Luiz Carlos Azedo: A política de Huck

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE/ESTADO DE MINAS

A Globo confirmou: contratou Luciano Huck para assumir um programa aos domingos, no lugar de Fausto Silva, que deixará a emissora no final do ano, após mais de 32 anos de contrato. Com a decisão, foi para a prateleira de possibilidades futuras, mas muito futuras mesmo, a hipótese de o apresentador do Caldeirão concorrer ao cargo de presidente da República. No programa Conversa com Bial, veio a confirmação do que já se sabia nos bastidores. Na política, somente alguns entusiastas da candidatura do apresentador ainda mantinham alguma esperança de que aceitasse o desafio político. Entretanto, todas as pesquisas e o valor milionário do contrato com a emissora desencorajaram essa opção.

No documentário 2021: O Ano Que Não Começou, que é exibido na Globoplay, Huck revela o outro lado do seu talento como homem de comunicação, ao entrevistar diversas personalidades e estudiosos acerca do que será o mundo pós-pandemia, suas mudanças e os impactos que atingirão a cada um de nós. É um desfile de gente importante para a sociedade: Rutger Bregman, historiador e autor do best-seller Utopia Para Realistas; Thomas Friedman, vencedor de três prêmios Pulitzer e colunista do jornal The New York Times; Yuval Harari, professor de história e autor do best-seller internacional Sapiens; e Preto Zezé, presidente da Central Única das Favelas (CUFA).

Nesse período em que andou costeando o alambrado da política propriamente dita, como diria o falecido governador Leonel Brizola, Huck escreveu o livro De Porta em Porta, que está saindo do prelo. “Estou há 21 anos, literalmente, rodando o país inteiro por causa do Caldeirão do Huck e isso me colocou diante de uma realidade muito forte, que é a realidade deste país. A televisão me proporcionou conhecer o país de um jeito muito profundo”, expli- cou a Bial. Com certeza, o Huck de domingo será diferente daquele que conhecemos nas tardes de sábado. Não apenas por se tratar de outro público e outro conceito, mas porque o homem também mudou: “Pode parecer, nos meus programas, que eu estava impactando a vida das pessoas, mas eu posso garantir que o rio corre na direção oposta. O impactado fui eu, eu me transformei”, garante.

Esfera pública

Chegamos ao que mais interessa. Há muito tempo a política deixou ser monopólio dos políticos, militares e diplomatas. Recentemente, por exemplo, falamos aqui da importância da burocracia como fiadora da legitimidade dos meios utilizados na política. Numa ordem democrática, os burocratas de carreira zelam pela ética da responsabilidade, em contraponto aos políticos, que se movem pela ética das convicções. No âmbito da sociedade civil, também têm papéis fundamentais suas organizações sociais, como as- sociações e sindicatos. Mas existe uma política dos cidadãos, que emergiu com muita força em razão das redes sociais e, no caso brasileiro, após 2013, foi protagonizada por movimentos cívicos, personalidades e algumas celebridades.

A ideia da política como prisioneira do mundo dos profissionais, impossibilitando, assim, sua valorização como atividade de todos, é profundamente conservadora e nefasta para a democracia brasileira, sendo irmã gêmea das tendências ideológicas que alimentam radicalismos antissistema. Reforça uma característica da nossa história: a hegemonia conservadora na conciliação pelo alto, que favorece as forças retrógradas nos processos de modernização, concentrando riqueza e aprofundando as desigualdades sociais.

O Brasil já perdeu muitas oportunidades. Do ponto de vista político, a maior delas talvez seja não ter constituído uma esfera pública robusta o suficiente para se contrapor ao Estado em seus arreganhos autoritários, exceto nos processos eleitorais. De certa forma, a esquerda no poder, ao cooptar as agências da sociedade civil, acabou colaborando para isso. Agora, estamos diante de uma situação muito grave, em que o presidente Jair Bolsonaro tenta impor suas ideias negacionistas e autoritárias por meio dos instrumentos de Estado, em franca oposição à ordem institucional democrática estabelecida pela Constituição de 1988.

É nesse contexto que metamorfose de Huck é importante. Ao flertar com a política profissional e ensaiar a constituição de uma alternativa de poder, adquiriu um status político diferenciado como profissional de comunicação, que o transforma num ator muito importante na vida nacional, no papel de eloquente porta-voz da política dos cidadãos. (Correio Braziliense – 16/06/2021)

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