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Linha histórica

1922 - A Aposta na revolução mundial

O nascimento do PCB, em março de 1922, foi conseqüência natural da formação do proletariado e do desenvolvimento de suas lutas no Brasil, iniciadas na segunda metade do século 19, e ocorre em função da implantação da indústria no Sudeste. Sua fundação respondeu a uma exigência do movimento operário que já mostrara a carência de um partido político operário revolucionário. 

Seu objetivo, publicado no Movimento Comunista, periódico nacional mensal do partido, era “atuar como organização política do proletariado e também lutar e agir pela compreensão mútua internacional dos trabalhadores. O partido da classe operária é organizado com o objetivo de conquistar o poder político pelo proletariado e pela transformação política e econômica da sociedade capitalista em comunista”.

Como se sabe, as condições de vida e de trabalho do operariado, em seu período de formação, eram bastante difíceis, com a jornada chegando a 13/15 horas por dia, sem direito a repouso semanal remunerado, aos domingos e feriados, nem direito às férias anuais; não havia contrato de trabalho, nem assistência médica. Para resistir a tudo isso, os trabalhadores começaram a se organizar. Inicialmente nas Associações de Socorro Mútuo, com fins assistenciais e de ajuda mútua em casos de doença, acidentes, velhice etc. Com o passar do tempo, essas associações foram se desenvolvendo e evoluindo para a formação das Uniões e Ligas Operárias que, no início do século XX, deram origem aos sindicatos. Na medida em que a classe operária vai se organizando, as lutas por aumentos de salários e melhores condições de trabalho tornam-se mais freqüentes e sua principal arma é a greve.

Ao lado das organizações sindicais e das lutas econômicas travadas, começam a surgir as organizações políticas. Em 1889, aparece, em Santos, o Círculo Socialista, que elabora o Manifesto Socialista ao Povo Brasileiro, baseado nas idéias de Marx e Engels. No ano seguinte, surge no Rio de Janeiro o Centro das Classes Operárias, que faz movimento pelo direito de greve. Ainda em 1990, o Centro Artístico do Rio de Janeiro transforma-se no Partido Operário. Em Fortaleza, no mesmo ano, surge também, um Partido Operário. Em 1892, realiza-se no Rio o I Congresso Socialista, cujos participantes fundam o primeiro Partido Socialista Brasileiro, de vida efêmera. Em 1897, é lançado manifesto de um novo Partido Socialista Brasileiro, no Rio Grande do Sul. E, em 1902, surge, em São Paulo, o segundo Partido Socialista Brasileiro. Daí em diante, surgiram outros partidos, todos com vida curta.

Em 1906, reúne-se o I Congresso Operário Brasileiro, no Rio, aí se defrontando duas tendências: a anarco-sindicalista, que negava a importância da luta política, privilegiando exclusivamente a luta dentro da fábrica através da ação direta. Repudiava ainda a constituição de um partido para a classe operária e via nos sindicatos o modelo de organização para a sociedade anarquista. A outra tendência era composta pelo socialismo reformista, que buscava a transformação gradativa da sociedade capitalista, lutava pela criação de uma organização partidária dos trabalhadores, e no nível do Estado, utilizava-se da luta parlamentar. Eram, pois, tendências em si bastante distintas, sendo mais forte a dos anarco-sindicalistas.

De 1917 a 1920, houve uma grande quantidade de greves em várias cidades e Estados, como a de São Paulo, que paralisou a capital por completo. Eram lutas mais ou menos espontâneas, isoladas uma das outras. Os trabalhadores foram constatando, na sua experiência de luta, a necessidade de um centro coordenador, uma direção política, que só um partido independente de classe poderia imprimir a todo o movimento. Quebrado o ímpeto combativo das massas, patrões e governantes desencadearam uma onda de terror visando à liquidação do movimento. E, naquele então, tanto o anarquismo como o socialismo reformista – que direcionavam o movimento operário – revelaram-se incapazes de oferecer uma saída aos problemas postos, isto é, transformar as lutas de fundo econômico e as mobilizações espontâneas em um movimento político organizado.

Nesse sentido, começaram a surgir – principalmente em decorrência das repercussões da Revolução Russa no Brasil -, no seio das direções operárias, originárias do anarquismo, a discussão e a formação dos primeiros grupos comunistas que, em março de 1922, realizam um congresso e fundam o PCB. Era a ligação entre lideranças e ativistas do movimento operário com visão política nova que possibilitava o surgimento de um partido verdadeiramente revolucionário.

Em seu período inicial, ele teve uma vida difícil e irregular (em julho, o partido é jogado na ilegalidade), indo aos poucos adaptando-se às duras condições da clandestinidade. E, ao mesmo tempo, travou renhida luta político-ideológica com o anarquismo, que tentava intrigar os comunistas com os trabalhadores ao chamar-lhes de políticos, como se fosse uma pecha de fundo negativista, e condenava o esforço do partido em unificar as ações dos sindicatos qualquer que fosse a orientação ideológica da liderança destes.

