MANCHETES
O Globo
Bolsonaro quer novo projeto para respaldar ação de policiais
Caixa libera cronograma de saques do FGTS
Militar assume o Inpe como diretor interino
O Estado de S. Paulo
‘Governadores do Nordeste agem para dividir o País’
Coronel promete ‘transparência total’ no Inpe
Governo quer Previdência votada até o mês que vem
Folha de S. Paulo
Guerra comercial se agrava, e mercados refletem tensão
Bolsonaro usa Cade para obter apoio do Senado
‘Maus brasileiros’ divulgaram dados mentirosos, diz presidente
120 municípios têm metade dos homicídios do país
EDITORIAIS
O Globo
Segurança jurídica é abalada por inquérito no STF
Investigação feita pelo Supremo aguça divisões, e a PGR registra que STF vira ‘tribunal de exceção’
O polêmico inquérito aberto em março no Supremo pelo presidente da Corte, Dias Toffoli, nomeando o ministro Alexandre de Moraes para presidi-lo, continua a demonstrar grande capacidade de propagar insegurança jurídica. Desde seu início, o inquérito é alvo de juristas, entre outros motivos, por passar ao largo do Ministério Público, instituição responsável por encaminhar denúncias à Justiça. Caso prospere esta tentativa de via rápida judicial, o Supremo terá de julgar acusados por ele mesmo.
Ao ser aberto o processo, com alegada base no regimento interno da Corte, para investigar ameaças e fakenews contra ministros do STF, o presidente do inquérito determinou que a revista digital “Crusoé”, do site “O Antagonista”, retirasse do ar uma informação específica. A de que, segundo a delação premiada do empreiteiro Marcelo Odebrecht, o “amigo do amigo do meu pai”, Emilio, de quem Lula se aproximara, era Dias Toffoli — nomeado pelo então presidente da República como o responsável pela Advocacia- Geral da União (AGU). A revelação, tachada de fake news e portanto incluída no escopo do inquérito, foi, na verdade, uma ação de censura, contrária a dispositivos constitucionais. Terminou sendo revogada por Moraes.
Não por isso, mas porque de fato havia um documento nos autos com essa referência, mas retirado posteriormente a pedido do próprio MP, por considerar que ele não tinha relação com aquele processo. O inquérito paira como ameaça sobre a sociedade, a depender do que determine o relator Alexandre de Moraes, à margem do MP. À época de sua instalação, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, fez um pronunciamento contra a iniciativa de Toffoli e pediu formalmente o seu arquivamento, rejeitado pelo presidente do Supremo.
Na semana passada, ao se manifestar sobre mandado de segurança pedido pela Associação Nacional dos Procuradores da República pela nulidade do inquérito, Raquel Dodge registrou que, em decorrência dele, o Supremo se transforma em um “tribunal de exceção”. A guerra deflagrada em torno da questão foi ampliada pela prisão dos hackers que teriam invadido os celulares do ex-juiz Sergio Moro e do procurador Deltan Dallagnol, entre outros. O material das mensagens trocadas entre Moro, Dallagnol etc., não reconhecidas pelos dois, foi enviado a Alexandre de Moraes, por determinação da Justiça Federal, a pedido do ministro.
Haveria mensagens que citariam ministros do Supremo passíveis de serem usadas como provas pelo menos contra Dallagnol. Já que a amplitude do inquérito Toffoli/Moraes é suficientemente grande para incluir todo tipo de denúncia que envolva o Supremo. Delineia-se em todo este imbróglio talvez o mais agudo ataque à Lava-Jato, da qual Dallagnol é chefe em Curitiba. A procuradora-geral da República já se pronunciou contra a retirada do procurador das investigações. Mais conflitos à frente, portanto. Aguçam-se também as divisões dentro do Supremo.
O ministro Luís Roberto Barroso disse publicamente que não entende a “euforia” que tomou conta de alguns “diante dessa fofocada produzida por criminosos”. Os hackers, por exemplo. Também deve-se acompanhar como a divisão na Corte entre“ garantistas” e “punitivistas” pode passar por uma revisão ou radicalização, devido à crise deflagrada por este processo. Os “garantistas” são conhecidos por defender a aplicação estrita da letra da lei, sem condenações a qualquer custo. Mas os “punitivistas” parecem estar à frente do inquérito.
