Luiz Carlos Azedo: Acidente no metrô paulista não feriu ninguém, exceto a candidatura de Doria

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

A estrada que liga São Paulo ao Palácio do Planalto é tortuosa e cheia de obstáculos. Para o governador tucano João Doria, os problemas começaram na Marginal Tietê, onde um acidente supostamente provocado pelo “tatuzão” das obras do metrô abriu uma enorme cratera, ao romper uma galeria de esgoto ao lado do poço de ventilação construído entre as futuras estações de Santa Marina e Freguesia do Ó.

Não houve feridos, mas as obras foram interrompidas, o esgoto invadiu o túnel do metrô, o equipamento de escavação foi seriamente danificado e a marginal acabou bloqueada, no sentido Ayrton Sena. Segundo o secretário dos Transportes Metropolitanos, Paulo José Galli, a galeria de esgoto que passava 3 metros acima do “tatuzão” se rompeu e a pista desmoronou, por volta das 9h de ontem. O presidente Jair Bolsonaro, que na véspera havia visitado Franco da Rocha, ironizou a situação: “Semana que vem a gente conclui a transposição do São Francisco. Em São Paulo, eu vi a transposição do Tietê”, afirmou à saída do Palácio do Alvorada, ontem.

O acidente é tudo o que Doria não precisava num momento delicado de sua pré-candidatura. O governador tucano está sendo pressionado pelos correligionários a deixar o Palácio Bandeirantes mais cedo e andar pelo país, mas não haveria momento pior do que esse para se desincompatibilizar do cargo.

Nas últimas 24 horas, a variante ômicron registrou 17 mil casos e 209 mortes em São Paulo. Vencer a nova onda, vacinando as crianças paulistas, continua sendo um grande ativo eleitoral para Doria, mas isso ainda está distante.

A nova onda de covid-19 é uma externalidade negativa. O acidente do Metrô, não — esse é um problema de sua administração. Deixar o cargo com as obras interrompidas, em vez de inaugurar duas novas estações do metrô num dos bairros mais icônicos de São Paulo, não rende um bom card de campanha, mas “memes” negativos nas redes sociais.

Não houve feridos, mas as obras foram interrompidas, o equipamento de escavação foi seriamente danificado e a marginal acabou bloqueada, no sentido Ayrton Sena. Segundo o secretário dos Transportes Metropolitanos, Paulo José Galli, a galeria de esgoto que passava 3 metros acima do “tatuzão” se rompeu e a pista desmoronou, por volta das 9h de ontem. O presidente Jair Bolsonaro, que na véspera havia visitado Franco da Rocha, ironizou a situação: “Semana que vem a gente conclui a transposição do São Francisco. Em São Paulo, eu vi a transposição do Tietê”, afirmou à saída do Palácio do Alvorada, ontem.

O acidente é tudo o que Doria não precisava num momento delicado de sua pré-candidatura. O governador tucano está sendo pressionado pelos correligionários a deixar o Palácio Bandeirantes mais cedo e andar pelo país, mas não haveria momento pior do que esse para se desincompatibilizar do cargo.

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A nova onda de covid-19 é uma externalidade negativa. O acidente do Metrô, não — esse é um problema de sua administração. Deixar o cargo com as obras interrompidas, em vez de inaugurar duas novas estações do metrô num dos bairros mais icônicos de São Paulo, não rende um bom card de campanha, mas “memes” negativos nas redes sociais.

Como sempre faz, Doria não fugiu do assunto. Em entrevista, anunciou que a empresa responsável pela obra, a Acciona, terá que arcar com os prejuízos e reiniciar os trabalhos de construção das novas estações o mais rápido possível

Federações

Antes que o acidente contaminasse o noticiário político sobre a candidatura de Doria, a cúpula do PSDB criou um fato novo para compensar o desgaste momentâneo da não aprovação do indicativo de federação pela Executiva do Cidadania, na terça-feira. Bruno Araujo, presidente do partido, anunciou entendimentos com o MDB para formar uma federação que envolveria os três legendas, na linha de articulação de um bloco partidário capaz de pôr de pé a chamada terceira via.