Nos dias 16 a 18 de maio de 1923, realizou seu II Congresso, tendo em uma de suas resoluções analisando a situação nacional, baseada “na concepção dualista agrarismo-industrialismo”, luta entre o capitalismo agrário semifeudal e o capitalismo industrial moderno, como sendo a contradição fundamental da sociedade brasileira após a República.

Pelas páginas do jornal A Nação, publicou uma Carta Aberta conclamando as entidades e personalidades políticas a formarem um Bloco Operário para disputar as eleições de fevereiro de 1928, ocasião em que, pela primeira vez, o operariado teria a possibilidade de uma “intervenção direta e independente”. Surgia, assim, a primeira frente única eleitoral, procurando dar unidade à classe operária e baseada também num programa unitário. Em fins de 1927, ainda dentro de uma política frentista, o secretário-geral Astrojildo Pereira segue para a Bolívia a fim de estabelecer contacto com Luís Carlos Prestes, líder da Coluna e uma figura de grande expressão popular, visando coordenar as “forças em vista de objetivos comuns”. Em 1928, o Bloco Operário é transformado no Bloco Operário e Camponês – BOC para ser utilizado como alternativa legal, depois da volta à clandestinidade.

Seu III Congresso reúne-se de fins de 1928 a começos de 1929 e as resoluções aprovadas definem a economia brasileira como pertencendo “ao tipo de economia agrária, semifeudal, semicolonial”, concluindo que “o período atual é um período de luta entre forças internas de expansão, propulsionadas por fatores de natureza diversa, e as forças externas de compressão, sustentadas pelo imperialismo”. Na análise da situação política, observa que “a transição do imperialismo inglês para o predomínio do imperialismo norte-americano, lembrando as seculares ligações de dependência da burguesia agrária e conservadora do Brasil” em relação ao primeiro, e da “burguesia industrial, pretensamente liberal, mais jovem, mais ambiciosa, mais ousada”, em relação ao segundo. Dando continuidade à sua política de unidade sindical, lança-se na tarefa de organizar uma entidade central que unisse todos os trabalhadores brasileiros. Num primeiro momento são criadas Federações Operárias Regionais em vários estados e, em abril, realiza-se o Congresso Sindical Nacional, reunindo 50 organizações sindicais, ocasião em que se funda a Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil.

1935 - Insurreição

Em março de 1930, houve eleições para a Presidência e Vice-Presidência da República, para o Senado e Câmara Federal, e para assembléias legislativas, e o BOC apresentou candidatos comunistas a vários cargos, sofrendo profunda derrota. A partir daí, o PCB absorve e incorpora as teses do VI Congresso da Internacional Comunista, bem como se liga e se subordina de forma mais estreita a ela, ao contrário do que vinha ocorrendo até então, quando ainda preservava uma certa autonomia nacional. Na nova linha política, dois pontos merecem destaque: o primeiro, relativo ao rompimento definitivo da política frentista e o segundo, à proletarização do Partido. A política de frente ampla passa a ser classificada de direitista e o Partido começa a lançar ataques ao prestismo, visto como um movimento da pequena-burguesia. Essa posição estreita acaba levando o Partido ao isolamento e à omissão quando dos acontecimentos que desembocaram no que ficou conhecido como a Revolução de 1930, considerada pelo PCB como “uma quartelada pequeno-burguesa contra o povo” e “para evitar a revolução das massas”. Paralelamente a isso, a proletarização do Partido leva ao obreirismo sectário. No final do ano, depois de uma Conferência Nacional ampliada do Comitê Central, todos os intelectuais são destituídos desse organismo, parte da velha guarda é expulsa, sai ou é rebaixada de posição, sendo substituída por elementos de menor capacidade ou por operários sem experiência de organização. Nesse período, começam a entrar no PCB os antigos “tenentes de esquerda”, que ascendem rapidamente aos cargos de direção, e cuja presença terá conseqüências várias na organização e na atuação política do Partido. Mesmo levando-se em conta a mudança ideológica desses membros, certos elementos básicos da ideologia e tática tenentistas impregnam o novo período de existência dos comunistas.

