Bolsonaro transformou-se em objeto de chacota mundial
Segundo o porta-voz do Palácio do Planalto, a palavra usada na terça-feira pelo presidente da República para se referir à jovem ativista ambiental Greta Thunberg tem significado diferente do entendido pela imprensa. Rêgo Barros disse que “pirralha” significa “criança ou pessoa de pequena estatura”. Muito bem, valendo-se dos sentidos das palavras que estão nos dicionários ou que deles transcendem, pode-se usar o mesmo termo para designar o chefe do porta-voz.
Bolsonaro é um pirralho. Claro que ele não é uma criança, apesar de suas constantes birras e sucessivos beicinhos. Mas trata-se, sim, de uma pessoa de pequena estatura. Segundo o dicionário, a palavra estatura significa altura e porte, ou grandeza e relevância. Obviamente o presidente, a despeito do cargo que ocupa, é uma pessoa que não consegue se destacar pela sua relevância. Ao contrário, em menos de um ano no cargo transformou-se em objeto de chacota mundial.
Sua história parlamentar também retrata o percurso de um pirralho. Ele passou sete mandatos de deputado federal no baixo clero da Câmara. Fora suas grosserias rotineiras, nada do que fez ao longo de 28 anos teve qualquer relevância ou consequência política. Foi um parlamentar de pequena estatura do começo ao fim da sua carreira. Num dos momentos mais cruciais da história nacional, na votação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, foi ao microfone do plenário render elogios a um torturador.
Não vale a pena enumerar os diversos episódios que provam a dimensão do presidente no seu primeiro ano de mandato. Serviria apenas para cansar o leitor. Usando unicamente a agressão à jovem ativista sueca é fácil mostrar como Bolsonaro é pequeno. Greta havia dito que “os povos indígenas estão literalmente sendo assassinados por tentar proteger a floresta do desmatamento ilegal”. E o que ele fez ao ser indagado sobre o episódio, uma vez que Greta se referia a índios guajajaras mortos no Maranhão?
“É impressionante a imprensa dar espaço a uma pirralha dessa aí”, respondeu o presidente do Brasil, com a sua habitual falta de noção.
Ontem, a jovem sueca foi premiada pela revista “Time” como “Personalidade do Ano”, uma das maiores honrarias no mundo político, econômico, científico, esportivo e acadêmico. Antes de saber da distinção dada a Greta, nossa excelência voltou a desqualificá-la em razão da sua idade. Outra vez a chamou de pirralha, repetindo o tirambaço no próprio pé. A revista americana classificou a premiação como “power of youth”, ou poder da juventude, no idioma de Jair Bolsonaro.
Aos 16 anos, Greta Thunberg é a pessoa mais jovem a ganhar a indicação da “Time” desde que o prêmio foi instituído, em 1927. Ela bateu candidatos fortes, muito fortes, como o presidente Donald Trump, a presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi, o dono do Facebook, Mark Zuckerberg, a duquesa de Sussex, Meghan Markle, a primeira negra da família real britânica, os manifestantes de Hong Kong, os curdos da Síria e as artistas e ambientalistas Taylor Swift e Jennifer Lopez.
Não é pouca coisa. A ativista foi laureada um ano e meio depois de iniciar um dos mais importantes movimentos contra o aquecimento global. Ela começou a faltar às aulas das sextas-feiras na sua escola em Estocolmo para solitariamente ir se manifestar em frente ao Parlamento sueco. Sua iniciativa em muito pouco tempo ganhou expressão internacional, culminando com a greve mundial pelo clima que levou quatro milhões de pessoas às ruas em setembro. Foi recebida pelo Papa e fez discurso para chefes de Estado na ONU.
Ao atacar uma personagem global de estatura maior que a sua, tratando-a como se fosse uma criança se metendo em assunto de adultos, Bolsonaro errou feio. Parecia não se dar conta ou não se importar com o fato de Greta estar claramente ao lado do bem, do futuro. Ao tratá-la como pirralha que não merece sua atenção, Bolsonaro posicionou-se do outro lado. E aproveitou para evidenciar mais uma vez qual é o seu patamar. (O Globo – 12/12/2019)