Não é uma tarefa fácil, porque o acordo envolveria mais dois pré-candidatos à Presidência, Alessando Vieira (Cidadania) e Simone Tebet (MDB), e administrar um complexo xadrez eleitoral nos estados. O problema da precedência dos governadores que correrão à reeleição e dos senadores que pretendem disputar governos estaduais está instalado em muitos estados, além da delicada engenharia de formação de chapas proporcionais, nas quais os candidatos de ambos os partidos possam ser competitivos.

Nos três partidos, há resistências regionais robustas, que precisariam ser vencidas com muita negociação para evitar rupturas. A ênfase de Doria na articulação de uma grande coalizão política de centro, por meio da formação de federações, é uma resposta também às tentativas de “cristianização” de sua candidatura.

O deputado Aécio Neves (PSDB-MG) não esconde de ninguém o desejo de que Doria desista de concorrer à Presidência. Alega que o pré-candidato tucano não emplacou, devido aos persistentes 2% nas pesquisas de intenção de voto. Líderes tucanos como os senadores Tasso Jereissati (CE) e José Aníbal (SP), apoiam a candidatura de Simone Tebet. Uma ala do MDB deseja embarcar na candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A formação da federação com o MDB, anunciada por Bruno, por hora, é um bom factoide eleitoral. Se vingar, porém, será uma proeza política.

Congresso

O Congresso retomou os trabalhos, ontem, em solenidade que contou a participação de Bolsonaro e do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux. Em sua mensagem na reabertura do ano legislativo, o presidente pediu que os parlamentares aprovem a reforma tributária. “Diversos projetos legislativos merecem atenção e análise do Congresso Nacional, neste ano de 2022, para a consecução dos programas e das políticas públicas em curso. Aqui, destacamos o da Portabilidade da Conta de Luz, o do Novo Marco Legal das Garantias e o da Reforma Tributária”, disse.

Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) defendeu a ciência e as vacinas e classificou como “um desafio” a defesa da democracia no ano eleitoral de 2022. (Correio Braziliense – 03/02/2022)

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‘Edição nacional’ dá forma a um ‘novo’ Gramsci

