Ilona Szabó: O que ainda nos separa da Venezuela

Há muita gente boa escrevendo sobre a necessidade de conseguirmos separar a discordância que temos de determinadas políticas públicas defendidas pelo novo governo federal das reais ameaças institucionais à democracia que podem se apresentar. Compreendo a distinção, mas creio que ela não se aplica a todas as áreas, como, por exemplo, à questão da política de controle de armas e do controle do uso da força.

Não se trata de opinião ou preferência pessoal. O controle responsável de armas e a capacidade de aplicação da lei dentro dos limites estabelecidos pela Constituição (rule of law) são pontos determinantes para a solidez de uma democracia. O monopólio do uso da força é pilar central do estado democrático de direito.

A sociedade civil brasileira, incluindo organizações não governamentais, igrejas, universidades e meios de comunicação, lutou arduamente para a aprovação da lei de controle de armas de 2003. Desde então precisa, protegê-la de ataques frequentes do lobby das armas e seus muitos aliados visíveis e invisíveis, que hoje têm seus expoentes máximos no poder.

Interesses econômicos e corporativos, combinados à falta de vontade política e à negligência, fizeram com que, mesmo passados 16 anos desde a aprovação da lei, a maioria dos seus dispositivos não tenha saído do papel. Porém, até o início deste ano, a principal conquista da lei —a proibição do porte para civis —estava mantida.

Parece pouco, mas não é. Para além dos dados robustos que mostram a relação direta entre mais armas e mais mortes por arma de fogo, no contexto atual, a proibição do porte é o que ainda pode nos diferenciar da Venezuela. Explico.

Ao contrário do que grupos da extrema direita espalham com suas máquinas de fake news no país, a Venezuela não desarmou seus cidadãos. Hugo Chávez iniciou a criação de uma milícia civil para “proteger” o seu governo. A hoje chamada Milícia Bolivariana é formada por voluntários civis que apoiam as Forças Armadas e foi ampliada pelo regime de Nicolás Maduro. Estima-se que essa milícia tenha quase dois milhões de voluntários armados, seguidores fiéis e cegos apoiadores dos ditadores venezuelanos.

Assim como ocorreu na Venezuela, começamos a ver por aqui ingerência política em órgãos de controle e forças de segurança para abafar denúncias graves relativas a integrantes-chave do governo e seus protegidos —vide os recentes episódios envolvendo o Coaf, a Receita, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal. Isso já deve bastar àqueles que até pouco diziam que não havia ameaça às nossas instituições.

Além disso, acho que ninguém duvida da adoração do núcleo duro do governo pelas armas. Desde as primeiras semanas do mandato, ele tem trabalhado incessantemente para armar seus mais devotos seguidores. Isso, apesar de 73% dos brasileiros serem contra a liberação do porte de armas, de acordo com a última pesquisa do Ibope.

Recentemente, para “acabar com a insegurança jurídica” criada com a edição de nada menos que sete decretos, uma portaria do Exército regulamentou a ampliação da potência das armas que civis podem possuir. Dessa forma, quase todos os civis com mais de 25 anos poderão ter armas com maior poder de fogo do que algumas forças policiais em nosso país. Outros projetos de lei ampliam para os chamados CACs (colecionadores, atiradores desportivos e caçadores) e muitas outras categorias o direito de portá-las. Tirem suas conclusões.

Portanto, se faltava a vocês argumentos e motivos para exigir que seus deputados e senadores votem contra a liberação do porte de armas no Brasil, e que os poderes executivos estaduais e federal façam cumprir a lei 10.826/03, ofereço- lhes esse artigo.

Olhem para a Venezuela e vejam o preço da omissão. (O Globo – 20/08/2019)

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