O Rio é prova do erro de não se estender reforma à Federação
Crivella pede aos vereadores mais recursos para aposentadorias e pensões, mas este poço é sem fundo
O fim do recesso do Congresso e a volta aos trabalhos do Legislativo, com a votação em segundo turno, na Câmara, da reforma da Previdência, levam a que se retome o debate da máxima importância sobre a inclusão dos estados e municípios na abrangência das mudanças. A situação de penúria de alguns entes da Federação — como o Rio de Janeiro, cidade e estado; Minas e Rio Grande do Sul — reforça a evidência de que a reforma precisa ser aprovada pelo Congresso para todos, e não só a União.
A intenção do prefeito Marcelo Crivella de obter da Câmara carioca mais R$ 1 bilhão por ano para pagar pensões e aposentadorias, sem desequilibrar ainda mais o Fundo de Previdência do Município (Funprevi), é um caso exemplar de como a crise atinge toda a Federação. Crivella já teve de injetar R$ 4 bilhões no fundo para manter em dia os compromissos previdenciários. Mas este é o chamado buraco sem fundo. Jamais será tapado pela transferência de novos recursos.
A solução virá apenas quando o Rio, ou qualquer outro município e estado, fizer o ajuste do projeto da reforma. Há situações ruins e outras piores. Portanto, a reforma é inexorável para elevar contribuições, ajustar pensões à realidade do país e reverter aposentadorias precoces, entre outros objetivos. Não há alternativa. O problema é também político. Prefeitos que planejam buscar a reeleição, como Crivella, não falam em reforma previdenciária, porque só pensam em votos.
E deputados em Brasília apoiam ou não a inclusão de estados e municípios na reforma a depender de seus interesses regionais. A não extensão da reforma a toda a Federação, no primeiro turno de votação da reforma, foi lapidar demonstração de miopia e desprezo pelo interesse público por parte da classe política. Mas ela terá chance de fazer o que é certo, com a proposta do Senado de aprovar um projeto de reforma constitucional exclusiva para estados e municípios. A Câmara poderá reparar seu erro, quando for examinar esta PEC.
O Estado de S. Paulo
Queda das exportações reduz superávit
A perda de dinamismo do comércio exterior global ajudou a derrubar, em julho, tanto as exportações como o saldo da balança comercial do País (diferença entre exportações e importações). Com vendas externas de US$ 20,1 bilhões e compras de US$ 17,8 bilhões, o saldo comercial foi positivo em US$ 2,3 bilhões, 54,1% inferior ao do mês anterior e 40,8% menor que o de julho de 2018. Foi o resultado do mergulho das exportações, com média por dia útil de US$ 871,9 milhões, inferior em 14,8% à de julho de 2018 e em 8,1% à de junho deste ano.
Entre os únicos pontos positivos de julho está o aumento das exportações para os EUA e para os países do Oriente Médio. Entre os meses de julho de 2018 e de 2019, as vendas para os EUA aumentaram seu peso nas exportações totais de 10,7% para 13,3%, atingindo US$ 2,7 bilhões. Entre os primeiros sete meses de 2018 e de 2019, a participação das vendas para os EUA passou de 11,4% para 13,4%, chegando a US$ 17,4 bilhões. Isso ajuda a explicar o empenho em avanços no comércio bilateral, enfatizados pelo governo brasileiro durante a visita do secretário norte-americano de Comércio, Wilbur Ross, ao Brasil.
Em escala inferior à do comércio com os EUA, aumentou a participação das vendas para o Oriente Médio, de 4% para 5,6%, entre julho de 2018 e julho de 2019, e de 3,9% para 5,1%, entre os primeiros sete meses de 2018 e de 2019. Pelo critério de fator agregado, caíram, entre julho de 2018 e julho de 2019, as exportações brasileiras de produtos básicos (-16,7%), manufaturados (-12,3%) e semimanufaturados (-4,6%). As quedas de básicos foram lideradas por petróleo bruto, soja em grão e farelo, minério de cobre, carnes de frango e bovina. Também caíram as vendas de motores e turbinas de aviação, veículos de carga, autopeças, suco de laranja e automóveis de passageiros, além de celulose, açúcar em bruto e semimanufaturados de ferro e aço.
