Marcus André Melo: Partidocracia sem partidos?

Partido multimilionários, fortes no Congresso, mas que não importam para os eleitores

A pesquisa Eseb 2010/Unicamp/Michigan University pediu aos entrevistados do estado de São Paulo para analisar a afirmação “Alckmin é filiado ao PTB”. 56% deles afirmaram que não sabiam, enquanto 12% responderam que sim. O ESEB 2018 não replica a questão. Sim, é surpreendente que quase 70% dos eleitores paulistas não soubessem a afiliação partidária do governador recém-eleito. E mais: na esteira da eleição presidencial fortemente polarizada de 2006, na qual ele disputou a Presidência, obtendo 52% dos votos no estado.

A pergunta foi feita em um contexto em que pesquisa comparativa (Shane and Thornton 2018) conclui que o partidarismo teria adquirido máxima saliência na opinião pública no período imediato após eleições.

O quadro mais amplo revela também desconhecimento político generalizado. No ESEB 2018, 42% não sabiam “o que é democracia?”, em resposta livre; 1 em cada 5 não sabia se o Brasil “havia se tornado mais ou menos democrático”; dentre os que responderam sim, 57% não sabiam porque o país havia se tornado mais democrático.

À pergunta “o sr (a) se considera próximo a algum partido político”, 83% responderam que não; 4% são afiliados a partidos. O partido ao qual o respondente “se sentia mais próximo” (PT), correspondia a apenas 10% do total. 46% afirmaram existir “um partido que não gosta”. Nesse grupo, o PT foi marcado por 27% do total. No entanto, 1/5 dos respondentes classificou o PT como de direita ou extrema-direita (nota acima de 7 numa escala de 0 a 10).

O nível de conhecimento médio dos eleitores é baixo mesmo nas democracias maduras. Mas entre nós é impressionante. O conhecimento sobre esquerda ou direita é função da importância dessa distinção para as políticas públicas implementadas, como mostrou Fortunato et al, em estudo com 18 países e 57 eleições. Hiperfragmentação partidária e governos de coalizões hiperdimensionadas exacerbam problemas crônicos de desconhecimento e também de clareza de responsabilidade dos governantes.

A escassa identificação partidária produz paradoxos: em Pernambuco, estado onde Lula conta com o maior apoio (78%), a bancada de seu partido tem dois representantes (8% do total), uma das quais (Marília Arraes) acaba de sair. Ainda mais paradoxal: o presidente da República foi eleito por um micropartido, desfiliou-se e volta a ingressar em nova agremiação de forma ad hoc para as próximas eleições.

O hiato partido/candidato é indicador da fragilidade do sistema representativo. Temos uma partidocracia inédita: partidos multimilionários, fortes no Congresso, mas que não importam para os eleitores. (Folha de S. Paulo – 28/03/2022)

Marcus André Melo, Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA)

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