Hélio Schwartsman: Crime ou interferência

Mesmo perdido, um presidente tão pequeno promove desgastes institucionais

A PF fez buscas na residência do governador Wilson Witzel porque as suspeitas contra ele são sólidas ou para agradar a Jair Bolsonaro? Não me sinto ainda em condições de cravar nenhuma das opções.

Pandemias são o sonho de consumo dos corruptos. Da noite para o dia, processos licitatórios são dispensados e equipamentos médicos passam a ser disputados ferozmente por vários países, fazendo com que os próprios preços deixem de funcionar como valor de referência. Quanto se pode pagar por um ventilador nessas condições? Seria uma surpresa se as quadrilhas que sempre fraudaram as compras públicas não procurassem tirar vantagem dessa conjuntura.

Witzel está envolvido nisso? Não sei. Mas sei que, assim como ninguém deve ser considerado culpado antes de um julgamento, ninguém deve ser considerado acima de qualquer suspeita e blindado contra investigações —viu, general Heleno?

Isso significa que a operação da PF é legítima? É provável, mas há elementos que fazem soar sinais de alarme, a começar da própria existência de uma enorme polêmica em torno da interferência do presidente sobre a PF. É também estranho que uma deputada bolsonarista tenha praticamente anunciado a operação na véspera de sua realização.

E isso nos leva ao ponto central desta coluna. Muitos temiam que, no poder, Bolsonaro deflagraria um autogolpe. Nunca acreditei muito nisso. Faltam-lhe as condições políticas e a competência para fazê-lo. Raras vezes tivemos um governo tão fraco.

O problema é que, mesmo perdido, dedicando-se a questiúnculas pessoais e dando vazão a manias e paranoias, Bolsonaro promove desgastes institucionais. Sua fixação com a cloroquina minou a respeitabilidade técnica do Ministério da Saúde; suas dedadas na PF fazem com que duvidemos das motivações de uma instituição que vinha ganhando credibilidade. E a lista não acaba aí. É um belo estrago para um presidente tão pequeno. (Folha de S. Paulo – 27/05/2020)

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