Com a ascensão do nazismo ao poder na Alemanha (em 1933) e com o avanço do fascismo no mundo, a Internacional Comunista é levada a rever sua linha política de considerar as articulações de frentes democráticas como desvios “direitistas” e, no seu VII Congresso (em 1935), adota a política da Frente Popular contra o fascismo, incluindo comunistas, socialistas, liberais e outros. Essa tática, aplicada no Brasil pelo PCB, deu origem à Aliança Nacional Libertadora (ANL), tendo Luís Carlos Prestes como presidente de honra. O crescimento da ANL chega a assumir proporções grandiosas não só pelo entusiasmo das massas, mas também pelo apoio e adesão de líderes políticos e militares progressistas e de expressão na época. Em julho, ela é ilegalizada por Getúlio Vargas, utilizando o pretexto de um manifesto e discurso de Prestes, que acreditava haver no Brasil uma situação pré-revolucionária e revelava uma tentativa de instrumentalizar a ANL, por parte dos comunistas. Quanto mais se isolava, mais a ANL organizava a rebelião, por meio dos quartéis. No dia 23 de novembro, a insurreição é desencadeada em Natal, através do 21º Batalhão de Caçadores, que assumiu o governo estadual por uns poucos dias; no dia 24, o movimento estoura no Recife, no 29º BC, com os amotinados mantendo a cidade em estado de guerra por três dias, sendo depois desbaratados ou se dispersando pelo interior; e, no dia 27, irrompe no Rio de Janeiro, sublevando o 3º Regimento de Infantaria, na Praia Vermelha, e a Escola de Aviação Militar, sem ao menos conseguir sair às ruas. A insurreição termina em completo fracasso e derrota. Daí em diante, o PCB em particular, e o movimento operário e outros setores progressistas em geral, sofrem violenta repressão, que durará vários anos.

Há um grande número de prisões, entre elas as de Prestes e de sua companheira, a alemã Olga Benário, vários assassinatos, e muita gente se exilando. Por conta da onda repressora, o Partido desarticula-se momentaneamente. Sua nova direção transfere-se para Salvador, juntamente com o jornal A Classe Operária, e começa a reorganizar as direções estaduais. O principal trabalho partidário era não só desenvolver campanha de denúncias contra o golpe de Estado que vinha sendo preparado, mas também tentar construir uma frente comum com outras forças descontentes com Vargas.

Em 1937, surgem candidaturas à eleição presidencial do ano seguinte, já que Getúlio fora eleito primeiro presidente do Brasil sob a nova Constituição, pela Assembléia Constituinte de 1933-34 (o representante dos trabalhadores nela foi o comunista Álvaro Ventura), a qual, no entanto, impedira sua reeleição. Disputam a Presidência da República o governador de São Paulo, Armando de Sales Oliveira, pela União Democrática Brasileira, que proclamava sua fé na capacidade do país em se governar pelo processo democrático; o antigo tenentista, romancista e político da Paraíba, José Américo de Almeida, pela Aliança Liberal, porta-voz de medidas nacionalistas autoritárias; e o integralista Plínio Salgado, pelo Partido de Representação Popular (versão brasileira do nazi-fascismo). O problema do apoio a um dos dois primeiros candidatos provoca divergências dentro do PCB. Surgem duas posições e ganha a favorável ao paraibano, provocando a cisão de um grupo liderado por Hermínio Sacchetta, que depois aderiria ao trotskismo. No dia 10 de novembro, Vargas dá um golpe contra as instituições e explica que o Brasil devia deixar de lado a “democracia dos partidos” que “ameaça a unidade pátria” e instituir um “regime forte, de paz, justiça e de trabalho”. Implantava-se assim o Estado Novo, regime atrabiliário que se manteve até 1945.

1950 - Guerra popular

Depois de uma fase difícil e de atuação política limitada individualmente a militantes, o Partido começa, a partir de 1942, a se reorganizar e a reaparecer no cenário nacional, ao lado de outras forças liberais e democráticas. Intensificam-se os movimentos reivindicatórios, e o Brasil entra, em 1943, na guerra mundial ao lado dos aliados contra o nazi-fascismo. Realiza-se, em agosto desse ano, no interior do Estado do Rio, a Conferência da Mantiqueira, que se constitui passo decisivo para a reorganização nacional do partido. Além de aprovar várias resoluções políticas, a Conferência traçou a linha de luta “pelo apoio irrestrito à política de guerra e ao governo que a realiza” assim como a pressão e a crítica no sentido de aberturas democráticas, e elegeu uma nova direção nacional, tendo como seu secretário-geral, mesmo ausente pois ainda preso, Luís Carlos Prestes.

A evolução política que se foi processando no país, fora e mesmo dentro do governo, facilitava e fortalecia a posição e a ação do PCB. Nesse processo de acumulação de forças, o movimento democrático chega ao auge. Em abril, é conquistada a anistia que, embora limitada, liberta todos os presos políticos, e a plena liberdade de organização partidária, inclusive para os comunistas. Após 23 anos de luta, quase sempre clandestino, o PCB, em pouco tempo, passa de uns poucos milhares de membros para quase 200 mil. O clima político no país e no Partido propicia o retorno às fileiras partidárias de muitos divergentes, como Caio Prado Jr. e Astrojildo Pereira.