O recuo das exportações para a China, para o Mercosul e para a América Central e Caribe foi relevante para a piora do comércio exterior. É provável uma recuperação nos próximos meses, mas os dados de julho bastam para afetar a conta corrente do balanço de pagamentos. Em 12 meses, até julho, o saldo comercial foi de US$ 52,5 bilhões, 10,1% menor que o dos 12 meses anteriores, pelo critério de média diária.
A pauta que interessa
O Congresso retoma seus trabalhos hoje, depois de 20 dias de recesso, tendo em sua pauta diversos temas de grande relevância para o País. A Câmara pode encerrar o segundo turno de votação da reforma da Previdência já nesta semana, encaminhando a matéria para o Senado. Também estarão em discussão propostas para uma reforma tributária, além da revisão do marco regulatório para o saneamento básico. Tudo isso está sendo negociado com escassa participação do governo federal.
No período em que o Congresso não funcionou, o presidente Jair Bolsonaro não tocou em nenhum dos assuntos que serão apreciados pelos parlamentares. Passou as últimas semanas a dar declarações polêmicas sobre as mais variadas questões, com entrevistas e manifestações públicas diárias, causando mal-estar aqui e no exterior em diversos momentos. Em condições normais, tal comportamento por parte do presidente da República poderia tumultuar o processo legislativo, especialmente diante de uma agenda tão politicamente espinhosa como a que se apresenta agora para os parlamentares.
Pelo que se observa até aqui, no entanto, os arroubos presidenciais não têm sido capazes de abalar de modo significativo o ambiente no Congresso nem o empenho das lideranças parlamentares em tocar os projetos de interesse do País. É uma situação peculiar. Algumas das grandes crises nacionais do passado se deram em razão da dificuldade de superar impasses entre Executivo e Legislativo, momentos em que a agenda política foi dominada por interesses imediatistas e particulares em detrimento do coletivo e do longo prazo. Hoje, aparentemente, não existe esse impasse, pela simples razão de que a relação entre Executivo e Legislativo é pouco menos que protocolar, ainda que sujeita a alguns acidentes.
Desde a posse de Jair Bolsonaro, ficou claro que o Executivo, por decisão do presidente, não teria nenhuma base no Congresso. Bolsonaro até ensaiou uma aproximação com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, e também com os líderes de partidos potencialmente governistas, mas a maioria dessas tentativas se revelou desastrosa. Em lugar de construir pontes para facilitar a aprovação dos projetos de interesse do governo, tais reuniões serviram para deixar claro aos parlamentares que Bolsonaro não estava disposto a dividir com eles o ônus da aprovação de medidas que exigirão sacrifícios da população.
O resultado disso foi a mobilização dos parlamentares, capitaneada por Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, para que o Congresso passasse então a ser o protagonista das reformas. Nesse processo, aliás, não foram poucas as vezes em que os líderes reformistas tiveram que enfrentar o próprio presidente da República quando este procurou defender os interesses de corporações para preservar privilégios no sistema de aposentadorias. Assim, se não ajuda, o presidente Bolsonaro poderia se esforçar um pouco para atrapalhar menos. No curto período de recesso parlamentar, o presidente ofendeu governadores do Nordeste e os nordestinos, vilipendiou a memória de um perseguido pela ditadura militar, atacou a imprensa e prejudicou a imagem do Brasil no exterior na área ambiental, entre outros desatinos.
Tal comportamento, naturalmente desagregador, não costuma render votos no Congresso. Felizmente, ao que parece, o Congresso tem se mostrado indiferente aos rompantes do presidente. Mais do que isso: tem enfrentado as grandes questões nacionais sem esperar as propostas do Executivo – que, quando finalmente são encaminhadas, ou chegam tarde, ou vêm carregadas de irregularidades. É evidente que essa situação sui generis não pode perdurar. Num regime presidencialista, é o presidente da República que conduz o debate político, porque foi eleito com uma plataforma de governo apoiada pela maioria dos eleitores. No entanto, se o presidente se ausenta desse debate, ou se prefere intoxicá-lo com impropérios e temas de pouca relevância, resta torcer para que o Congresso continue a fazer sua parte, a despeito da desorientação dos governistas, da vocação fisiológica dos oportunistas de sempre e da escassez de uma oposição digna do nome.
