É quase irresistível a tentação de dizer que Argentina e Brasil são espelhos de si mesmos. Os dois vizinhos tiveram seus populistas históricos cujas sombras políticas se projetam até hoje (Peron e Vargas). Desenvolveram Estados balofos que extraem desproporcional parte da riqueza gerada nos respectivos territórios – sem terem sido capazes de conduzir as respectivas economias para crescimento em bases sustentáveis. A Argentina era rica e ficou pobre, e o Brasil não conseguiu ficar rico.
Há notórias diferenças, até anedóticas. O argentino tende a assumir que o melhor ficou no passado, enquanto o brasileiro acha que o melhor estará no futuro. Ainda assim há grandes paralelos na linha do tempo entre os dois países. Brasil e Argentina experimentaram rupturas políticas em épocas muito próximas, passaram por ditaduras militares e “guerras sujas” de feições similares (ainda que de diferentes intensidades de trauma e violência), voltaram a regimes civis em períodos simultâneos, arcaram com graves crises de endividamento, recessão e, mais recentemente, com regimes de grotesca irresponsabilidade fiscal, em boa parte culpados diretos pelas dificuldades econômicas que ambos enfrentam.
Significa que o fracasso do governo argentino em implementar reformas econômicas estruturantes e, como consequência, a provável derrota eleitoral de uma proposta de liberalização da economia – e a volta pela urna ao descalabro de um regime populista de “esquerda” – é o espectro que ronda o Brasil? Claro que jamais se pode excluir o que ainda não aconteceu, assim como não se pode confiar na inevitabilidade do que virá, mas há algo que torna os destinos de Brasil e Argentina tão parecidos: é um desafio comum que não conseguiram resolver.
O ciclo que enfrentam os dois gigantes sul-americanos, abundantemente dotados de recursos naturais e em confortável posição geográfica, é de como driblar o que economistas chamam de “falta de convergência” da grande maioria dos países emergentes em relação aos países mais avançados. Por “falta de convergência” entende-se a incapacidade de economias de renda média de reduzir a diferença que as separa há décadas do rendimento per capita de países avançados.
Quando os Brics surgiram, há quase 20 anos, parecia que os emergentes iriam, finalmente, alcançar os países do topo. Mas hoje se afirma que a “convergência” era sobretudo o efeito China (e Índia também) e do superciclo das commodities – dois fatores que não se repetem em prazos históricos curtos. Números cruéis estão aí para indicar que Brasil e Argentina continuam tão distantes dos mais ricos como estavam há uma geração, e pior: estão sendo alcançados por vizinhos, como Peru e Colômbia, que sempre foram consideravelmente mais pobres.
É vastíssima a literatura que se ocupa dessa questão, a da superação da pobreza. Tirando o submarxismo típico de baixa produção intelectual que atribuía o atraso relativo de Argentina e Brasil a alguma malvada “imposição” de interesses externos, consolidou- se nos últimos anos o consenso de que escolhas políticas, travas internas, problemas domésticos e, principalmente, ausência de líderes comprometidos com um horizonte de longo prazo é que ajudam a entender as dificuldades de ambos para sair da presente estagnação econômica e resolver problemas tão básicos como pobreza e gritante desigualdade – as mesmas mazelas de sempre, agora agravadas por índices inéditos de violência.
A história recente demonstra que governos da chamada “esquerda” na Argentina e no Brasil não resolveram nenhum dos problemas fundamentais desses países – ao contrário, contribuíram para piorá-los. Os de “direita” precisam provar que conseguem. (O Estado de S. Paulo – 15/08/2019)