Uma entrevista é como dueto musical entre entrevistado e entrevistador. Na edição de 12 de maio no Correio Braziliense, as jornalistas Ana Paula Lisboa, Dad Squarisi e Mariana Niederauer e o professor Mozart Neves Ramos fizeram esse concerto em que o leitor sente prazer. Além disso, deram uma aula de como enfrentarmos a tragédia de nossa deseducação. Na ótica do educador, conseguiram dizer como fazer uma escola e uma sala de aula que atendam às exigências dos tempos atuais.
Precisamos agora passar à visão educacionista que nos diga como levar essas ideias para as 200 mil escolas e aos dois milhões de professores que atendem aos 50 milhões de alunos da educação. Como levar para todo o país as boas experiências de escolas e de cidades em prática hoje no país.
O primeiro passo é não nos contentarmos em comparar onde estamos em 2019 com onde estávamos 1989, e buscarmos fazer o necessário para em 2049 estarmos tão bons quanto os melhores do mundo. Para isso, temos duas dificuldades: ainda não nos vemos como um país campeão em educação no mundo, nem temos o sentimento de que no Brasil toda criança deve ter acesso à educação com a mesma qualidade, independentemente da renda e do endereço da família.
Por isso, a proposta de termos educação igual às melhores do mundo e igual para cada criança é vista como uma ingenuidade, uma impossibilidade ou demagogia. Vencer essa modéstia e essa maldade são nossos maiores obstáculos. Se não nos convencermos disso, vamos continuar comemorando pequenos avanços, mas ficando para trás em relação ao resto do mundo.
O professor Mozart e suas entrevistadoras nos ensinaram com extrema competência como mudar os pneus com o carro em movimento. Mas, se além disso, queremos também saltar para termos uma das melhores educações do mundo, vamos precisar mudar os pneus do carro e o carro também. O atual frágil sistema educacional municipal está melhorando, mas não nos coloca entre os melhores e não nos levará a uma escola de qualidade igual para todos. Para o salto, enquanto vamos melhorando o sistema municipal atual, será preciso também implantar um novo sistema nacional, paulatinamente por cidades, ao longo de 20 ou 30 anos. Para isso será necessário:
1. O Brasil entender que educação não é apenas um direito de cada brasileiro, como diz a Constituição; é mais que isso, é o motor do progresso econômico e da justiça social; ter cada um de seus cérebros em escolas de qualidade é uma necessidade do Brasil.
2. Concentrar o trabalho do MEC na educação de base.
3. Aos poucos, adotar pelo governo federal a educação de base nas cidades sem condições de dar uma boa escola a suas crianças.
4. Nessas cidades, implantar escolas novas, com professores de uma nova carreira federal, muito bem remunerada, com exigências de dedicação exclusiva e avaliações periódicas, em prédios novos e muito bem equipados com o que houver de mais moderno na área de tecnologias pedagógicas. E todas as escolas funcionando em horário integral.
5. Cada escola teria gestão descentralizada e liberdade pedagógica. A adoção federal deveria ser voluntária por opção da cidade, não por imposição da União. E seria feita com responsabilidade fiscal.
6. Considerando a média de 30 alunos por sala, para ter uma boa escola, o custo anual de cada aluno seria em torno de R$ 15 mil. Esse custo/aluno/ano permite pagar um salário mensal de R$ 15 mil ao professor dessa nova carreira. Se o Brasil voltar a crescer a 2% ao ano, ao final de 30 anos, esse novo sistema federal exigiria apenas 6,5% do PIB para atender aos atuais 50 milhões de alunos.
Isso tudo é possível financeiramente, mas muito difícil politicamente e quase impossível mentalmente porque nós brasileiros, eleitores e eleitos, não temos grandes ambições intelectuais como nação, e menos ainda temos compromisso de igualdade na educação. Além disso, não queremos alimentar uma ambição que exige décadas, porque nos contentamos com pequenos avanços rápidos. Por isso, é mais provável que continuemos avançando e ficando para trás, ampliando três brechas: entre educação dos ricos e dos pobres, entre nossa educação e a de outros países, e entre nosso nível educacional e as exigências educacionais para os tempos atuais. (Correio Braziliense – 21/05/2019)
Cristovam Buarque, ex-senador pelo Cidadania-DF e professor emérito da UnB (Universidade de Brasília)