Ganhador certo, o Tesouro
Se o governo esperava criar algum otimismo com as medidas de estímulo econômico recém-anunciadas, terá de esperar mais um pouco ou de tentar novamente. Só um grande beneficiário, o Tesouro, foi claramente identificado até agora, graças ao corte de juros determinado pelo Banco Central (BC). Com a taxa básica reduzida de 6,50% para 6%, o governo terá um custo menor para rolar a enorme dívida pública. Quanto aos trabalhadores e empresas, principalmente as pequenas e médias, deverão continuar com muita dificuldade pelo menos em 2019 e 2020, pelas avaliações do mercado.
A economia, segundo as apostas mais frequentes, continuará em marcha lenta ainda por um bom tempo. Neste ano o Produto Interno Bruto (PIB) crescerá apenas 0,82%, segundo a mediana das projeções coletadas na pesquisa Focus divulgada ontem pelo BC. Esse número é o mesmo de quatro semanas antes. Mas o cenário do próximo ano piorou, com as estimativas, também expressas pela mediana, caindo de 2,20% para 2,10%. O ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou em 23 de julho as primeiras medidas de estímulo – liberação de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do PIS-Pasep.
A partir de setembro as famílias terão acesso ao dinheiro. Deverão usá-lo principalmente para pagar dívidas e para algum consumo adicional. Com isso, e com regras novas de acesso ao FGTS a partir de março, o PIB poderá crescer nos próximos 12 meses 0,35 ponto porcentual a mais do que aumentaria sem os estímulos agora instituídos. Uma consultoria chegou a um resultado melhor, 0,55 ponto de crescimento adicional. Os economistas do setor financeiro e das grandes consultorias, contatados semanalmente pelo BC, mantiveram as projeções de crescimento do PIB e até rebaixaram as estimativas de expansão da indústria.
Este detalhe é especialmente significativo, porque o avanço da produção industrial seria um dos principais benefícios de uma reanimação do consumo. A mediana das projeções para a indústria caiu de 0,50% para 0,23% em 2019 e de 3% para 2,75% em 2020. Se essas expectativas se confirmarem, dificilmente haverá melhora significativa no quadro do emprego. Muito tempo ainda será necessário para a mudança de condição dos cerca de 25 milhões de desocupados, subempregados e desalentados. Dias depois de o Ministério da Economia apresentar suas medidas, o BC anunciou a esperada redução da Selic, a taxa básica de juros, de 6,50% para 6%.
Mudanças desse tipo em geral beneficiam o mercado de ações e, em certas circunstâncias, facilitam o crescimento econômico por meio da maior oferta de crédito. Mas para isso é necessário haver consumidores e empresários dispostos a tomar empréstimos para ir às compras ou para dinamizar seus negócios. Não está claro se reações como essas ocorrerão no Brasil a curto prazo. Mas o Tesouro certamente será beneficiado, porque parte de sua dívida é vinculada à Selic. Para os bancos isso deverá representar uma perda, segundo a agência Moody”s de classificação de crédito. Emprestar dinheiro ao governo tem sido um excelente negócio para as instituições financeiras, mas o quadro tem mudado a partir da redução gradual dos juros iniciada no fim de 2016. Em dezembro daquele ano, segundo a Moody”s, o investimento em títulos públicos proporcionou 35% da receita dos bancos.
Em março deste ano essa parcela ficou em 27%. Foi uma redução notável, mas o governo superendividado continua sendo, sem dúvida, uma excelente fonte de ganhos para quem financia o Tesouro. Juros menores poderão levar as instituições financeiras a uma competição mais intensa, segundo a Moody”s. Se isso ocorrer, a economia poderá ser impulsionada. Mas a análise é cautelosa: maior expansão do crédito, se confirmada, só deverá começar em 2020. Mesmo as projeções moderadas têm como pressuposto um avanço na agenda de reformas. Isso parece garantido, por enquanto, pela disposição de parlamentares importantes. Mas permanece o risco de alguma ação desastrada do governo.