Graças ao extraordinário desempenho nas eleições de dezembro de 1945, nas quais o seu candidato a presidente da República, Yeddo Fiúza, obtém cerca de 10% do total de votos, ficando em terceiro lugar, o PCB tem papel de destaque na Assembléia Nacional Constituinte, com uma bancada composta do senador Luís Carlos Prestes e 14 deputados federais (Jorge Amado era um deles). Suas posições eram principalmente na defesa dos interesses dos trabalhadores, advogando o direito de greve, liberdade e autonomia sindicais etc. Em março, a situação internacional começa a sofrer alterações com o início da Guerra Fria, entre EUA e URSS, iniciando-se um longo período de perseguição aos comunistas. O Governo Dutra e diversos setores das classes dominantes tudo fazem para isolar e barrar o crescimento do Partido, que se manifesta, sobretudo, na conquista da hegemonia do movimento sindical, seja no Movimento de Unificação dos Trabalhadores – MUT, cujo objetivo era inserir os sindicatos e o movimento operário na política geral, seja na Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil – CGTB, e na influência junto a amplos setores da intelectualidade. Ainda nesse ano, o governo proíbe a existência do MUT, ao tempo em que decreta a intervenção nos sindicatos e a suspensão das eleições sindicais.

Mesmo sofrendo uma desonesta campanha, por todos os meios possíveis, em que eram acusados de “dirigidos por uma potência estrangeira”, “teleguiados de Moscou”, “espiões soviéticos” etc, nas eleições estaduais de janeiro de 1947, os comunistas confirmam sua votação anterior, elegendo um número razoável de deputados em vários estados, além de obter uma grande votação nas eleições municipais. No dia 7 de maio, manifestando-se sobre denúncia do deputado Barreto Pinto, o Tribunal cassa o registro do PCB, acusado de ter dois estatutos, de se denominar Partido Comunista do Brasil e não Brasileiro, de utilizar símbolos internacionais (foice e martelo) etc. A partir desse momento, amplia-se a perseguição, suspendendo o funcionamento da UJC, fechando as sedes partidárias, apreendendo seus arquivos e fichários, demitindo todos os funcionários públicos suspeitos e decretando o fechamento da CGTB.

No dia 7 de janeiro de 1948, os parlamentares do PCB têm seus mandatos cassados, e a polícia invade e depreda as redações de mais de uma dezena de jornais comunistas, nas principais capitais brasileiras. O Partido é jogado na clandestinidade. No seu Manifesto de Janeiro, o PCB começa a esboçar nova linha política, influenciada pela difícil realidade interna do país e pela estreiteza das concepções da Agência de Informação dos Partidos Comunistas – Cominform, criada no ano anterior, em Moscou. Nesse documento, dentre outras coisas, condenam-se “as grandes ilusões reformistas em conquistas (…) dentro dos estreitos limites da democracia burguesa” e propõe-se uma “revolução agrária e antiimperialista”.

A nova tática política do Partido seria reelaborada, de forma mais radical, no Manifesto de Agosto de 1950. Ela vai se enrijecendo, tornando-se cada vez mais estreita, sectária e voluntarista. Depois de descrever a situação de crise no país e considerar o Governo Dutra de traição nacional, o PCB convoca a organizar-se uma Frente Democrática de Libertação Nacional, cujo braço armado é um exército popular, capaz de substituir “a ditadura feudal-burguesa, serviçal do imperialismo, por um governo revolucionário”. Ao lado da política sectária e voluntarista, os comunistas desenvolveram outras atividades de massa com aspectos bastante positivos. Exemplo disso foram as importantes campanhas pelo monopólio estatal do petróleo, contra o envio de soldados brasileiros para a guerra da Coréia, pela paz mundial, contra a carestia etc.

1958 - O caminho da democracia e as reformas de base

No início dos anos 50, apesar da política geral do Partido ser muito estreita, os comunistas retornam à atividade sindical em aliança com os getulistas e organizam os assalariados rurais em sindicatos. Essas atitude e forma de atuação são reafirmadas na Resolução Sindical de 1952, que introduziu novas e importantes correções na atividade sindical, cuja orientação anterior era abandonar e combater os sindicatos legais tidos como pelegos e que estariam a serviço dos patrões, e criar sindicatos paralelos, combativos e revolucionários. Essa nova postura começa a dar frutos, como a greve de 300 mil operários de várias categorias, que durou 26 dias, em 1953, e a realização da I Conferência Nacional de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, ambas em São Paulo.

As greves e outras ações operárias e sindicais lançam as bases para a constituição do Pacto de Unidade Intersindical – PUI, que chegou a contar com 100 sindicatos e que em 1954, dirigiu uma greve geral contra a carestia, na qual se envolveram cerca de 1 milhão de trabalhadores. Nisso tudo os comunistas têm participação fundamental, tanto na iniciativa como na direção. No entanto, a linha política sectária continuava viva. Tanto isso é verdade que, na manhã do dia 24 de agosto, enquanto o país é sacudido pelas notícias do suicídio de Vargas, o jornal pecebista A Imprensa Popular traz a manchete: Abaixo o Governo de Traição Nacional. Poucos meses depois do impacto do suicídio do presidente, o PCB realiza o seu IV Congresso (de 7 a 11 de novembro), no qual se efetivam poucas e tímidas reformas na linha política.

