MANCHETES
O Globo
Aras afirma que Lava-Jato é marco, mas critica excessos
Entidades vão à Justiça contra derrubada de vetos
Previdência no Senado – Votação adiada pode custar R$ 153 bi à reforma
Campanha anticrime e por popularidade
Laudo: não há como idenfificar arma que matou Ágatha
Flávio agora libera deputados do PSL para ficar no governo Witzel
Nível do mar subirá 1 metro até 2100, alerta cientistas
Um festival de rock e novas oportunidades na economia do estado
O Estado de S. Paulo
Aras é confirmado na PGR e prega correções na Lava Jato
Cresce rejeição à política ambiental, aponta Ibope
Voto de Fachin não ajuda Lula
País cria 121 mil vagas formais em agosto
Suicídio de policiais supera mortes em ação
Universidades federais rejeitam plano do MEC
Cobrança de bagagem em voos é mantida
Diálogo transcrito complica Trump
Folha de S. Paulo
Novo procurador-geral, Aras sugere correções na Lava Jato
Bolsonaro na ONU foi de ‘orgulho’ a ‘bozo’ no Twitter
Principal centro de formação do MST no Nordeste é alvo de despejo
Grupo da Câmara rejeita alívio em punição de excesso policial
Com melhor agosto em seis anos, país gera 121 vagas
Nível do mar sobe 2,5 vezes mais rápido, diz estudo
Projétil que matou Ágatha é de fuzil, conclui perícia
Em campanha na TV, Doria antecipa discurso sobre segurança
Lei de importunação sexual em SP faz 1 ano com 3.000 casos
Flagrada em antidoping, Rafaela Silva perde ouro conquistado no Pan
Transcrição atesta pedido de Trump a ucraniano
Valor Econômico
Banco não repassa a cliente menor taxa Selic da história
No Senado, Aras fala de excessos da Lava-Jato
Construção civil teme tributação maior com IVA
Odebrecht pede concessões a bancos credores
Aliados se afastam de Bolsonaro
Paralelo com Watergate é mau presságio para Trump
EDITORIAIS
O Globo
Derrubada de vetos à Lei do Abuso tolhe o Judiciário
Rejeição de correções feitas por Bolsonaro expõe interesse de atemorizar juízes e promotores
A inapetência demonstrada pelo presidente Bolsonaro, no início do governo, para exercitar a política com o Congresso, ampliou a abertura de espaços de poder para os parlamentares. Que têm sido ocupados. E seria inevitável, porque, como se diz, não há vácuo no jogo político — o recuo de alguém implica o avanço de outro.
Não é necessariamente ruim o fortalecimento do Legislativo em um regime presidencialista. Aumenta o poder da representatividade popular, e reforça-se a vigilância sobre o poderoso Executivo. Neste início da gestão Bolsonaro, a atuação mais autônoma da Câmara, por exemplo, deu impulso precioso à tramitação da reforma da Previdência e reforçou a tributária, com o Senado.
Porém, essa conquista de músculos pelo Legislativo brasileiro traz riscos. Se houve importante renovação de quadros no Congresso na última eleição, a espinha dorsal e a cultura das duas Casas continuam as mesmas. O caciquismo partidário se mantém, haja vista a ameaça de punição de jovens deputados do PSB e PDT por haverem votado pela reforma previdenciária, alegando a questão de consciência e compromisso com seus eleitores.
Os ecos da velha tradição partidária também estão presentes nas manobras para a votação em alta velocidade, terça- feira, dos vetos feitos pelo presidente Bolsonaro ao projeto aprovado da Lei do Abuso de Autoridade. Dos 33 vetos, o Congresso derrubou 18. Foram restabelecidos dispositivos que são a marca desta lei: definem “crimes” de juízes e procuradores em termos pouco objetivos, vagos, com a finalidade de atemorizar o Judiciário e o Ministério Público diante de ações que incomodem poderosos. Não se trata de uma lei sensata.