Uma novidade promissora
A ampla renovação do Congresso Nacional ocorrida nas eleições do ano passado trouxe a expectativa de um Poder Legislativo mais probo, mais responsável e mais eficiente – em suma, mais cônscio de seu papel para a sadia evolução dos negócios do País. Junto a essa lufada de esperança, havia certa de dúvida. Por mais alta que tivesse sido a taxa de renovação, não se sabia se a mudança de nomes representaria uma efetiva mudança das práticas políticas, que é o que realmente importa. Em muitas eleições passadas, caras novas no Parlamento serviram apenas para dar continuidade a velhos e deploráveis costumes.
Decorridos mais de seis meses da nova legislatura é possível afirmar que ela é muito diferente da legislatura anterior. E não apenas os nomes são novos. As práticas de fato mudaram. Trata-se de uma novidade realmente espetacular, seja pelo que essa mudança pode proporcionar ao País, seja porque foi uma alteração profundamente democrática, originada das ruas. O que se observa no Congresso é resultado direto do voto depositado nas urnas. Ou seja, as eleições de outubro de 2018 mostraram que, ao contrário do que tantas vezes se ouve, o voto individual pode mudar os rumos da política e do País.
A democracia não é uma enganação coletiva. Quando se quer – quando de verdade se quer –, é possível mudar. Não convém desperdiçar essa lição tão positiva das eleições passadas: o voto individual é decisivo e merece ser escolhido com a máxima responsabilidade. A atual legislatura tem três características especialmente positivas, que a tornam muito diferente das antecedentes, especialmente da imediatamente anterior. Em primeiro lugar, vê-se que o Congresso trabalha a partir de uma agenda de prioridades. Esse trabalho coordenado, especialmente importante num Poder colegiado, ficou muito evidente pelo modo como as reformas da Previdência e do sistema tributário são tramitadas. A despeito de suas dificuldades típicas, assuntos complexos vêm sendo enfrentados de forma operativa, com a formação dos necessários consensos e maiorias.
A segunda característica está relacionada ao fato de que a atual legislatura se mostra muito mais sintonizada com o interesse público. As atuais prioridades do Congresso são temas popularmente difíceis, que de modo algum podem ser classificados como populistas ou de interesse particular dos parlamentares. Observa-se, tanto na Câmara como no Senado, uma clara preocupação com o País. Não menos importante é a terceira característica da atual legislatura. Ela é mais proba, não se movendo primariamente em função do toma lá dá cá. Pelo que se viu no primeiro semestre, a Câmara e o Senado não foram transformados num balcão de negócios. Talvez essa maior probidade não tenha sido suficientemente notada por um equívoco dos próprios parlamentares que estão fora das extremidades do espectro político.
Apesar das evidentes diferenças com o que ocorria na legislatura anterior, esses políticos continuam denominando seu lugar político de “centrão”, o que inexoravelmente remete, entre outras tristes lembranças, aos costumes do sr. Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara. Tão enganoso quanto não ver as melhoras ocorridas na atual legislatura, seria achar que no atual Congresso não há gente interesseira ou desonesta. É imperioso continuar com o saneamento da política, que é renovação dos costumes e dos critérios de atuação. A continuidade desse processo virtuoso se deve dar nas eleições municipais do ano que vem, quando o eleitor terá condições formais de promover uma profunda melhoria da política local, com a escolha de representantes honestos e competentes para o Executivo e para o Legislativo.
Tal passo é decisivo, seja para que o cidadão incorpore cada vez mais a necessidade da responsabilidade na hora de votar, seja para que partidos e políticos também tomem consciência de que o eleitor, com o seu protagonismo, está mudando a política. Há espaço – e cada vez deve haver mais – para gente honesta e competente. A atual legislatura confirma tal realidade.
Folha de S. Paulo
Entulho burocrático
Governo acerta ao simplificar normas obsoletas que regulam a segurança no trabalho, em debate com representantes de empresas e empregados
A tarefa de reduzir o custo de fazer negócios no Brasil e facilitar a geração de empregos é multidisciplinar. Pode depender de reformas de grande envergadura, como a trabalhista, mas no mais das vezes pequenas alterações, acumuladas, fazem a diferença.
Depois da ampla flexibilização da CLT, ainda em sedimentação na jurisprudência e na prática cotidiana, o governo agora se debruça num esforço de simplificação do cipoal de dispositivos infralegais que regulam as relações entre empresas e contratados.