A perplexidade que envolve o Partido com a morte trágica de Getúlio e os fracassos nas eleições parlamentares e de governadores evidenciam que as coisas não podem continuar do jeito que estão. E as repercussões começam a aparecer, em 1955, quando o PCB apóia a candidatura de Juscelino Kubitschek à Presidência da República. No ano seguinte, vem uma nova sacudida no partido, graças aos fatos que envolvem o histórico XX Congresso do PCUS, no qual o secretário-geral do Partido e primeiro-ministro da União Soviética, Nikita Khruschev, lê o seu relatório secreto denunciando o “culto à personalidade” e fazendo sérias acusações a Stalin, o todo-poderoso dirigente soviético que falecera em 1953.

Fruto de um processo de análise e audacioso debate das realidades brasileira e internacional, dos seus próprios problemas internos acumulados durante vários anos, e do impacto e dos desdobramentos do XX Congresso, o PCB começa a viver um rico período de amadurecimento cujos elementos centrais são a busca de uma linha política que corresponda à nova realidade do país e do mundo e de considerar a importância da questão democrática, no seio do partido e numa sociedade autoritária como a nossa. Dentro dessa visão autocrítica, o Comitê Central aprova a Declaração de Março, na qual salienta que o processo histórico de desenvolvimento do capitalismo no Brasil favorece a luta pela democracia e que se impunha formar uma frente única ao mesmo tempo nacionalista e democrática, pois nossa revolução era antiimperialista e antifeudal. O documento defende o caminho pacífico para a democracia, e rejeita o desvio da insurreição armada. Trata-se de um primeiro ajuste de contas do PCB com o stalinismo, com seus dogmas, seu taticismo, suas concepções instrumentalistas, seu sistema mandonista.

Pouco mais de dois anos após a elaboração de sua nova política, e depois de quatro meses de intensos e livres debates, o Partido realiza, em setembro de 1960, em pleno centro do Rio de Janeiro, o seu V Congresso, de forma aberta embora não-legal, no qual são reafirmadas e desenvolvidas as concepções da Declaração de Março. É inegável que, a partir daí, os comunistas passam a se inserir de forma mais ativa na sociedade brasileira.

O Partido realiza, no ano seguinte, uma Conferência Nacional, em que aprova novo estatuto alterando o nome de Partido Comunista do Brasil para Partido Comunista Brasileiro, além de não fazer mais referências à ditadura do proletariado. Eis que um grupo de dirigentes – Arruda Câmara, João Amazonas, Ângelo Arroio, Pedro Pomar, Maurício Grabois, dentre outros – que havia ganho notável expressão no CC, de meados dos anos 40 ao fim dos anos 50, sendo responsável pela elaboração de sua linha política e pelos desmandos autoritários na atividade partidária, considera que as alterações propostas na Declaração de Março e no V Congresso equivaliam ao abandono do marxismo. E, no ano seguinte (1962), criam um novo partido, o PCdoB, cujo programa político é bastante parecido com o do Manifesto de Agosto e do IV Congresso, tendo como objetivo a implantação de um “governo popular”, por meio da “luta armada”. Também reiniciam a recuperação do dogmatismo stalinista, agora colocando o líder revolucionário chinês Mão Tse Tung, como figura central do seu culto político.

Desde 1960, intensifica-se no país o processo de avanço das forças democráticas e populares, numa evidente tomada de consciência que se expresssa na ação direta por interesses específicos e por reformas econômicas, políticas e sociais (controle dos investimentos estrangeiros, reforma agrária, democratização da estrutura sindical e melhoria das condições de vida para os trabalhadores), e no aumento de sua organização. A dinâmica imprimida à sociedade civil por essa luta, principalmente depois da renúncia do presidente Jânio Quadros e da batalha popular pela garantia da posse do vice-presidente João Goulart, em 1961, tem uma projeção direta no programa e na ação do governo. Neste processo visando transformar e renovar em profundidade a estrutura do país, o PCB tem papel fundamental, conquistando por vezes a direção política do mesmo, graças ao seu desempenho em todos os setores da vida política nacional, principalmente nos movimentos operário e camponês, mas atingindo também a intelectualidade, o movimento estudantil e até setores das Forças Armadas.

Paralelamente ao avanço do Partido e das demais forças nacional-populares, os conservadores, reacionários e direitistas, tendo como base setores da burguesia industrial e agrária, os representantes dos interesses estrangeiros, setores da classe média, militares e da Igreja começam a sentir-se ameaçados em seus interesses e atemorizados com o crescimento do movimento democrático e popular, põem-se a conspirar e a organizar a reação. Para agravar ainda mais a situação, a partir de 1962, o país entra numa violenta crise econômica, com conseqüências no processo político, e que são aproveitadas pelas forças golpistas. Por outro lado, certas forças radicalizam o processo de mudanças, pressionando o governo a realizar as reformas.

