Marcus André Melo: Presidente ‘anormal’, instituições imperfeitas?

A volta do pessimismo na ciência política brasileira

Barry Ames, um dos maiores comparativistas da ciência política atual, fez o mais contundente diagnóstico sobre nossas instituições políticas. Mesmo lideranças hábeis e de grande competência não resistem a sua disfuncionalidade. Ames cita o historiador marxista britânico Perry Anderson, para quem FHC “podia ser considerado o chefe de Estado intelectualmente mais preparado da atualidade”, e, em 2001, se perguntava: “Imagine-se o que teria de enfrentar um presidente mais ‘normal’?”.

Ames referia-se a malogros na área da educação, previdência social e tributação, que não se deveram à resistência programática da oposição, e tinham apoio nominalmente majoritário. Pesquisando o Brasil, desde a década de 70, foi pioneiro em utilizar métodos quantitativos para investigar o sistema partidário, regras eleitorais e o Orçamento.

Para Ames, as relações Executivo-Legislativo eram marcadas por jogos de patronagem; o sistema partidário, fragmentado e hiperlocalista. O resultado era uma democracia travada e ingovernável do ponto de vista fiscal. A conclusão gerou críticas robustas. O debate reatualiza-se.

Mas sua pergunta retórica, em 2001, é crucial no momento em que o ocupante da Presidência é o mais despreparado ou “anormal” da nossa história. Teríamos então uma mistura explosiva: líder inepto e instituições defeituosas.

Mais tarde, em 2013, Ames reconheceu a governabilidade não antecipada alcançada nos governos FHC e Lula e introduziu uma qualificação na análise: “O sistema político brasileiro funciona melhor quando a esquerda está no poder: porque a direita tem pouca coerência ideológica e pode ser facilmente comprada”. E concluía no texto da apresentação do livro “Making Brazil Work” que publiquei com Carlos Pereira: “Só o tempo dirá se as instituições funcionarão tão bem quando uma oposição de centro esquerda for mais ideológica e disciplinada”.

Sim, sob um governo radical de direita, o rio também correu para o seu leito institucional, e ao fim e ao cabo forjou-se uma maioria parlamentar inorgânica de apoio ao Executivo, ator central do nosso sistema; inepto, sem capacidade de coordenação, e o sistema degenerou em um padrão opaco e sem controle, que ameaça a sustentabilidade fiscal. E como mostramos em nosso livro as instituições de controle latu senso que começavam a mitigar as patologias das relações Executivo-Legislativo se enfraqueceram.

É claro que a questão da capacidade de o Executivo aprovar sua agenda não se confunde com a capacidade de o sistema político produzir decisões eficientes que garantam ganhos coletivos, o que requer visão e coordenação. Mas aquela é precondição desta última. (Folha de S. Paulo – 31/01/2022)

Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA)

Leia também

Lula rouba a cena e faz do 1º de Maio um palanque eleitoral

NAS ENTRELINHASAs centrais sindicais nem se deram conta dos...

O padrão a ser buscado

É preciso ampliar e replicar o sucesso das escolas...

Parados no tempo

Não avançaremos se a lógica política continuar a ser...

Vamos valorizar a sociedade civil

Os recentes cortes promovidos pelo Governo Federal, atingindo em...

Petrobrás na contramão do futuro do planeta

Na contramão do compromisso firmado pelo Brasil na COP...

Informativo

Receba as notícias do Cidadania no seu celular!