Luiz Carlos Azedo: Moedas de troca

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

A aprovação da reforma da Previdência pelo Senado é uma negociação muito mais complexa do que o ministro da Economia, Paulo Guedes, imaginava. Sua conversa com os senadores ontem, no gabinete do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM- AP), mostrou que a reforma passa por um entendimento com os governadores, entre os quais os do Nordeste, que estão em rota de colisão com o presidente Bolsonaro por razões políticas e eleitorais, e também do Norte do país, que se queixam da posição do governo em relação ao Fundo da Amazônia.

Ao contrário do que acontece na Câmara, onde a representação dos estados leva em conta o tamanho dos respectivos colégios eleitorais, no Senado, todos os estados têm três senadores, não importa o número de eleitores. Além disso, é uma Casa de voto majoritário, que passou por grande renovação, mas que ainda tem um conjunto de lideranças com larga experiência política e administrativa, por serem ex-governadores e ex-ministros. O relator da reforma da Previdência, por exemplo, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), é um dos veteranos da Casa.

Ontem, para abrir caminho à aprovação da reforma da Previdência, Guedes estimou em R$ 500 bilhões a transferência de recursos federais para os estados e municípios, em 15 anos, em decorrência de um pacote de projetos do que o governo chama de novo pacto federativo. O governo promete distribuição dos recursos do leilão do excedente da chamada cessão onerosa do pré-sal, Fundo Social, desvinculação do Orçamento, mudanças no Fundeb (Fundo de Educação Básica) e Fundos Constitucionais, além do plano de socorro a estados (Plano de Equilíbrio Fiscal — PEF), que já foi anunciado pela equipe econômica.

Segundo Guedes, o presidente Jair Bolsonaro pretende descentralizar as receitas, elevando os repasses da União a estados e municípios. Na conversa com os senadores, o ministro da Economia vinculou as transferências a estados e municípios aos respectivos ajustes fiscais, mas não explicitou os critérios a serem adotados. Quatro ou cinco PECs (Propostas de Emenda à Constituição) serão apresentados pelo governo.

Três projetos

Trocando em miúdos, o novo pacto federativo passa por uma reforma tributária que não deslanchou até hoje. Em princípio, Guedes, Alcolumbre, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), têm o objetivo de aprová-la ainda esse ano, mas não há acordo quanto ao mérito. No Senado, o texto em discussão é o do ex-deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR); na Câmara, a proposta em exame é do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), baseada em projeto do economista Bernardo Ary; e, no governo, o secretário da Receita, Marcos Contra, prepara uma terceira proposta.

Quem tem três propostas de reforma tributária, a rigor, não tem nenhuma. É preciso unificar os projetos e construir massa crítica para sua aprovação, o que não será fácil. O nó gordão da questão tributária é a falta de moeda de troca para negociação entre os entes federados. A atual estrutura tributária foi construída a partir de um pacto na Constituinte, na qual tudo estava em negociação. Agora, o contexto é completamente diferente, e o risco de a reforma aumentar a carga tributária do país, em vez de reduzi-la, é real.

Um dos maiores críticos da reforma é o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, que já comparou as propostas de mudanças a um “elefante em loja de louças”. Na verdade, há um choque entre duas correntes de tributaristas no país: os que propõem uma mudança disruptiva, tendência apoiada pelo governo, e os que defendem mudanças graduais. Os riscos existentes são a exacerbação de conflitos de interesses, a perda de receitas e a insegurança jurídica.

Um dos temas mais debatidos é o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), cuja eficácia está sendo questionada em razão da economia digital, pois o imposto foi concebido com base numa economia industrial. Entretanto, há certo consenso de que a atual estrutura tributária necessita de medidas para acabar com a guerra fiscal, liquidar os créditos acumulados do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS), reduzir alíquotas e extinguir os regimes especiais. (Correio Braziliense – 21/08/2019)

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