Uma crise engole a outra e o governo Bolsonaro para todos não começa
Parece até de propósito, para manter a sociedade em choque permanente. O anômalo, de exceção, tornou-se regra, e a sequência vertiginosa de esquisitices tem sido de tirar o fôlego. Nada a ver com um grande governo de ideias estapafúrdias, mas com uma carnavalesca forma da gestão.
A demissão do secretário da Cultura, da motivação à efetivação, desenvolveu-se de forma não apenas patética, mas sem emoção. Jair Bolsonaro reafirmou, no episódio, como gosta de agir na gestão, admissão, demissão e comando: é o império do aleatório, do errático, do vazio; o novo anormal.
Minutos antes de baixar a forca, o presidente elogia o condenado. Nenhum dos dois, porém, sabe exatamente por que estão naquela situação. O presidente não disse o que era para fazer e o ajudante não contou o que faria. Uma vez feito, se vier a pressão, afasta o indigitado.
As demissões que fez até agora seguiram o rito. De pressões, já há uma tipologia: internacional, família, corporação. Os filhos têm uma arma: exploram as síndromes de perseguição e de traição que acometem o pai.
O presidente nem sequer pode dividir o ônus do erro ou da incompetência. Tanto faz ter um ministro Zé Mané como um Mané Zé, foi ele quem o colocou lá, sem instruções. Quem tem alguma experiência, avança. Por exemplo: pulsam vidas consequentes, no governo Bolsonaro, no Ministério da Economia, no Ministério da Infraestrutura, no conjunto de órgãos de regulação, em especial a Controladoria-Geral da União e a Advocacia-Geral da União. Seus titulares, que transitam em ponte firme com a Secretaria-Geral da Presidência da República, atuam no conjunto do governo, o trabalho aparece.
Ao Brasil não se aplica, porém, o axioma dos desenvolvidos de que, se a economia vai bem, a vida também. A Cultura, a Saúde, a Segurança, a Educação, o Meio Ambiente, a Previdência, o Serviço Público de um modo geral estão exangues.
Os absurdos gritam. Não é aceitável, hoje, qualquer erro de qualquer espécie na aplicação do Enem, mesmo que atinja um só estudante; não é possível ver, sem enjoar, as humilhantes filas da demanda por benefícios do INSS; brasileiros entorpecidos continuam a viver em corredores de hospitais; não foi por acaso que os conceitos, intervenções e decisões presidenciais na área do meio ambiente provocaram a repulsa mundial.
Uma crise engole a outra e o governo para todos não começa. Será normal explodirem sucessivos escândalos de corrupção em volta do gabinete presidencial enquanto Jair Bolsonaro vai desconversando? Pior se for excesso de confiança pela entrega do comando do Ministério da Justiça ao símbolo da caça aos corruptos.
O Ministério da Educação, campeão entre os incluídos no núcleo da afinidade ideológica com o professor direitista Olavo de Carvalho, está soterrado pelo novo anormal. As anomalias, no MEC, já estão superpostas. Quanto mais ineficiente o integrante desse governo, mais exibicionista e performático ele é. As relações exteriores, do mesmo time aludido, têm ido de mal a pior, sob o comando do voluntarismo presidencial ou de seus prepostos diplomáticos.
O Meio Ambiente e a Saúde ficaram fora do domínio das forças retrógradas, nem por isso foram adiante. É absolutamente anormal a marcha a ré da Saúde sob o comando de um deputado do DEM, eleito pelos deputados o melhor ministro do governo. Talvez seja porque é um bom despachante de suas demandas.
Bolsonaro não nota que seu governo é um vazio de ideias. Provavelmente, está começando um segundo ano de mandato com a mesma fórmula: acertos na parceria do Congresso com a Economia para discutir reformas e fracasso garantido no resto.
Mesmo sob pressão, não dá para demitir todo mundo. Ou dá? (O Estado de S. Paulo – 22/01/2020)