O plano passa pela modernização das 36 Normas Regulamentadoras (NR), que tratam de saúde e segurança e dão margem a mais de 6.000 possibilidades de autuação, pela consolidação de 160 decretos em apenas quatro textos e p ela revisão de centenas de instruções normativas e portarias.
Em relação às NR, o governo anunciou alterações em duas delas, 1 e 12, que dispõem, respectivamente, sobre regras gerais e normas relativas a máquinas e equipamentos. Também foi revogada a de número 2, que exigia inspeção prévia de fiscais do trabalho em novos estabelecimentos.
As mudanças, em termos gerais, buscam adaptação aos novos tempos e redução de custos de conformidade, sem prejuízo para a segurança. Exigências ineficazes e pouco racionais foram revistas.
No caso da NR 12, havia distanciamento em relação a padrões internacionais — que encareciam a implantação de maquinário importado, mesmo o mais sofisticado.
Segundo o governo, apenas a revisão desses regulamentos permitirá economia de R$ 68 bilhões em dez anos. Ainda que cálculo tão grandiloquente deva ser encarado com cautela, não resta dúvida quanto às vantagens que podem resultar de um esforço sistemático de remoção de burocracias.
Pode parecer que ganhos desse tipo implicarão prejuízos para a segurança do trabalhador. Quando se observam algumas das exigências agora eliminadas, contudo, a impressão se desfaz.
Não faz sentido, em exemplo mencionado pelo Secretário de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, que uma simples loja de roupas precise gastar R$ 1.500 a R$ 3.000 por ano em prevenção contra riscos químicos e biológicos.
Regras do gênero só beneficiam, até onde se percebe, firmas que fornecem o serviço fixado no papel.
Outra constatação importante é que as alterações promovidas não suscitam controvérsia. Ao contrário, resultam de entendimento unânime da comissão tripartite formada para analisar o tema, que reúne representantes de governo, empresas e trabalhadores.
Eis uma prova de que substituir regras obsoletas constitui agenda de interesse geral, de fácil aceitação, e que deve ser aprofundada.
Comissão esvaziada
Ainda em meio aos ecos de um assomo de destempero verbal por parte do presidente Jair Bolsonaro (PSL), publicou-se no Diário Oficial a troca de 4 dos 7 integrantes da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.
Segundo o mandatário, o motivo da mudança, que confere ao colegiado um perfil mais conservador e simpático ao regime militar, foi o fato de que se elegeu no país um governo de direita — “ponto final”.
A comissão remonta ao primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), quando foi aprovada a lei 9.140/95, que reconhecia a existência de mortos por agentes dos governos militares.
A legislação instituía a CEMDP, com o encargo de apurar os casos ocorridos até 1979. Posteriormente, ampliou-se o período para o ano simbólico de 1988, quando foi promulgada a atual Constituição.
Tais decisões representaram uma necessária resposta da redemocratização ao arbítrio de um regime que acobertou assassinatos de oponentes num contexto de repressão política e supressão de garantias constitucionais dos cidadãos.
Num país em que a anistia política, em nome da reconciliação, foi estendida a agentes do Estado, corria-se o risco de que um manto de silêncio terminasse por encobrir os desmandos autoritários.
A iniciativa do governo FHC deu caráter oficial a uma remição histórica que já se desenhava em projetos da sociedade civil, como o grupo Tortura Nunca Mais, organizado na década de 1980. Ligada ao atual Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a comissão lista em seu site 362 mortos e desaparecidos.
A reforma da entidade foi anunciada num momento conturbado, na sequência dos comentários insidiosos de Bolsonaro acerca do destino do pai do presidente da OAB, que desapareceu sob a guarda do regime na década de 1970.
Tanto o presidente quanto a ministra Damares Alves afirmaram, entretanto, que a mudança vinha sendo preparada havia meses, tratando-se a proximidade dos fatos de simples coincidência.
As características dos novos integrantes — ligados às Forças Armadas e ao partido do presidente — não permitem maior dúvida quanto ao intuito da reformulação. Impossibilitado de extinguir com uma canetada a CEMDP, criada por lei, o chefe do Executivo optou por desfigurá-la na prática.
São consideráveis as chances de o órgão, a exemplo de outros transformados pelo governo, tornar-se meramente decorativo. Perde o país com essa tentativa infeliz e retrógrada de revisionismo da história.