Celso Ming: Cúpula do clima enfrenta obstáculos não resolvidos

Às vésperas da COP 26 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas), as principais lideranças mundiais trabalham para garantir que os países se comprometam com metas mais ambiciosas para reduzir as suas emissões ainda nesta década e promovam severas mudanças nas suas matrizes energéticas de modo a capacitá-las a desacelerar o aquecimento do planeta. Mas há sérios obstáculos que conspiram até mesmo para a realização dessa Cúpula na data prevista, de 1º a 12 de novembro, em Glasgow, na Escócia.

Em discurso na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) na última terça-feira, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, declarou que combater a crise climática é uma das prioridades do seu governo. Durante os quatro anos anteriores, o governo Trump manteve postura negacionista, chegando inclusive a retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris, de 2015. Biden mudou esse jogo e recolocou seu país como protagonista da geopolítica ambiental.
Em abril, o presidente dos Estados Unidos anunciou que, até 2030, o país cortará pela metade as emissões de gases causadores de efeito estufa.

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU em relatório divulgado em agosto, concluiu que, em 2030, uma década antes do previsto anteriormente, a Terra apresentará aquecimento de 1,5°C acima do nível que preexistia à Revolução Industrial.

Até o momento, a média da temperatura global média avançou 1,2°C desde o início da era industrial. Esse aquecimento é fator que explica a maior intensidade de enchentes, tornados, incêndios florestais, secas, elevação do nível do mar e grandes ondas de calor.

O evento reunirá chefes de Estado e de governo de mais de 190 países. A agenda prevê a divulgação de novas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês) para combater as alterações no clima. Mas a realização do evento enfrenta problemas ainda não resolvidos. A pandemia é um deles. O ritmo desigual de vacinação põe em risco a participação de muitas delegações, o que, por si só, deixa claro que muitos países não estão sequer em condições de negociar condições e de assumir compromissos.

Entidades ambientalistas pedem o adiamento para um momento em que as delegações estrangeiras puderem entrar livremente no Reino Unido e em que os países pobres tenham suas populações imunizadas contra a covid-19 e puderem dar prioridade às metas ambientais. Grande número de países da África e da América do Sul integra a “lista vermelha” do governo britânico e seus cidadãos são obrigados a observar quarentena antes de entrar em seu território, mesmo quando já vacinados.

Houve quem sugerisse que parte das delegações participasse das reuniões por meio de conexões digitais. É uma ideia cuja realização esbarra não só em questões de fuso horário, como, também, de precariedade da sua infraestrutura tecnológica em muitos países.

Para Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, a questão principal da COP – e o que determinará se a conferência cumpriu ou não seu objetivo – será o quanto os grandes poluidores serão capazes de se comprometer com zerar as suas emissões e de adotar políticas sustentáveis mais firmes.

“Acabamos de vir de divulgação do IPCC avisando que a situação é dramática e que precisa ser revertida. Mas isso só acontecerá com o cumprimento de metas ambiciosas. Se ficarmos apenas nas promessas feitas, descambaremos para o pior cenário – que é de extinção em massa, prejuízos exorbitantes, aquecimento de 4ºC até o ano 2100”, explica Astrini.

Outra questão não resolvida: a de como será o financiamento das políticas a serem adotadas pelos países mais vulneráveis. Desde 2009, os países ricos prometeram o Fundo Verde do Clima, de US$ 100 bilhões ao ano, a partir de 2020. Mas essa pauta não consegue avançar tanto por insuficiência de recursos quanto por falta de definição sobre como os aportes funcionarão.

E há a questão do mercado global de carbono. O Artigo 6º do Acordo de Paris trata da regulação desse mercado, com mecanismos que permitiriam países compensar suas emissões comprando créditos de carbono.

Alguns países não vão conseguir neutralizar suas emissões ou diminuí-las drasticamente se não puderem comprar créditos de carbono, porque o custo de diminuir as emissões é alto ou porque as tecnologias disponíveis para isso, às vezes, não se encaixam no tempo necessário. Mas a pauta também não avança.

E é preciso garantir, também, que sejam criadas políticas ambientais globalmente integradas, como aponta Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), que acredita ainda que a Cúpula precisa avançar nas discussões sobre as emissões naturais.

Toda conta referente ao aquecimento global feita hoje se baseia nas emissões provocadas pela ação humana, mas com o aumento da temperatura global, o derretimento do permafrost, por exemplo, libera gases causadores do efeito estufa, como o metano, que além de contaminar a atmosfera também contamina os oceanos.

“Esse elemento pode ser uma bomba no fim do pavio que estamos acendendo, porque o fenômeno de derretimento de diversas áreas glaciais passadas contribui para a aceleração do aquecimento e ameaça a própria civilização”, diz. (Com Pablo Santana/O Estado de S. Paulo – 24/09/2021)

CELSO MING, COMENTARISTA DE ECONOMIA

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