A pressa em derrubar os vetos serviria também como um recado ao Supremo, cujo ministro Luís Roberto Barroso, usando a independência que lhe concede a Constituição, assinou mandados de busca e apreensão nos gabinetes do senador Fernando Bezerra (MDB-PE) e do filho, deputado Fernando Bezerra Coelho Filho (DEM-PE), investigados em um processo sobre corrupção com o envolvimento de empreiteiras.
Também fez parte do recado a demonstração de força dada com a visita de um grupo de senadores, com o presidente da Casa à frente, Davi Alcolumbre (DEM-AP), ao presidente do STF, Dias Toffoli. Mais tarde, os parlamentares trabalhariam para pulverizar vetos, em sessão conjunta do Congresso.
Nem todo crítico da Lava-Jato oculta interesses sombrios. Há mesmo quem tema o surgimento de um poder paralelo dentro do Estado, a aplicar leis a seu bel-prazer. Preocupação respeitável. Mas não será relativizando a independência do Judiciário, fazendo com que juízes e procuradores se autocensurem, para não serem criminalizados, que se fortalecerá a República. Na verdade, cria-se uma tirania.
O Globo
Confirmação de diálogo aumenta risco de impeachment de Trump
Ele de fato pediu ajuda ao presidente ucraniano para obter informações sobre Joe Biden
Não se menospreze a capacidade de Donald Trump de se envolver em confusões variadas. Houve escândalo devido ao pagamento para comprar o silêncio de “stripper” sobre um caso amoroso e já transcorreu longa investigação, por um Procurador Especial, sobre evidências de interferência russa na sua eleição, em 2016. Ficou em aberto uma alta probabilidade de Trump, na Casa Branca, ter trabalhado para obstruir o trabalho da Justiça, um grave crime.
O Partido Democrata, tendo recuperado o controle da Câmara dos Representantes, passou a sofrer tensões internas, porque sua ala mais à esquerda há algum tempo defende a instalação de um processo de impeachment contra Trump — mesmo que ele tenha baixa possibilidade de vingar, porque o Partido Republicano é majoritário no Senado.
O caso da denúncia anônima de um agente da Inteligência americana de que Trump telefonou ao presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenski, para conseguir informações sobre o pré-candidato democrata Joe Biden superou as últimas resistências da democrata Nancy Pelosi, presidente da Câmara, a instalar um processo de impeachment. A gravidade do caso pelo jeito foi maior que o cuidado de Pelosi em não dar um passo em falso que possa ajudar a reeleição do presidente. A Casa Branca divulgou ontem a transcrição da conversa, e de fato Trump falou sobre o assunto com Volodymyr.
Trump pediu a Zelenski para investigar negócios de Hunter, filho de Joe Biden, vice-presidente na gestão Obama, no setor de gás na Ucrânia. O ainda vice-presidente teria pressionado o país com a intenção de favorecer estes negócios.
Trump, no telefonema, ainda coloca no circuito seu advogado, Rudolph Giuliani, e o chefe do Departamento de Justiça, William Barr. O presidente americano acena com apoio à Ucrânia, com a qual os EUA têm acordo de ajuda militar. Não é difícil relacionar os dois assuntos — informações em troca de ajuda à Ucrânia.
O agente considerou grave o conteúdo do telefonema, encaminhou o fato pelos canais institucionais e depois fez uma denúncia anônima.
A campanha americana de 2020 já prometia tensões, devido ao estilo agressivo de Trump. Agora, a voltagem deve aumentar com o pedido de impeachment encaminhado pelos democratas.
Três presidentes americanos passaram por esta experiência, nenhum foi condenado. Nixon renunciou antes de perder o mandato. O roteiro dos impeachments, incluindo os casos brasileiros, prevê que revelações durante a tramitação do processo podem tornar factível o que hoje parece impossível.
