Eliane Cantanhêde: Paciência tem limite

Muitos perguntam o que está por trás da guerra entre “olavetes” e militares, ou melhor, de “olavetes” contra os generais do governo. Simples. Trata-se da velha disputa de poder, mas também a disputa pelo coração, a mente e a tutela do presidente Jair Bolsonaro. Quanto mais fraco, mais ele se torna refém dos dois lados. Segundo Bolsonaro, “não existe grupo de militares nem de olavos. O time é um só”. Isso não é exatamente verdade. Se a mídia tradicional não serve, basta uma busca nas postagens do tal Olavo de Carvalho, dos filhos do presidente e suas tropas nas redes sociais.

Os ataques de um time e a defesa do outro são estridentes. Os militares do Planalto e arredores se contorciam e apanhavam calados, mas tudo tem limite. O vice-presidente Hamilton Mourão reagiu e agora calou. O ministro Santos Cruz também reagiu e entrou no alvo da enxurrada de palavrões como “bosta engomada”. Ficou claro que a fila de generais agredidos não teria mais fim. Após Mourão e Santos Cruz viriam Augusto Heleno (GSI), Floriano Peixoto (Secretaria Geral), Fernando Azevedo e Silva (Defesa), Edson Pujol (comandante do Exército). Tiro ao alvo. Foi por isso que o ex-comandante Eduardo Villas Bôas entrou na guerra. Ele tem força e liderança, como várias vezes já dito aqui neste espaço, e ninguém como ele para dar um basta e repor as coisas nos seus devidos lugares, já que o capitão Bolsonaro não faz nada e ainda permite (ou estimula?) o apoio dos seus filhos aos desaforos aviltantes dos olavistas aos generais.

Bolsonaro diz que “a melhor resposta é ficar quieto”, mas agraciar Olavo de Carvalho com o grau máximo da Ordem de Rio Branco (condecoração do Itamaraty) não significa ficar “quieto”, mas sim tomar partido. E a paciência dos disciplinados militares foi se esgotando e, com Villas Bôas, a reação mudou de patamar. Ele é o principal líder militar e tem respeito nas Forças, no meio político, na opinião pública e até em setores da esquerda. Isso é uma virtude e um trunfo, não um defeito, como quer fazer crer o tal Olavo. Segundo o general, o “filósofo da Virgínia”, como é chamado, não passa de um “Trotski da direita”, apoiado no seus “vazio existencial” e na “total falta de princípios básicos de educação, de respeito e de humildade”.

Importante é que, na reação, Villas Bôas ratifica um alerta insistentemente feito pelos de bom senso, que não são obcecados por ideologia e querem que o País melhore e entre nos eixos: “Substituir uma ideologia pela outra não contribui (…) para soluções concretas para os problemas brasileiros”. Só falta acusarem o ex-comandante de esquerdopata… Aliás, não falta mais. O próprio Olavo já partiu para essa baixaria e quem quiser se irritar leia os comentários da turba à manifestação do general. Uma saraivada de ironias e críticas misturando ignorância com má-fé, bolsonaristas radicais com o que parece uma tropa de robôs esquerdistas.

Tem de tudo, menos inteligência e bons propósitos. Se Bolsonaro falou efetivamente algo relevante ontem, após os palavrões de Olavo de Carvalho, de uma conversa de mais de uma hora com Santos Cruz e da reação de Villas Bôas foi que… “há coisas muito mais importantes para discutir no Brasil”. Ninguém discorda. A lista é longa: a previsão de crescimento cai pela décima semana consecutiva, o desemprego cresce, Bolsa e dólar voláteis, violência insana, o MEC investe contra universidades, incerteza sobre a reforma da Previdência… Querem mais? Bolsonaro, porém, está tão “quieto” diante das infâmias do guru do seu governo como diante dos grandes problemas nacionais. “Olavetes” atacam os generais porque os dois lados disputam quem vai tomar conta da bagunça. (O Estado de S. Paulo – 07/05/2019)

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