Nesse sentido, os trabalhadores são incentivados a tomarem terras, a fazerem greves seguidas e a realizarem grandes atos de repercussão, procurando dar demonstrações de força. Nessa onda de radicalização, o PCB acaba, muitas vezes, indo a reboque e conciliando com forças radicais e golpistas, representadas então por Leonel Brizola, Francisco Julião, Ação Popular (AP), Política Operária (Polop) etc, embora tenha também, em alguns momentos, combatido o esquerdismo, o baluartismo e o golpismo dessas forças.

1964/1985 - Frente democrática

No início de 1964, verifica-se um acirramento da luta política, com o enfraquecimento rápido das bases do governo, fato que não é contrabalançado pelo crescimento do respaldo popular. Esse apoio é dificultado por vários fatores, inclusive pela posição equivocada de setores que acham ser sua principal tarefa a criação de dificuldades ao governo, na vã ilusão de que é possível se avançar muito mais, ao invés de denunciar e combater o inimigo que febrilmente prepara o golpe de Estado. Finalmente, na madrugada de 1º de abril, consuma-se a derrubada pelas armas do governo constitucional de João Goulart, estando o povo desarmado politicamente para enfrentar os golpistas. Implanta-se uma ditadura apoiada na força militar e na repressão policial, no autoritarismo e na coação. A partir daí, dirigentes e militantes do PCB, assim como de outras forças políticas e sociais, passam a ser ferozmente perseguidos, presos, torturados ou assassinados, e suas organizações sofrem intervenção.

Na sua primeira reunião plenária, após o golpe, em maio, no estado de São Paulo, o Comitê Central, em profunda clandestinidade, aprova uma Resolução Política pela maioria dos 32 dirigentes presentes com a tática de, por meio do movimento de massas, “isolar e derrotar a ditadura e conquistar um governo amplamente representativo das forças anti-ditatoriais”. Nesse encontro, os dirigentes descontentes que foram derrotados passam a atacar, com violentas críticas, a política seguida após o V Congresso, e a assumir atividades fracionistas.

As Teses para Discussão do VI Congresso, lançadas em 27 de março de 1964, pelo semanário Novos Rumos, são reelaboradas pelo CC, pois tinham perdido atualidade em vários de seus aspectos, com o golpe de 1º de abril. Essas teses representam nova derrota política para os dirigentes e militantes descontentes. As divergências acirram-se e no encarte de A Voz Operária, Tribuna de Debates, que circulou clandestinamente no 2º semestre de 1966 e no 1º semestre de 1967, “passaram à ofensiva os comunistas que fetichizavam a luta armada como remédio para o “oportunismo” da linha do V Congresso, preconizando a criação de um “foco guerrilheiro” e a adoção de uma plataforma socialista revolucionária”. Outro tema que polariza os debates é a avaliação das causas da derrocada de abril. Num extremo, colocam-se os que afirmam que a derrota fora fruto de erros de “direita”, isto é, do “reboquismo” em relação à burguesia, do “pacifismo”, da não preparação da resistência militar ao golpe, do reformismo da linha política. No outro extremo, fica a maioria dos dirigentes e militantes, que constata que os equívocos cometidos e que levaram à derrota se deveram à má apreciação da correlação de forças e à subestimação da capacidade de reação da burguesia, ao golpismo, à pressa pequeno-burguesa que via a vitória como fácil e imediata, ao desprezo pela legalidade democrática, ao baluartismo e ao subjetivismo – fenômenos que, no conjunto, levaram ao abandono da linha política e contribuíram para a derrocada. A luta interna foi se tornando cada vez mais forte e o fracionismo ganhando corpo dentro do partido. E a direção do PCB, para não perder o controle das suas atividades no cumprimento de suas resoluções, é obrigada a intervir e destituir comitês, expulsar dirigentes e militantes, os quais passam a organizar diversos grupos e a procurar pôr em prática suas concepções políticas. Dessas dissidências surgem a Ação Libertadora Nacional – ALN, de Carlos Marighella; o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário – PCBR, de Mário Alves, Jacob Gorender e Apolônio de Carvalho; e o Movimento Revolucionário 8 de Outubro – MR-8, de José Dirceu.

Em dezembro de 1967, na clandestinidade, realiza-se o VI Congresso, que reafirma e desenvolve a linha política do congresso anterior. Em sua Resolução Política caracteriza que o golpe “deu início a um novo processo político no país”, modificando “profundamente a forma estatal de poder, com danos incontáveis para os interesses da maioria do povo e do conjunto da nação”. Estabelece a tática a ser seguida, ressaltando que a tarefa mais imediata é a luta contra a ditadura, a fim de isolá-la e derrotá-la, e assim conquistar as liberdades democráticas. Para tanto, é necessária a constituição de uma frente única de todos aqueles que lutam pela democracia no país. É aí que os comunistas propõem a luta pela anistia política, pelas liberdades de organização e de expressão, pelas eleições diretas em todos os níveis e pela convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte.