O Estado de S. Paulo
Disciplina fiscal, federação real
Estados e municípios vivem alardeando direitos e autonomia, mas poucos têm sido capazes de cuidar de suas finanças e de viver sem o socorro do poder central
Mais de um terço dos tributos pagos no Brasil vai para os cofres de Estados e municípios, além das transferências bancadas pela União, mas, ainda assim, muitos governos estaduais e municipais estão em apuros, endividados e alguns, perto de quebrar. O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem anunciado com insistência um novo pacto federativo, num discurso pontuado pelo bordão “mais Brasil, menos Brasília”. Mas a palavra federação, neste país, é quase uma figura de linguagem: autoridades subnacionais vivem alardeando direitos e autonomia, mas poucas têm sido capazes de cuidar de suas finanças e de viver sem o socorro do poder central. Antes de cuidar de um novo pacto, será bom levar a sério os feios dados da realidade, começando, por exemplo, pelo relatório técnico recém-concluído por uma equipe do Fundo Monetário Internacional (FMI). Técnicos do Fundo estiveram no Brasil por solicitação do governo, entre 29 de abril e 13 de maio, para examinar e avaliar as finanças de Estados e municípios e propor políticas de ajuste e padrões de disciplina e segurança. Disciplinados por alguns anos, depois de negociar suas dívidas com o Tesouro Nacional, nos anos 1990, governos estaduais e municipais acabaram caindo de novo na farra financeira, com as bênçãos do poder federal.
Esta recaída ocorreu a partir do período petista, quando o governo da União passou a facilitar o endividamento dos entes subnacionais. A dívida dos entes subnacionais caiu 0,8 ponto porcentual ao ano entre 2002 e 2014 e subiu de novo, ao ritmo de 0,5 ponto ao ano, entre 2014 e 2018, mesmo depois de renegociações. Três Estados – Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo – concentram dois terços da dívida estadual.
Novas operações de socorro foram montadas, com exigência de retorno aos padrões estabelecidos a partir do ano 2000 pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas alguns governos têm descumprido, até com apoio judicial, as condições estabelecidas nos acordos.
O relatório do FMI propõe mudança de regras para endividamento de Estados e municípios, com garantias do governo central apenas em casos excepcionais. Também se menciona uma alternativa radical: a mera eliminação dessas garantias. O documento propõe menor participação de bancos públicos na concessão de financiamentos a entes subnacionais, com maior recurso a empréstimos privados, fornecidos por bancos ou por outras fontes do mercado de capitais.
Reduzir as garantias federais e a participação de bancos públicos conteria, segundo o relatório, “incentivos ao desperdício, diminuiria riscos para o governo federal e eliminaria parte das tensões institucionais entre diferentes níveis do governo e Judiciário”.
A adesão aos padrões de mercado estimularia, de acordo com o Fundo, maior disciplina financeira pelos governos subnacionais. A ideia é clara: governos de Estados e municípios teriam de seguir os padrões de prudência observados, normalmente, na administração de empresas e de outras entidades dependentes do uso de recursos privados.
O relatório sugere passos para a implantação dos novos padrões de disciplina financeira. O plano de ajuste vinculado ao Regime de Recuperação Fiscal instituído em 2017 deveria ter como um dos objetivos a redução da dívida a níveis prudenciais, com a fixação de etapas e a ajuda subordinada ao desempenho em cada fase. Também se sugere “maior clareza” quanto ao tratamento de todos os credores, isto é, do governo central e dos demais.
As propostas incluem a fixação de um teto de gastos e o uso de conselhos de controle e de monitoramento, talvez com ampliação do mandato da Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado.
A reforma da Previdência nos Estados e municípios é um dos passos indispensáveis, indica o relatório, realçando uma evidência rejeitada ou tardiamente absorvida por muitos políticos. Não haverá como fugir disso, especialmente se a ajuda federal for proibida. Sem esse tipo de socorro, a gestão das finanças estaduais e municipais seria muito melhor há muito tempo. E a federação seria muito mais autêntica.
O Estado de S. Paulo
Um erro levou a outro
Senado usou ação contra senador Fernando Bezerra Coelho como pretexto para adiar a votação da reforma da Previdência
Foi um erro a autorização dada pelo ministro Luís Roberto Barroso para o cumprimento de mandados de busca e apreensão nos gabinetes do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) e do seu filho, o deputado federal Fernando Coelho Filho (DEM-PE). Ainda que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) seja pacífica no sentido de que a Corte pode autorizar cumprimento de busca e apreensão nas dependências do Congresso, é preciso que o Judiciário atue de forma criteriosa, sem dar margem a dúvidas. E no caso, sendo a investigação sobre eventos que teriam ocorrido entre 2012 e 2014, havia muitas dúvidas a respeito da efetiva necessidade e utilidade da diligência autorizada.
