Presidente americano vê o sonho da reeleição esvair-se pelas mãos com crescimento de Joe Biden nas pesquisas
Logo após o pleito em que o republicano Donald Trump venceu a eleição presidencial contra Hillary Clinton, em 2016, verificou-se que toda a sua estratégia foi estruturalmente calculada para conquistar o colégio eleitoral – sua única alternativa viável naquela ocasião. O efeito de sua vitória foi acachapante para o partido Democrata, traumático para o establishment washingtoniano e, de quebra, impingiu importantes lições para os analistas políticos.
Cerca de quatro anos depois, o presidente americano vê o sonho da reeleição esvair-se pelas mãos. O inquilino da Casa Branca sabe que será bem difícil reverter a vantagem de seu rival, Joe Biden, no voto popular. E a estratégia que o consagrou na eleição anterior tem tudo para não funcionar no pleito deste ano.
O avanço paulatino do candidato democrata sobre estados vitais do sul e do meio-oeste dos EUA está alterando a geometria política da disputa eleitoral. A campanha de Biden opera em duas frentes sincronicamente: 1) recuperar Wisconsin, Pensilvânia e Michigan, mobilizando a base do partido democrata e os jovens; 2) avançar sobre os estados do sul, expondo a incapacidade de liderança de Trump em momento de grave crise nacional.
A preocupação precípua dos republicanos já não reside na vantagem de dois dígitos que Biden impõe, no momento, sobre Trump, nas pesquisas eleitorais. O presidente americano vê o seu rival avançar em estados decisivos no contexto do colégio eleitoral como, por exemplo, no Texas e na Florida. Um revés nesses dois estados ou até mesmo em apenas um deles, sacramentaria, praticamente, a derrota do presidente americano. O fantasma de 44 anos atrás quando, em 1976, o democrata o Jimmy Carter derrotou o incumbente Gerald Ford, no Texas, ronda a campanha de Trump – a última vez que os democratas venceram no estado.
Como efeito colateral dos resultados atuais – declínio de Trump em importantes estados sulistas -, o marqueteiro da campanha presidencial à reeleição, Brad Parscale, foi implodido a três meses e meio do “dia D” – a eleição ocorrerá no dia 3 de novembro. A vantagem do Biden, no Texas, ainda que seja por uma margem pequena, possui um tremendo efeito psicológico e moral sobre Trump e sua equipe. É como se os democratas estivessem em desvantagem em um estado como a Califórnia, o estado com o maior número de delegados.
O diversionismo ideológico, aplicado como método instrumental para estancar o seu declínio, está levando o inquilino da Casa Branca a empregar como recurso a tática do desespero. Trump optou pelo uso da estratégia do medo ao distorcer, de forma flagrante, o discurso de seu adversário em assuntos candentes como, por exemplo, o tratamento que os EUA deveriam dispensar à temática da imigração e a abordagem que o governo federal deveria adotar em matéria de segurança pública no país.
O tiro no pé na campanha de Trump, nos últimos dias, veio através do vazamento do documento produzido pela força-tarefa da Casa Branca que alertou para o risco de re-aceleração da curva de infectados e de óbitos pela Covid-19, em particular nos estados do sul do país. O mapa e o teor do estudo científico foram omitidos do público, no momento em que o presidente advoga abertamente pela retomada das atividades econômicas e pela reabertura do sistema educacional.
Ademais, a tentativa de retardar repasses financeiros ao Centro para o Controle de Doenças (CDC) e aos estados afetados pela retomada da Covid-19 – com o objetivo de inibir a aplicação dos recursos na implementação da política de testagem do coronavírus – gerou revolta na base do partido republicano e expôs, ainda mais, a fragilidade da liderança do presidente americano e do perverso comportamento de sua administração.
Sob o cenário de re-escalada da pandemia, da grave crise econômica, da infindável tensão racial e da crescente disfuncionalidade governamental, o presidente se coloca a um passo da derrota. Trump caminha para se afundar nos estados que compõem, na verdade, a sua própria base eleitoral. Se essa tendência se confirmar, será uma derrota histórica e com potencial de fazer o pêndulo no partido republicano pender novamente para a ala moderada. (O Estado de S. Paulo – 20/07/2020)
*Hussein Kalout é Cientista Político, Professor de Relações Internacionais e Pesquisador da Universidade Harvard. Foi Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2016-2018). Escreve semanalmente, às segundas-feiras.