Denis Lerrer Rosenfield: Radicalização

A presidente Dilma foi abandonada pela sociedade. Após se eleger com um discurso completamente ficcional, sem nenhuma relação com a realidade, foi obrigada a desdizer-se, uma vez que o descalabro econômico e social se mostrou em sua nudez. Prometeu uma coisa e fez outra, como se os cidadãos fossem um bando de idiotas, incapazes de discriminar a situação.

O discurso do marketing eleitoral foi substituído por discursos primando pelo caráter desconexo, em que o sujeito e o predicado se entrelaçam de forma aleatória e arbitrária. Se são desconexos, isso se deve à própria desconexão entre o apresentado e o real pelo petismo criado.

A presidente Dilma foi abandonada pelos partidos políticos. Sobraram-lhe só o PT e o PCdoB, além de uns poucos desgarrados em busca de cargos vagos. O mais surpreendente, mesmo para os elásticos padrões da política brasileira, é o fato de os partidos não quererem preencher esses cargos, seja por já darem como favas contadas que o barco naufragou, seja por não acreditarem no que o governo e o PT prometem. Quem já prometeu e não cumpriu não merece nenhum crédito.

O Palácio do Jaburu tornou-se o centro de romarias em Brasília, deputados e políticos afluindo de todos os lados. Continuando assim, não me surpreenderia se até o PT para lá se dirigisse! O diferencial consiste em que o vice-presidente acolhe gentilmente, amigavelmente, os parlamentares, dedicando-lhes tempo e apreço.

Muito provavelmente, a grande maioria desses deputados jamais visitou a presidente no Palácio da Alvorada, nem foi por ela acolhida. A humilhação foi a regra para muitos. Agora, vivem a diferença. A presidente Dilma colhe o fruto de sua arrogância e o PT paga o preço de suas tendências hegemônicas e autoritárias.

Nem o recurso ao ex-presidente Lula produz resultados. Ele ficou na paradoxal situação de articulador político sem poder assumir a Casa Civil. “Ministro” fingindo exercer uma função ministerial. Um vexame!

Muito provavelmente deverá prestar contas à Justiça em futuro imediato. Neste caso, nem ele sobreviverá ao fracasso do governo petista. Seu problema maior, hoje, é a própria sobrevivência. A política surge mesclada a questões criminais.

O que sobrou? O gueto do esquerdismo!

Na ausência de qualquer narrativa crível, a presidente Dilma, Lula e o PT optaram pela radicalização. O Palácio do Planalto, vazio de interlocutores confiáveis e reconhecidos, foi preenchido por grupos de militantes que mais parecem uma horda de bandoleiros.

Um lugar onde se devem respeitar as leis e as instituições é literalmente tomado de assalto por pessoas que prometem violar essas mesmas leis e instituições. A presidente, aliás, fez um juramento de respeito e obediência à Constituição!

Qual é, no entanto, a realidade? Ela aplaudiu os discursos “revolucionários/criminosos”, além de abraçar seus proponentes. Deveriam ter sido expulsos do palácio, mas foram carinhosamente acolhidos. Foi literalmente um abraço de afogados. O pouco apoio que ela ainda usufruía nos meios empresariais foi pelos ares.

Não surpreende, por exemplo, que o Secovi-SP, a Fiesp e a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) tenham aderido corajosamente ao impeachment. O setor agropecuário, em particular, mais que qualquer outro, foi o que sempre viveu na carne, muitas vezes sozinho, a violência e o desrespeito ao direito de propriedade e à Constituição em geral levados a cabo por esses ditos “movimentos sociais”. Conhecem muito bem as consequências práticas desse discurso!

Tal posição esquerdista expressa nada mais do que o bolivarianismo dessa ala do PT e de seus afilhados, financiados, aliás, com dinheiro público, dos contribuintes, como se estes devessem pagar pela violação da Constituição. Até a Unasul, confederação de Estados bolivarianos, que estão levando seus povos à ruína, chegou ao desplante de fazer uma condenação do impeachment da presidente Dilma. Os comparsas continuam irmanados.

O ápice dessa triste encenação consiste no discurso do “golpe”, forma de vitimização, voltada para estabelecer as bases eleitorais do PT na oposição. Trata-se de um discurso de adeus, de reconhecimento envergonhado da derrota iminente.

Todavia os últimos dias foram ainda pródigos em outra insensatez, a de um projeto – provavelmente abortado – de decretação do estado de defesa. Digo provavelmente porque em momentos de crise nunca se sabe o que pode resultar de uma medida desesperada.

Uma vez decretado o estado de defesa, após ouvidos o Conselho da República e o de Defesa Nacional (que não foram até hoje constituídos), a presidente seria dotada de poderes extraordinários, próprios de situação de guerra ou de enorme catástrofe natural. Prisões, violação de correspondência, cerceamento da liberdade de ir e vir, de manifestação ou de imprensa poderiam ser feitos por mera determinação presidencial.

O estado de defesa só poderia ser, portanto, decretado em situação extrema de perturbação da ordem pública. Acontece, porém, que o processo de impeachment vem sendo conduzido na mais perfeita ordem democrática, seguindo a Constituição e as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal concernentes ao seu ritmo.

Logo, o governo petista estaria, na verdade, procurando perturbar a ordem pública, dizendo defendê-la. Uma ordem desse tipo muito provavelmente não seria obedecida pelas autoridades militares, dada a sua flagrante inconstitucionalidade.

O discurso dos esquerdistas/desesperados seria, no entanto, o de que a desobediência militar seria um “golpe”! Os autores do golpe o atribuiriam a outros. A narrativa petista, então, seria salva e o País rumaria para o caos. (O Estado de S. Paulo – 14/10/2019)

DENIS LERRER ROSENFIELD É PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS

Leia também

Juventude do Cidadania avalia 5º Encontro Nacional e define próximos passos

Reunião contou com presença da presidência do partido e...

“Não funcionou”, diz presidente do Cidadania sobre federação com PSDB

Por Breno MorenoCidadeverde.comEm entrevista ao Jornal do Piauí, nesta...

Vereador de Camaquã/RS busca projetos que deram certo em outros municípios

Vereador Gabryell Santos participou de evento em Brasília e...

Informativo

Receba as notícias do Cidadania no seu celular!