E o pior é que o erro da Justiça motivou outro erro, dessa vez do Senado. Sob a coordenação do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), o Senado usou a decisão que suscitou tantas dúvidas como pretexto para adiar a votação da reforma da Previdência. Um assunto não tinha nenhuma ligação com o outro, mas os senadores usaram a oportunidade para fazer uma espécie de reafirmação de seus próprios poderes, atrasando a votação da proposta legislativa que é, no momento, a mais importante para o País. Sozinha, a mudança das regras previdenciárias não é condição suficiente para destravar o crescimento econômico, mas é o principal passo a ser dado agora. E esse passo, que já devia ter sido dado, foi adiado por uma semana em razão de uma reação impulsiva e desproporcional, totalmente fora de propósito. Grave foi o erro do Senado, que fez de um erro da Justiça ocasião para colocar entre parênteses o interesse nacional.
Não há dúvida de que a decisão do ministro Luís Roberto Barroso pedia uma reação institucional do Senado, mas não a atitude impulsiva que se viu. Fez-se uma busca e apreensão no Congresso sobre fatos que teriam ocorrido há, no mínimo, cinco anos, quando Fernando Bezerra não tinha mandato de senador. Na ocasião, ele ocupava a chefia do Ministério da Integração Nacional. Por que buscar elementos probatórios de 2012 a 2014 no gabinete que o senador ocupa apenas desde o início deste ano?
O caso suscita ainda mais dúvidas pelo fato de que a Procuradoria-Geral da República (PGR) foi contrária à busca e apreensão. Consultada a respeito do pedido da Polícia Federal, a PGR entendeu que não havia indícios suficientes a justificar o pedido. As alegações da Polícia Federal baseavam-se em três delações, que indicam que Fernando Bezerra e o filho teriam recebido R$ 5,538 milhões em propinas envolvendo as obras de transposição do Rio São Francisco.
Em respeito tanto à separação dos Poderes como às prerrogativas do Congresso, apenas informações provenientes de delação não bastam para a Justiça autorizar busca e apreensão nas dependências do Legislativo. Caso contrário, institucionaliza-se a perseguição política por meio do Judiciário. Os outros elementos noticiados, como, por exemplo, uma gravação entre um delator e um operador discutindo a forma do pagamento de um empréstimo, eram, no mínimo, duvidosos para fundamentar a diligência policial no Congresso.
A reação do Congresso a esse avanço desproporcional da Justiça deveria ter sido dada no campo jurídico. Há meios legais para isso. Adiar a reforma da Previdência como resposta à decisão do ministro Luís Roberto Barroso é cometer um novo erro, fazendo do País o maior prejudicado desse triste episódio. Se o Senado tem razão em apontar a fragilidade dos elementos que fundamentam as diligências no Congresso – o que em tese possibilita vislumbrar caráter político na decisão judicial -, a Casa comete o mesmo erro de confusão de esferas, ao dar uma irresponsável resposta política ao equívoco jurídico.
O País não avançará no combate à corrupção permitindo diligências sem uma motivação razoável, que margeiam o arbítrio. O Congresso merece respeito, bem como as liberdades e garantias individuais. Mas o País também não avançará se o Senado achar que os erros da Justiça autorizam a Casa a tratar irresponsavelmente o interesse público. Que cada Poder cumpra com esmero o seu papel.
O Estado de S. Paulo
Defesa da legalidade
Andou bem o Congresso ao derrubar 18 dos 33 vetos que Jair Bolsonaro havia aposto à lei do abuso de autoridade
Andou bem o Congresso ao derrubar 18 dos 33 vetos que o presidente Jair Bolsonaro havia aposto ao Projeto de Lei (PL) 7.596/17, que criminaliza o abuso de autoridade. Sendo uma legislação necessária e equilibrada, não havia motivo para que fosse desfigurada por pressões corporativistas de membros da magistratura e do Ministério Público. É elemento essencial da República que todos, também as autoridades, estejam sob a lei. E para que isso seja uma realidade, todos, também as autoridades, quando atuarem dolosamente fora da lei, devem sofrer as devidas consequências. Além de ser grave desequilíbrio institucional, a impunidade seletiva é estímulo para novos e grandes abusos.
