Alisson Micoski: Transporte público e seus modais no Brasil, a urgência na criação de matrizes nacionais

Em 2019, pesquisa divulgada no Summit Mobilidade Urbana 2019, em São Paulo, mostrou que o impacto dos congestionamentos de trânsito na economia brasileira é da ordem de R$ 267 bilhões por ano, o equivalente a 4% do Produto Interno Bruto (PIB). Além disso, o estudo mostrou que o brasileiro gasta, em média, 1h20 por dia para se deslocar para as atividades principais.

Esse número pode chegar a 2h07 para que se cumpram todos os deslocamentos diários, o que resulta em 32 dias gastos por ano no trânsito. Ou seja, um mês perdido em engarrafamentos. A mobilidade urbana é realmente um dos maiores problemas do Brasil e afeta, inclusive, a democratização do uso de espaços e o acesso a oportunidades. Um problema de longa data que não vislumbra solução em curto ou médio prazos.

Além das perdas econômicas e da falta de otimização do tempo, o trânsito mata e faz mal à saúde das pessoas. E quanto mais congestionamentos e dificuldade de circulação, como nas periferias, pior.

Pesquisa feita pela Universidade de Brasília (UnB), em parceria com a Oxford Brookes University, da Inglaterra, e as Universidades Federais do Rio Grande do Sul (UFRGS) e de Santa Catarina (UFSC), mostrou que a precariedade na mobilidade urbana afeta negativamente a qualidade de vida e o bem-estar, piorando a saúde física e mental de quem está no trânsito.

A partir do momento em que um município (ou mesmo um estado ou um país) adota uma política ostensiva de melhoria da mobilidade urbana, isso passa a influenciar diretamente a vida das pessoas.

Mobilidade urbana é um tema constantemente discutido no Brasil. A maioria das grandes cidades sofre com graves problemas de transporte e enfrenta desafios em promover meios de diminuir o impacto do trânsito no dia a dia da população.

Uma das causas do aumento de engarrafamentos é bem óbvia: temos mais carros nas ruas. Governos passados investiram no desenvolvimento da indústria automobilística, facilitando o acesso a veículos particulares, o que deixou as vias públicas sobrecarregadas. Na contramão, não houve – e continuam inexistentes – programas de incentivo ao transporte público, coletivo, mais econômico.

O usuário do transporte público, a quem o Estado fornece os serviços essenciais, encontra-se salvaguardado pela Constituição Federal (CF) e pelo Código de Defesa do Consumidor, vez que a relação é atualmente considerada de “consumo”. O transporte público é previsto pela CF como um serviço público essencial, organizado e prestado pelo Governo para satisfação dos cidadãos.

Acrescente-se que a Lei de Mobilidade Urbana trata de definir o seu real objetivo, isto é, promover a melhoria da acessibilidade e mobilidade das pessoas no solo urbano, bem como do transporte de cargas nos municípios.

A solução dos desafios da mobilidade exige ações ousadas e coordenadas dos setores público e privado. Avanços tecnológicos e comercialização, financiamento, políticas inteligentes e inovações nos modelos de negócios são necessários para obter melhorias de produtividade e, ao mesmo tempo, criar ambientes mais sustentáveis em nossas cidades. 

Tarifa Zero para o transporte público

De acordo com o Portal Mobilize Brasil, cidades brasileiras que adotaram o modelo tarifa zero como política de transporte público, isentando os usuários de pagamento pelo serviço prestado, apontaram inúmeras vantagens.

Destacam-se um aumento expressivo de novos usuários, que foram às compras em regiões centrais, gerando novos empregos graças à dinamização do comércio local. E, adicionalmente, a redução dos níveis de poluição, uma vez que os novos usuários deixaram seus automóveis em casa.

Ao adotar o transporte público gratuito, os governos buscam alcançar a igualdade social, a melhoria da qualidade de vida e da saúde da população, bem como reduzir as consequências adversas provenientes dos extremos climáticos. Extremos esses que, como vimos recentemente, com a tempestade que ocorreu semana passada nos Estados Unidos, matou dezenas de americanos em curto espaço de tempo.

Sustentabilidade

No Brasil, quem tem automóvel utiliza necessariamente uma infraestrutura pública e ocupa muito mais espaço urbano do que os pedestres, ciclistas e demais usuários juntos. Estudos realizados pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos apontam que 60% do sistema viário são ocupados por carros particulares, que transportam 20% da população. E apenas 25% pelo transporte público, que carrega 70% dos usuários.

O Brasil não tem planejamento em infraestrutura de transporte

Hoje, o montante de recursos que o país tem investido (o “estoque de capital”) em infraestrutura nessa categoria chega a 12% do PIB, menos da metade do que precisaria: 26%. É o pior déficit registrado pelo levantamento. Isso coloca o Brasil na última posição entre os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

É imprescindível que sejam criadas matrizes nacionais no modal de transportes no país, uma forma de dinamizar o processo e diminuir os desvios, por exemplo. E o projeto executivo deveria ser elaborado antes da licitação. De acordo com especialistas em certames na área, essa mudança resolveria uma das nossas grandes mazelas ligadas à corrupção: Brasil é o país dos aditivos, ninguém quer saber o detalhamento do projeto.

Os brasileiros entram às cegas na concorrência ou licitação e, depois, quando vão desenvolver o projeto executivo, enfrentam dificuldades e precisam ficar aditivando os orçamentos. Na China, por exemplo, do pré-projeto ao início da operação de um sistema sobre trilhos, gastam-se 60% do tempo planejando e 40% realizando a obra.

No Brasil, apenas 20% do prazo são dedicados ao planejamento e os 80% restantes são para a execução do projeto. Nós, brasileiros, não planejamos, vivemos de surpresa. Os chineses evitam enfrentar estes problemas no decorrer do empreendimento.

De acordo com a consultoria Oliver Wyman, um dos caminhos seria criar condições para que o setor privado possa participar mais dos projetos, melhorando o ambiente de negócios e as possibilidades de financiamento.

No contexto regulatório, o levantamento destaca quatro pontos críticos: o modelo de contratação; o licenciamento socioambiental; o papel das agências reguladoras; e a responsabilização civil dos servidores públicos, que são desincentivados a tomar decisões. Isso porque, em caso de problemas com a Justiça, muitas vezes o ônus recai sobre eles e não sobre o governo.

Outro ponto ainda seria diversificar os instrumentos financeiros voltados para a infraestrutura, com maior participação do mercado de capitais, para elevar o volume de recursos disponível para os projetos.

A Associação Brasileira de Downstream (ABD) relata que cada modal tem seu espaço na logística de suprimento de combustíveis no país – não são excludentes – e todos carecem de investimentos para melhoria da sua competitividade. Prioritariamente, são necessários investimentos na infraestrutura portuária (berços de atracação, sistemas de recebimento e armazenagem) e de internalização de produtos, especialmente as ferrovias, segundo Mastella.

Mas não se pode ignorar que o modal rodoviário continuará tendo um papel relevante, e investimentos na melhoria das estradas são fundamentais. A infraestrutura de transporte do Brasil deve estar preparada com a crescente demanda do setor – e no pós-pandemia – para se evitar um apagão logístico e no transporte público.

Alisson Luiz Micoski, advogado e presidente da Associação dos Usuários das Rodovias do Estado de Santa Catarina (AURESC).

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