A ação política do PCB, de 1968 a 1972, é dedicada a pôr em prática as Resoluções do seu VI Congresso. No entanto, encontrará imensas dificuldades para isso. Por um lado, sobretudo após a imposição do AI-5 e a abolição dos últimos resquícios de liberdades democráticas acompanhada de violentíssima repressão. Por outro, ao enfrentar as pressões das organizações esquerdistas, que se utilizam dos “focos de guerrilha” e de “atos audaciosos” (assaltos a bancos, seqüestros, roubos de armas em quartéis etc) como forma de luta contra a ditadura.

Nos primeiros anos 1970, praticamente recomposto dos golpes sofridos, o Partido intensifica sua ação política, engajando-se na campanha eleitoral de 1974, nas fileiras do MDB, tendo papel destacado na grande vitória obtida, em outubro. Porém, sofre a partir daí novos e rudes golpes por parte da repressão, tendo grande número de dirigentes e militantes presos, torturados e alguns assassinados. Vários membros do CC foram seqüestrados e mortos, o que obriga a direção (pequena parte dela apenas fica no país) a exilar-se, como única forma de poder contribuir para dar continuidade à política de unidade de todas as forças na luta pelas liberdades democráticas, “o que exige a consolidação das vitórias obtidas e sua ampliação”.

Justamente no momento em que o PCB recompõe suas forças e começa a reaparecer na vida política, por meio do Centro Brasil Democrático, organismo político amplo presidido pelo arquiteto Oscar Niemeyer, e coordenado por Renato Guimarães, surge inesperadamente o desencadeamento de uma acirrada luta interna no seio da direção no exterior. Em 1979, beneficiada pela anistia, a direção volta do exílio trazendo consigo uma série de divergências, partidas de seu secretário-geral e mais alguns dirigentes e militantes, que passam a um conflito aberto com o Comitê Central. A luta chega ao auge, quando Luís Carlos Prestes lança, em março de 1980, a sua Carta aos Comunistas, na qual faz violentos ataques e uma série de acusações ao CC, além de propor de forma genérica e não explícita uma mudança na linha política. Para Prestes, o Partido não estava “exercendo um papel de vanguarda”, a reação estava tentando transformar o PCB “num partido reformista, desprovido do seu caráter revolucionário”. Nesse mesmo dia, a direção lança o semanário A Voz da Unidade, que cumpriu importante papel de divulgação das idéias e propostas dos comunistas, durante vários anos, e se constituiu em instrumento de debate e de estímulo a ações políticas, sociais e culturais da sociedade brasileira. Por meio de suas páginas, em maio de 1980, o CC aprova documento respondendo às críticas de Prestes e reafirmando a linha política do VI Congresso. O principal agora – ressaltava – é a luta contra o regime ditatorial, pela sua derrota e pela conquista das liberdades democráticas, e indica para isso a estrada da ação das grandes massas, especialmente da classe operária, da unidade de todas as forças políticas e oposicionistas e com o uso de todas as formas legais de luta, inclusive as eleições. Destaca que essa “alternativa vem sendo vitoriosa”, mostrando que “os militantes do PCB não ficaram a reboque do processo político”. Nessa mesma reunião, a esmagadora maioria do Comitê Central, face às recusas de Prestes em comparecer às sessões do órgão para participar de seus trabalhos e discutir as divergências, declarou vaga a Secretaria Geral, e, em cumprimento dos estatutos, elege Giocondo Dias para preencher o cargo.

Em maio de 1981, o Partido lança as Teses para um Debate Nacional de Comunistas pela Legalidade do PCB. Dos debates, divulgados pela Voz, entre setembro de 1981 a fevereiro de 1982, deriva uma proposta orgânica de orientação política, Uma Alternativa Democrática para a Crise Brasileira, que o Encontro Nacional de Comunistas, iniciado em dezembro de 1982 e interrompido pela Polícia Federal, que prende todos os seus participantes, tem prosseguimento clandestinamente ao longo de 1983 e concluído em janeiro de 1984, aprova quase que por unanimidade. Este VII Congresso elege um novo Comitê Central e na sua Resolução Política mantém as linhas mestras da política desenvolvida a partir de 1958, reelaborando e avançando em algumas questões. Preserva a tática de frente democrática, rompe com os resquícios do nacionalismo libertador, invertendo a velha fórmula estratégica do caminho da revolução brasileira que era desde a década de 30 calcada na concepção nacional e democrática, para democrática e nacional.

1985/2002 - Radicalidade democrática

Com a derrota no Congresso Nacional da emenda que se apoiava na campanha de rua pelas “diretas já”, exigindo eleições pelo voto popular para a Presidência da República, que congrega, durante todo o ano de 1984, nas principais cidades brasileiras, multidões consideráveis, o pleito indireto ocorre em janeiro de 1985. O PCB é o único partido de esquerda a apoiar a disputa mesmo no terreno espúrio imposto pelo inimigo, o Colégio Eleitoral, composto por senadores e deputados. Tancredo Neves, do PMDB, tendo como vice José Sarney, que rompera com o PDS, do qual fora presidente, liderou a Aliança Democrática, que vence Paulo Maluf. A vitória, embora pelo voto indireto, é recebida entusiasticamente e, de certa forma, referendada pelo povo. Com a morte inesperada de Tancredo antes mesmo de ser empossado, Sarney assume a presidência, em abril. Graças à luta dos comunistas e dos democratas, o PCB ganha a sua legalidade no dia 8 de maio daquele ano.

