Decorridos 120 dias da posse de Jair Bolsonaro na Presidência da República, já dá para fazer um balanço razoável. É o que me proponho a fazer neste artigo. O fato mais importante da eleição foi, a meu ver, a derrota do PT. Mesmo com um candidato “manso” como Fernando Haddad, mais quatro ou mais oito anos de PT na Presidência seriam um desastre. O Brasil ficaria muito perto de um ponto de não retorno, uma vez que a política econômica petista insistiria nos desatinos a que o partido sempre se devotou. A miríade de “movimentos” que o integram ou apoiam manteria o País num permanente clima de ameaça às instituições, afugentando investidores e impedindo a retomada do crescimento. O futuro seria a quase total estagnação que temos tido desde que a exportação de commodities para a China perdeu seu poder de arrastre.
Por intermédio principalmente dos ministros Paulo Guedes e Sergio Moro, o presidente tem condições de colocar as políticas econômica e de segurança no rumo certo. De efeitos práticos, por enquanto, há pouco a mostrar, mas pelo menos a reforma da Previdência parece bem encaminhada. Sem ela o Brasil simplesmente não tem futuro. Já passa da hora de os que a ela se opõem caírem na real. Reformar a Previdência é o primeiro passo, outras reformas cedo ou tarde terão de entrar na agenda; reformas duras, que finalmente nos permitam superar a “armadilha” (melhor seria dizer a “maldição”) da “renda média”. Com a renda por habitante crescendo no ritmo medíocre dos últimos tempos – na faixa de 2% a 3% ao ano –, levaremos algo entre 25 e 30 anos para dobrá- la, um resultado que beira o impensável. O que se requer é, portanto, uma reforma abrangente do Estado e do gasto público, a energização do setor privado e uma forte injeção de ânimo para a sociedade encarar a montanha de problemas que se acumularam nas últimas décadas.
Embora os efeitos práticos ainda sejam modestos, é preciso reconhecer a importância dos sinais que Bolsonaro e seus principais auxiliares emitiram no 1.º de Maio. Em vez da tradicional exaltação do getulismo – nossa conhecida combinação de nacionalismo estatizante e paternalismo trabalhista –, ouvimos uma afirmação enfática dos novos caminhos que o País precisa trilhar. Caminhos essencialmente liberais. Sim, liberais, porque a aspiração social-democrata que compartilhamos e a Constituição de 1988 consagrou é apenas isto, uma aspiração, vale dizer, um ideal desprovido de meios práticos. Um Estado quebrado, que mal e parcamente consegue cumprir seu papel na educação, na saúde e no saneamento, obviamente não tem como sustentar o papel economicamente ativo que o antigo conceito de social-democracia pressupunha.
E foi justamente esse o ponto fulcral do discurso de 1.º de Maio: um “compromisso (…) com a plena liberdade econômica, única maneira de proporcionar, por mérito próprio e sem interferência do Estado, o engrandecimento de cada cidadão”.
Mas em dois aspectos, pelo menos, há severas restrições a fazer. O primeiro diz respeito à “fala” do governo, vale dizer, ao que se diz ou se insinua, ou, mais amplamente, à liturgia das funções públicas. O presidente precisa urgentemente controlar a cacofonia que se manifesta quase diariamente em seu governo, para a qual ele mesmo volta e meia contribui. Era razoável esperar que o açodado anúncio da mudança da embaixada em Israel para Jerusalém e o envergonhado recuo que se lhe seguiu tivessem deixado um benfazejo rastro de sobriedade, mas esse decididamente não é o caso. Bolsonaro e vários ocupantes do primeiro escalão têm-se esmerado em falar pelos cotovelos, com prejuízo para a estabilização das expectativas entre os agentes econômicos. O pedido de Bolsonaro (“pura brincadeira”, segundo disse) ao presidente do Banco do Brasil para pensar com o coração e baixar um “pouquinho” os juros para os ruralistas dá uma boa ideia dos estragos que podem advir por esse caminho.
A área mais difícil, não direi de elogiar, mas simplesmente de compreender, é a da educação. A primeira indicação para a pasta, a do sociólogo Ricardo Vélez Rodriguez, mostrou-se assaz inadequada. Consta que seu sucessor, o ministro Abraham Weintraub, merece um crédito de confiança, tendo em vista suas aptidões no campo administrativo e a experiência da vida prática adquirida no mercado financeiro. Fato é, porém, que até o momento ele nada nos proporcionou que nos permita crer que tenha um pensamento consistente a respeito do sistema educacional brasileiro e das opções para reformá-lo.
A reformulação da base curricular efetivada em 2017 pode ser considerada um passo na direção certa, mas é pouco, muito pouco, tendo em vista o caráter absolutamente prioritário da área educacional. Para piorar as coisas, o ministro, talvez inspirado pelo guru da Virgínia, parece inclinado a atacar moinhos de vento, leia-se o “marxismo cultural”, e mais precisamente as ciências humanas. Ora, a última coisa que um governo pressionado por uma agenda econômica urgente e inexorável deve fazer é se imiscuir em questões culturais ou em pautas valorativas e comportamentais. Nessa área, nosso país é manifestamente diversificado e conflituoso. Equacionar os pontos de atrito que aí surjam e eventualmente ganhem corpo é função da sociedade ou, em casos mais difíceis, do Congresso Nacional, no limite mediante convocação de plebiscito.
Seria um alívio ver o ministro Weintraub se debruçar sobre os problemas realmente críticos do setor. Não me refiro ao gasto público. Como proporção do PIB, o gasto educacional brasileiro é bastante alto. Mas os resultados permanecem pífios. O ponto nevrálgico, que requer ação sistemática e urgente, é a formação dos professores, notadamente para o segundo grau. Melhorá-la muito, rapidamente e a baixo custo: eis o desafio sobre o qual o ministro já deveria estar refletindo.(O Estado de S. Paulo – 11/05/2019)