“Edição nacional” dá forma a um “novo” GramsciO século XXI parece demandar uma recepção mais complexa e sofisticada de Gramsci e, nesse sentido, dispensa tanto a fórmula “canônica” em seu tratamento quanto um relativismo interpretativo inconsequente.No campo das ciências sociais, Antonio Gramsci talvez seja o autor italiano mais traduzido no Brasil. Um autor sui generis já que, em vida, nunca publicou um livro e seus escritos foram, por escolha dos seus editores, publicados primeiramente a partir dos grandes temas que se entrecruzavam nos cadernos escritos na prisão, para só depois ganharem uma “edição crítica” que se esmerou em acompanhar a cronologia da escritura gramsciana durante seu encarceramento. Referimo-nos aqui à “edição temática” coordenada por Felice Platone e Palmiro Togliatti, publicada entre 1948 e 1951, e à “edição crítica” dos Cadernos do Cárcere, de 1975, coordenada por Valentino Gerratana.1Atualmente, os Cadernos do Cárcere, somados a textos escritos para jornal, cartas (de Gramsci e dos seus interlocutores) e traduções, compõem o escopo da denominada “Edição nacional”, cujo primeiro volume veio à luz em 2007 e já conta com 9 volumes publicados na Itália. A “Edição nacional”, coordenada pela Fondazione Istituto Gramsci e publicada pelo Istituto della Enciclopedia Italiana – Edizione Treccani –, está projetada em quatro seções, a saber: 1. Scritti (1910-1926); 2. Epistolario (cartas anteriores e posteriores à prisão); 3. Quaderni del carcere (nova edição crítica e integral); 4. Documenti (dedicado à atividade político-partidária).2Com a difusão dos seus escritos, inicialmente, Gramsci foi visto tanto como o “teórico da cultura nacional-popular” quanto um formulador “da revolução nos países avançados do capitalismo”, de cuja obra se extraíram conceitos que o tornaram um pensador assimilado em grande escala. Ao longo de décadas, Gramsci foi utilizado de maneira ampliada e, no mais das vezes, buscou-se, a partir dele, difundir algumas fórmulas desvinculadas do seu contexto de enunciação. Inevitável que tivesse ocorrido tanto um processo de instrumentalização — no PCI, Gramsci assumiu a figura de um formulador ortodoxo e também a de um precursor do “eurocomunismo” — quanto de diluição e empastelamento do seu pensamento, sendo muitas vezes citado por opositores declarados às suas aspirações políticas de emancipação dos subalternos. Por esses descaminhos, diluiu-se a riqueza do seu pensamento, o que parece estar sendo recuperado, como a sua complexa leitura do nacional a partir de um “cosmopolitismo de novo tipo”3 ou sua aspiração por um “comunismo como sinônimo de igualdade e democracia”.4Olhando essa trajetória de recepção e assimilação, pode-se dizer que Gramsci chegou a um patamar de utilização que passou a exigir um novo tratamento, que desmontasse mitos, simplificações e falsificações, e pudesse resgatar Gramsci como uma obra que se confunde com sua vida, contextualizada nos conflitos e transformações daqueles anos febris que marcaram o alvorecer do século XX.Esse espírito marca uma reviravolta nos estudos gramscinos nas últimas décadas que, em primeiro plano, buscou estabelecer uma leitura filológica dos seus textos com o intuito de dar uma compreensão mais refinada dos seus conceitos em compasso com sua escritura, ou seja, capturando o “ritmo do pensamento”.5 Em paralelo, a partir de uma perspectiva analítica centrada na “historização integral”, foi possível pensar, de maneira articulada e contextualizada historicamente, as vicissitudes da sua trajetória pessoal e da sua reflexão teórica, permitindo que se pudesse compreender melhor os dramas individuais e os dilemas políticos daquele prisioneiro especial do fascismo. Muito desse movimento renovador se alicerçou no trabalho desenvolvido pela Fondazione Gramsci de Roma por meio de pesquisas inovadoras, seminários regulares difundidos em publicações coletivas e iniciativas intelectuais que articulavam o diálogo entre estudiosos e pesquisadores dos escritos de Gramsci ao redor do mundo.6Com o trabalho de pesquisa ensejado na propositura da “Edição nacional” e em função das pesquisas desenvolvidas de identificação e reorganização do que Gramsci escreveu, passou a haver um significativo movimento de reavaliação e revigoramento do seu pensamento. Diversas publicações de estudos sobre sua vida e seu pensamento têm vindo a público, particularmente na Itália — mas não só —, que, além de questionarem diversas formas pelas quais Gramsci havia sido assimilado e utilizado, propõem uma revisão de muitas dessas interpretações e sugerem o que vem sendo chamado de um “novo” Gramsci.De acordo com Gianni Francioni e Francesco Giasi, a ênfase dessa caracterização não está no conteúdo, mas no reconhecimento de que “um novo Gramsci ganha forma graças a um complexo trabalho coletivo que conta com a participação de estudiosos de diferentes gerações, com diferentes formações e perfis, com maturações diversas, no campo dos estudos históricos e filosóficos, unidos por pesquisas específicas e continuadas”.7De imediato, esse reconhecimento sugere um questionamento inevitável à equivocada visão de alguns anos atrás de que Gramsci havia deixado de ser lido e estudado na Itália em detrimento do crescimento da investigação sobre Gramsci por parte de pesquisadores não italianos. Outra ideia que deverá ser questionada em breve é a de se supor que a “Edição nacional”, com seus portentosos volumes — que muito dificilmente serão traduzidos em sua totalidade em outros países —, diminuirá a pesquisa sobre Gramsci ao redor do mundo. Sì e no, efetivamente, essa é uma questão em aberto.Em suma, esse “novo Gramsci” obedece mais ao clima do tempo, mais plural e dialogante, do que aquele do status de referencial predominante de um campo político-ideológico, vinculado a um partido, ou então, o seu inverso, como na fabulação de um “outro Gramsci” que se opõe à imagem que, em particular, o PCI, atribuiu a dele. O século XXI parece demandar uma recepção mais complexa e sofisticada de Gramsci e, nesse sentido, dispensa tanto a fórmula “canônica” de tratamento do nosso autor quanto um relativismo interpretativo inconsequente; e repele, mais ainda, a leitura essencialista, antitética e tresloucada promovida pela extrema-direita, à la Olavo de Carvalho8, que deforma tudo e promove somente ignorância.Esse “novo Gramsci”, muito mais fiel à sua trajetória de vida e à complexidade do seu pensamento, permanece convocando seus leitores e estudiosos a se esforçarem no sentido de contribuírem com a discussão dos dilemas políticos da contemporaneidade, notadamente por meio das temáticas da interdependência e do cosmopolitismo, dois temas caros a ele e vetores essenciais para o enfrentamento dos desafios deste “mundo grande e terrível”… e “complicado”, que ele já divisara no seu tempo, um século atrás. (Estado da Arte/O Estado de S. Paulo - 09/10/2024 - https://estadodaarte.estadao.com.br/filosofia/edicao-nacional-da-forma-a-um-novo-gramsci/)Notas:1. A “edição temática” foi quase integralmente publicada no Brasil na década de 1960 pela editora Civilização Brasileira. A partir de 1999, tendo como editores Carlos Nelson Coutinho, Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira, a mesma editora publicaria uma versão dos Cadernos do Cárcere que mescla a “edição temática” com a “edição crítica”. ↩︎ 2. Em maio de 2024, foi lançado Scritti 1918, organizado por Leonardo Rapone e Maria Luisa Righi, o último volume até agora publicado da “Edição nacional”. ↩︎ 3. IZZO, Francesca. Il moderno Principe di Gramsci – cosmopolitismo e Stato nacionale nei Quaderni del carcere. Roma: Carocci, 2021(uma versão em português está no prelo pela Editora da Unicamp & FAP). ↩︎ 4. DESCENDRE, Romain & ZANCARINI, Jean-Claude. L’oeuvre-vie d’Antonio Gramsci. Paris: La Dècouverte, 2023, p. 13. ↩︎ 5. COSPITO, Giuseppe. Il ritmo del pensiero – per una lettura diacronica dei “Quaderni del carcere” di Antonio Gramsci. Napoli:Bibliopolis, 2011. ↩︎ 6. A título ilustrativo podemos mencionar: Giuseppe Vacca, Vida e pensamento de Antonio Gramsci – 1926/1937 (Contraponto/FAP, 2012); Leonardo Rapone, O jovem Gramsci – cinco anos que parecem séculos – 1914-1919 (Contraponto/FAP, 2014); Aberto Aggio, Luiz Sérgio Henriques & Giuseppe Vacca (orgs), Gramsci no seu tempo (Contaponto/FAP, 2009; 2ª. ed. 2019); Fabio Frosini & Francesco Giasi (orgs), Egemonia e modernità – Gramsci in Italia e nella cultura Internazionale (Viella, 2019). ↩︎ 7. FRANCIONI, F. & GIASI, F. Un nuovo Gramsci – biografia, temi, interpretazioni. Roma: Viella, 2020, p. 12. ↩︎ 8. OLIVEIRA, Marcus Vinícius Furtado da Silva. “Gramsci no jardim das aflições”. In: Anais do VIII Encontro de pesquisa em história da UFMG. Belo Horizonte: UFMG, 2019. ↩︎

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