Entre os 18 vetos presidenciais que foram derrubados e agora fazem parte da Lei do Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019), há importantes garantias para os cidadãos.
Por exemplo, voltou a ser crime, punido com detenção de um a quatro anos, decretar prisão em manifesta desconformidade com as hipóteses legais. Assim, comete crime o juiz que retirar indevidamente a liberdade de uma pessoa. A medida é uma significativa contribuição para a efetividade da garantia, prevista no art. 5.º da Constituição de 1988, de que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
Outro ponto importante, cujo veto foi derrubado pelo Congresso, refere-se à decretação de medidas cautelares diversas da prisão. Apesar de haver uma lei determinando que, quando forem cabíveis, os juízes devem aplicar medidas cautelares diversas da prisão, há quem continue decretando prisão preventiva sem analisar a possibilidade da aplicação de medidas cautelares alternativas. Pois bem, a atuação judicial fora da lei, limitando e condicionando de forma irrazoável a liberdade dos cidadãos, voltou a ser crime. O juiz que, abusivamente, decretar prisão nos casos em que for manifestamente cabível outra medida cautelar estará sujeito à detenção de um a quatro anos.
A mesma pena recairá sobre a autoridade que “constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro”. Tal artigo, que também havia sido vetado pelo presidente Jair Bolsonaro, foi reintegrado à Lei do Abuso de Autoridade. Da mesma forma, voltou a ser crime de abuso de autoridade a ação de “prosseguir com o interrogatório de pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio”. Como é possível dizer que o contraditório e a ampla defesa, previstos na Constituição, eram devidamente respeitados no País se o constrangimento de um preso para que produzisse prova contra si mesmo ficava impune?
Também voltou ao texto da lei a previsão de que é crime “dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente”, com pena de detenção de um a quatro anos. Há aqui uma garantia fundamental de todos os cidadãos contra o arbítrio do Estado. O poder de investigação deve ser sempre fundamentado, não podendo ser usado como elemento de perseguição pessoal. É crime de abuso de autoridade usar o aparato do Estado contra alguém que sabidamente é inocente.
Da mesma forma, é abusivo divulgar informações às quais se tem acesso por força do cargo, mas que não foram comprovadas. Voltou ao texto da lei o crime referente ao responsável pelas investigações que, por meio de comunicação, inclusive em rede social, antecipa atribuição de culpa antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação.
Vale lembrar que a nova lei será aplicada e interpretada pelos próprios juízes e promotores, não havendo, assim, risco de ser interpretada enviesadamente. Além disso, o Congresso definiu que só há crime de abuso de autoridade quando o agente praticar a ação “com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal” e que “a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade”. O equilíbrio está posto. É hora de ser bem aplicado.
Folha de S. Paulo
Vetos que caem
Tensão entre Congresso e Bolsonaro contamina debate sobre abuso de autoridade
A derrubada de um veto presidencial pelo Congresso é evento raro na maior parte do período posterior à redemocratização do país, mas que se tornou mais comum desde o inconcluso segundo mandato de Dilma Rousseff (PT).
Um estudo de Marcos Aurélio Pereira, da Câmara dos Deputados, concluiu que, de 1.185 vetos aplicados de 1988 a 2014, apenas 27, ou 2%, acabaram rejeitados pelos parlamentares. A cifra vai aos 7% (24 rejeições) no período 2015-2018, segundo levantamento do pesquisador Gustavo Guimarães noticiado pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Os números podem variar conforme o critério de contagem, decerto. Também devem ter sido afetados pela norma de 2013 que redefiniu prazos para o exame dos vetos. Fato é que esse indicador dos desencontros entre Planalto e Legislativo já mostra resultados expressivos neste primeiro ano do mandato de Jair Bolsonaro (PSL).
