Luiz Carlos Azedo: A âncora da estabilidade

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

Foi um dia de muito nervosismo no mercado e no Palácio do Planalto, a ponto de o presidente Jair Bolsonaro ter de chamar uma reunião de ministros e parlamentares de sua base, com o ministro da Economia, Paulo Guedes, em razão da péssima repercussão da saída de dois integrantes da equipe econômica, que jogaram a toalha devido à falta de compromisso do governo com a reforma administrativa e as privatizações. Os secretários especiais de Desestatização e Privatização, Salim Mattar, e de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Paulo Uebel, pediram demissão na terça-feira, o que pegou Guedes de surpresa. O ministro abriu o jogo para opinião pública: há uma “debandada” na equipe, por causa dos rumos do governo.

Guedes não escondeu seu desconforto e revelou a crise interna do governo na terça-feira, após uma reunião com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), hoje o seu principal aliado na defesa do chamado “teto de gastos”, que vincula as despesas do Orçamento da União à inflação passada, como uma maneira de conter e reduzir, ao longo do tempo, o deficit fiscal. O que era um deficit previsto de R$ 134 bilhões neste ano, com os gastos decorrentes das medidas emergenciais para enfrentar a pandemia, deve chegar à casa dos R$ 800 bilhões, fazendo a dívida pública se aproximar dos 100% do PIB no fim do ano. Esse é o tamanho do problema. O mercado vê com desconfiança a capacidade de Guedes administrar essa dívida.

Colabora para isso o fato de que outros cinco integrantes da equipe econômica já haviam deixado o governo desde o ano passado: Marcos Cintra (ex-secretário da Receita Federal), Caio Megale (ex-diretor de programas da Secretaria Especial de Fazenda), Mansueto Almeida (ex-secretário do Tesouro Nacional), Rubem Novaes (ex-presidente do Banco do Brasil) e Joaquim Levy (ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, BNDES). Mas nenhum deles tinha a mesma proximidade de Mattar e Uebel com Guedes, com o agravante de que o primeiro é um líder empresarial carismático, cuja saída teve muito mais repercussão no mercado.

Nos bastidores do Ministério da Economia, a avaliação é de que o grupo de executivos e empresários liberais que cercava Guedes não aguentou o giro da moenda da administração pública federal e o jogo bruto de poder na Esplanada dos Ministérios, principalmente com os militares. A saída dos dois auxiliares e amigos deixou Guedes muito abalado, mas o ministro amanheceu, ontem, disposto a partir para a briga pela manutenção do teto de gastos com seus colegas de Esplanada, aparentemente com a solidariedade do presidente Jair Bolsonaro. A reunião de ontem à tarde, no Palácio do Planalto, com Guedes e seus desafetos na Esplanada, os ministros Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional, que foi seu secretário de Previdência, e o ministro Tarcísio Freitas, da Infraestrutura, foi para Bolsonaro pôr ordem na tropa e começar a negociação da manutenção do teto com o Congresso.

Novo líder

Também participaram do encontro os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP); e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ); os deputados Arthur Lira (PP-AL) e Ricardo Barros (PP-PR), e os senadores Eduardo Gomes (MDB-TO) e Fernando Bezerra (MDB-CE). A novidade foi a presença de Barros, ministro da Saúde no governo Michel Temer, que será o novo líder do governo na Câmara. Bolsonaro trocou o deputado Major Vítor Hugo (PSL-GO), seu fiel escudeiro, por um dos quadros mais importantes do Centrão na Câmara, unificando o grupo, cuja liderança Barros divide com Arthur Lira, o líder da bancada do PP.

Embora a crise tenha sido desanuviada, permanece, porque o cobertor está curto para fazer o que Bolsonaro deseja: aumentar os investimentos com recursos do Tesouro. Na equipe econômica, a avaliação é de que a antecipação da estratégia de reeleição de Bolsonaro está sendo um fator perturbador da política econômica. De certa forma, Guedes também tem culpa nesse cartório: na polêmica reunião ministerial de 22 de abril, foi um que pôs pilha em Bolsonaro, ao vincular o abono emergencial ao projeto eleitoral de 2022. Todo o problema, agora, é o fato de que Bolsonaro já está em campanha.

Há uma conta que não fecha. Guedes não consegue fazer as privatizações, seja porque os militares que comandam as estatais fazem obstrução, seja por falta de investidores, ou as duas coisas. Não faz a reforma administrativa porque Bolsonaro não quer confusão com os servidores públicos. Não consegue aprovar a nova CPMF porque essa sigla é palavrão para a opinião pública e para a maioria do Congresso. Sem reforma administrativa nem aumento de impostos, não tem teto de gastos que resista. (Correio Braziliense – 13/08/2020)

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