Míriam Leitão: Economia e o meio ambiente

O meio ambiente e a economia andam tão juntos que hoje deveria ser também o dia da economia. A reconstrução que se viverá pós-pandemia seria mais eficiente, mais pujante, mais atualizada se o objetivo fosse o de fazer a transição para uma outra forma de se produzir com baixa emissão. Nos últimos dias, para mostrar como os dois temas estão juntos, o parlamento holandês decidiu rejeitar o acordo União Europeia-Mercosul e um grupo de deputados americanos mandou uma carta para o USTR, escritório comercial da Casa Branca, avisando que não é possível sequer começar a negociar um acordo comercial com o Brasil porque a imagem do país, no governo Bolsonaro, está ligada à destruição ambiental e ao desmonte das leis de proteção.

Ricardo Salles faz um papel totalmente avesso ao que deveria fazer como ministro do Meio Ambiente. Foi nomeado como se fosse um cavalo de troia. Sua função é desmontar por dentro o Ministério e ele tem se aplicado em executá-la. Nunca tinha ido à Amazônia quando virou ministro e hoje, um ano e seis meses depois de nomeado, sua maior preocupação é com o seu carro blindado. Ontem, teve que dar marcha à ré e revogar o despacho com o qual ele pretendeu revogar a Lei da Mata Atlântica.

Ele sabia que sua canetada era tão grosseira que acabaria perdendo na ação civil pública que estava na Justiça impetrada pela SOS Mata Atlântica, Associação dos Procuradores do Meio Ambiente e pelo MPF. Por isso, revogou o despacho no qual orientava o Ibama a não seguir a Lei da Mata Atlântica e aplicar no bioma as regras do Código Florestal. A Lei é mais protetiva que o Código, entre outras razões porque esse é um bioma muito ameaçado e o ordenamento foi resultado de duas décadas de negociação no Congresso. Com uma canetada ele tentou desmontar esse arcabouço legal. Exatamente como contou na reunião ministerial que era a oportunidade do momento. Argumenta, em sua defesa, que sempre foi a favor da “desburocratização”. Ora, isso não é desburocratizar, é infringir a lei. Disse que irá agora ao STF para saber se o que vale é o Código ou a Lei. A SOS Mata Atlântica avisou ontem que irá até o Supremo também para defender a integridade da Lei.

A carta dos deputados americanos que integram o Committee on Ways and Means, uma espécie de comissão de revisão orçamentária e tributária, foi dirigida a Robert Lighthizer, do USTR, que, recentemente, após uma conversa telefônica com Ernesto Araújo, falou em “intensificar a parceria econômica” entre os Estados Unidos e o Brasil. Os deputados dizem que fazem “fortes objeções a esse acordo”. Nos parágrafos seguintes eles explicam, em resumo, que o governo Bolsonaro tem feito um desmonte da legislação ambiental no país. Que na campanha disse que faria isso, e após eleito está indo da retórica aos atos. Disseram que não é crível que o Brasil adote os padrões de proteção ambiental e trabalhista exigidos por acordos comerciais, como o que os Estados Unidos têm com o México e o Canadá.

É um comitê dirigido por um democrata, mas isso não atenua o fato de que até nos Estados Unidos, país ao qual a diplomacia brasileira escolheu para ser caudatário, não é possível fazer acordo, diante do imenso retrocesso que o Brasil vive na área ambiental. O único passo que havia sido dado na diplomacia comercial de Bolsonaro, o acordo União Europeia-Mercosul, pode dar para trás exatamente pelo aumento do desmatamento.

Salles criticou, em entrevista ontem, os que, segundo ele, “jogam pedra no Brasil”. Ou seja, ele faz aquela confusão comum em mentes autoritárias entre os atos de uma administração e os interesses do país. Um governo que tem o projeto de reduzir proteção ambiental, que estimula o aumento do desmatamento, provocará prejuízos à nação que vão além do comércio. Vai destruir patrimônio natural, com o impacto em perda de solo e água. Vai provocar o fechamento de mercados, e o país deixará de ser visto como um bom local para investimentos. Hoje, todos os grandes fundos têm regras de compliance com exigências ambientais.

Neste Dia do Meio Ambiente o que há a comemorar é a persistência da sociedade civil em conter as investidas do governo Bolsonaro. O recuo de ontem foi em relação à medida que Salles baixou quando pensava que estava todo mundo distraído —“porque a imprensa só fala de Covid” — para tentar passar a boiada. Não passou. (O Globo – 05/06/2020)

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