Na terça-feira (24), deputados e senadores derrubaram 18 dos 33 vetos do presidente na lei dos crimes de abuso de autoridade (nº 13.869, de 2019). Foi sem dúvida o episódio mais marcante do gênero até aqui, mas não o primeiro.
Em agosto, caiu o veto a um texto que endureceu penas para a propagação de fake news; numa única sessão, em junho, outros três vetos foram rejeitados.
Mais que de inabilidade e inexperiência, a tensão com o mundo parlamentar decorre de escolhas de Bolsonaro —que, de público ao menos, renega práticas associadas por suas hostes à “velha política”. Nesse contexto, a lei relativa ao abuso de autoridade se tornou motivo óbvio de conflito.
Desde a origem, o debate em torno do tema esteve contaminado por casuísmo, de um lado, corporativismo, de outro, e paixões ideológicas de lado a lado.
O projeto ganhou força no Congresso como reação às investigações da Lava Jato e seu efeito devastador sobre líderes e partidos tradicionais. Em resposta, o aparato jurídico-policial —que de fato incorreu em excessos visíveis nos últimos anos— procurou estigmatizar as propostas como ameaça ao combate à corrupção.
O padrão visceral prosseguiu na derrubada dos vetos, em votação antecipada por um Congresso exasperado devido a uma ação da Polícia Federal que mirou o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).
Perdeu-se mais uma chance de examinar com maior racionalidade um texto que é correto em seus objetivos e diretrizes gerais, pois a legislação anterior datava da ditadura militar, mas de fato contém trechos de aplicação duvidosa. Resta esperar que a prática confirme um avanço no regramento que não se confunda com mais impunidade.
Folha de S. Paulo
Freio ao premiê
Reino Unido, ainda conflagrado, fica mais perto da normalidade democrática
O premiê britânico, Boris Johnson, sofreu derrota das mais humilhantes. A Suprema Corte anulou, por unanimidade, a suspensão do Parlamento por ele determinada e ainda o acusou de ter mentido para a rainha para implementá-la.
Os magistrados derrubaram, um a um, todos os argumentos de Johnson e decretaram que sua manobra foi “ilegal, vazia e sem efeito”.
O Poder Legislativo —que, num estratagema heterodoxo para forçar o brexit, tivera suas atividades interrompidas pelo inédito prazo de cinco semanas— já voltou a se reunir, o que sem dúvida coloca o Reino Unido mais perto da normalidade democrática.
Não se resolve, entretanto, a série de impasses e tumultos políticos em que o país se enredou desde o plebiscito de 2016, que determinou a saída da União Europeia.
Em tempos normais, uma derrota dessa magnitude implicaria a renúncia imediata do primeiro-ministro ou, pelo menos, um voto de desconfiança que dissolvesse o gabinete e forçasse nova eleição. Mas não vivemos tempos normais.
Nada indica que Johnson esteja disposto a deixar o cargo e parece provável que a oposição o mantenha no posto para desgastá-lo.
O líder conservador havia prometido que, até o final de outubro, implementaria o brexit com ou sem acordo. O Parlamento, porém, aprovou regra que proíbe a saída da UE sem um entendimento.
Durante muito tempo, os britânicos se gabaram da singularidade de seu sistema político. O fato de possuírem uma Constituição não escrita e que dá virtual soberania ao Legislativo, submetido a poucos freios e contrapesos, era garantia de flexibilidade institucional e eficácia governamental.
O modelo conta com séculos de sucesso, mas se viu abalado nos últimos tempos de forte polarização, manobras políticas agressivas e mudanças bruscas de regras.
Assim se produziram situações que podem ser qualificadas como anomalias institucionais. Uma delas foi a suspensão do Parlamento, já revertida pela Justiça.
Outra é a própria escolha de Johnson para premiê. Ele, afinal, não foi sufragado nem pelo conjunto do eleitorado nem pelos representantes no Parlamento, mas por um colégio restrito de 124 mil filiados do Partido Conservador.
Se em tempos normais o arranjo constitucional britânico era sinônimo de agilidade, atualmente ele tem servido mais para potencializar as incertezas.