

Nesta perspectiva, uma nova política agrícola para o Brasil deve ter como um dos seus fundamentos uma economia de baixo carbono, que seja social e ambientalmente sustentável, onde o Estado, dialogando com o Mercado e a Sociedade Civil, deverá ter um papel econômico e social de destaque na busca de atender as demandas sociais básicas, secularmente desrespeitadas e ainda não conquistadas pela maioria da sociedade brasileira.

A Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo) foi criada em 2012, com o objetivo de integrar, articular e adequar as políticas públicas que contribuem e podem contribuir para a produção sustentável de alimentos saudáveis e livres de contaminantes químicos, no caminho da sustentabilidade econômica, social e ambiental das áreas rurais, valorizando o conhecimento dos povos e comunidades tradicionais, com participação do Governo, do Mercado e da Sociedade Civil.

Apesar da legislação federal existente no Brasil, a agroecologia ainda não existe como parte integrante de uma política agrícola nacional. Regra geral, funciona de maneira fragmentada, com pouco ou quase nenhum apoio do poder público, por iniciativa de produtores rurais e suas famílias, dos movimentos sociais, da comunidade indígena e quilombola que se unem em cooperativas, buscando atender as demandas por alimentação orgânica dos municípios onde estão inseridos.

A produção e a comercialização de produtos agroecológicos no Brasil tem como base a agricultura familiar, as cooperativas e as feiras agroecológicas, atendendo as populações urbanas e rurais que procuram através da agroecologia manter hábitos de alimentação saudáveis, contribuindo para a inclusão social, a preservação da cultura e do meio ambiente regional.

Nos últimos anos, cada vez mais, a agroecologia brasileira vem contribuindo na geração de trabalho e renda, fortalecendo a cultura do cooperativismo, melhorando a renda e a qualidade de vida dos pequenos produtores rurais e suas famílias, beneficiando as populações rurais e urbanas próximas às áreas de produção e comercialização de produtos agroecológicos.

A construção de uma Política Agrícola Nacional Sustentável nos desafia a considerar, entre outras questões: uma maior integração da área federal com os Estados e Municípios proporcionando um maior apoio aos produtores rurais e às suas cooperativas, buscando: a melhoria da qualidade e a escolha das sementes e das mudas a serem utilizadas no plantio; a qualificação da mão de obra; a ampliação da escala de produção e comercialização; o controle, a disponibilidade e a utilização de fontes naturais nos processos de produção, inclusive a água, a energia e a própria terra; assim como o acesso e melhoria às tecnologias e aos mecanismos de gestão da produção e comercialização, financiamentos, infraestrutura e a avaliação das potencialidades do mercado regional, nacional e internacional, considerando as distintas realidades dos estados, dos municípios e das regiões onde estão inseridos.

Assim, a agricultura brasileira deve reestruturar-se buscando a integração dos seus diversos sistemas agrícolas : o agronegócio voltado para o mercado externo e nacional; a agricultura familiar; a agroecologia; o turismo; a produção de energia eólica, solar, de biomassa, entre outras possibilidades agrícolas; buscando criar novos mecanismos político-institucionais, construindo novas relações entre o Estado, o Mercado e a Sociedade que proporcionem uma efetiva publicização e participação social mais ampla na discussão, formulação e implementação de uma política agrícola sustentável para o Brasil, que venha a atender as distintas realidades brasileiras.

Ainda, uma política agrícola sustentável para o Brasil deve reavaliar a atual estrutura tarifária e de preços dos alimentos básicos consumidos pela maioria da população, criando um programa alimentar que combata e termine para sempre com a fome no Brasil.

Portanto, deve haver mais do que nunca uma discussão ampla, com a participação governamental, do mercado, dos produtores rurais e da sociedade em geral em relação à incorporação da agroecologia como parte integrante de uma política agrícola nacional sustentável, vinculada a um projeto maior de transformação da sociedade brasileira, com políticas sociais inclusivas nas áreas de educação, saúde, turismo, cultura, meio ambiente, em sintonia ao processo de mundialização em curso, que nos leve à almejada sustentabilidade brasileira, nos próximos 20-30 anos.

Ainda, uma nova política agrícola para o Brasil deve incentivar uma maior integração agrícola com a América Latina, construindo parcerias e sistemas de produção de alimentos integrados, revisitando as práticas ancestrais do Bem Viver, atendendo às demandas da própria América Latina. Aqui, podem existir iniciativas conjuntas em diálogo com as organizações internacionais multilaterais, governamentais, comunidade cientifica, organizações empresariais e ONGs, na busca de políticas agrícolas comprometidas com o combate à fome, a inclusão social e a preservação do meio ambiente, colocando como necessidade uma maior e efetiva participação das organizações internacionais, a exemplo da ONU, Banco Mundial, FMI, OIT e da sociedade civil mundial na discussão dessas políticas agrícolas sustentáveis.

Em função da pandemia, das crises política e econômica em andamento envolvendo os EUA, a União Europeia, a OTAN, a China, a Rússia, entre outros, e as guerras e os conflitos regionais em curso, inclusive o que envolve a Rússia e a Ucrânia, essas iniciativas em prol da sustentabilidade mundial, inclusive em relação às mudanças climáticas e a própria pandemia, continuam sendo adiadas (até quando?), ampliando, ainda mais, a grave crise social e ambiental vivida nas últimas décadas pela humanidade.

Urgem mudanças e medidas efetivas nessas organizações multilaterais mundiais e regionais que nos levem a outras possibilidades econômica, social e ambiental, cuja centralidade deve ser a cooperação entre os povos e a construção de uma cultura de Paz, como desafios fundamentais da sustentabilidade planetária.

Finalmente, sempre é bom lembrar, que a democratização das relações entre o Estado e a sociedade, com a participação efetiva da cidadania, são pressupostos básicos deste novo modelo agrícola que se quer sustentável para o Brasil e toda a humanidade.

Estamos desafiados! (Blog Democracia Política e novo Reformismo – 14/05/2022 https://gilvanmelo.blogspot.com/2022/05/george-gurgel-de-oliveira-brasil.html?m=1)

George Gurgel de Oliveira, professor, doutor, pesquisador da Cátedra da UNESCO-Sustentabilidade, da UFBA e do Conselho do Instituto Politécnico da Bahia.

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