Pela primeira vez, o Partido faz um seu congresso, o VIII, em plena legalidade. Ele é extraordinário e realizado em Brasília, nos dias 17 a 20 de julho de 1987, contando com a presença de delegados de todos os estados. Trata-se de um momento rico para a política e a história do país, pois a Constituinte desenvolvia seus trabalhos, a crise econômica já ganhava contornos de gravidade e as lutas sociais ganhavam as ruas. Nesse Congresso, são discutidas as tarefas e exigências do período de transição democrática, tendo o partido apontado caminhos para o aprofundamento das conquistas. Salomão Malina é eleito para substituir Giocondo Dias, que se encontra enfermo, na Presidência do PCB. É um encontro dos mais democráticos e que permite uma grande renovação de direções, em todos os níveis.

A bancada do PCB na Constituinte, apesar de contar com apenas três parlamentares (deputados Augusto Carvalho, Fernando Sant’Anna e Roberto Freire), é tão ativa e articulada, e oferece tal nível de colaboração, que “valia como se tivesse trinta membros”, como disse o deputado Ulisses Guimarães, presidente da ANC. O Partido foi um dos pouquíssimos a apresentar proposta completa (em forma de livro) sobre as principais questões que seriam analisadas e discutidas pelos constituintes, e este é um diferencial. Por sua vez, o líder Roberto Freire, como membro da Comissão de Sistematização, contribuiu, de forma decisiva, para o encaminhamento e aprovação de vários capítulos. Destaque-se também que, na esquerda, o PCB é o único que se manifesta positivamente pela aprovação da nova Carta, mesmo reconhecendo nela algumas deficiências. Alguns dos partidos, como o PT, chegam a ser veementes na condenação do novo texto constitucional, a ponto de ameaçarem não assiná-la e até rasgá-la em praça pública.

Na primeira eleição presidencial no Brasil, pelo voto direto, após a ditadura militar (28 anos depois, portanto), em 1989, o PCB audaciosamente lança candidato próprio. É a oportunidade de apresentar-se aos brasileiros, mostrando suas idéias e propostas, e diferenciando-se dos demais partidos de esquerda. Dessa forma, o partido ganha maior visibilidade e pode mostrar a qualidade da cultura política de que é portador, ao tempo em que revela uma nova e moderna liderança nacional – o deputado Roberto Freire. No segundo turno, apóia a candidatura de Luís Inácio Lula da Silva, do PT. Por uma série de fatores, dentre os quais a dificuldade do PT em costurar alianças mais amplas, por força de uma visão hegemonista ultrapassada, Fernando Collor ganha a eleição.

O PCB, que desde a primeira hora do governo Collor, demonstra sua postura oposicionista diferenciada do restante da esquerda, é duro adversário da política ao fazer severas críticas ao PT e aos demais partidos oposicionistas por terem criado uma espécie de Governo Paralelo, como se estivéssemos num regime parlamentarista. Na verdade, tratava-se de uma iniciativa bastante equivocada, pois tentava desconsiderar a existência de um governo legal e legítimo, produto da maioria dos votos dos brasileiros.

A renovação interna que o Partido vinha discutindo ganha uma dinâmica maior com a queda do muro de Berlim e a derrocada do “socialismo real” no Leste europeu. As divergências da corrente renovadora com a conservadora, no seio do partido, manifestam-se desde a Tribuna de Debates, passando pelos encontros preparatórios nas cidades e estados, até desembocarem no IX Congresso, em junho, no campus da UFRJ. Sua Resolução Política, aprovada por expressiva maioria, traz a marca da renovação, rompendo com concepções dogmáticas e superadas pela realidade. A viragem aí iniciada lembra em muito o ocorrido em 1958. Indicado pelo veterano Salomão Malina, o então deputado Roberto Freire é eleito o novo presidente nacional do PCB, tendo a chapa por ele liderada disputado com duas outras, uma encabeçada pelo arquiteto Oscar Niemeyer e outra pelo vereador gaúcho Lauro Hageman, que obtêm respectivamente 54%, 36% e 10% dos votos. Assim, pela primeira vez, a votação para o novo Diretório Nacional é proporcional aos votos obtidos por cada chapa e secreta, e não mais uninominal, com voto aberto.

Além do avanço crescente das idéias e propostas renovadoras que os principais dirigentes do Partido assumem publicamente e que se chocam com a estrutura orgânica defasada, há nos meios de comunicação uma sistemática campanha de desmoralização dos comunistas, sem falar que a convivência interna entre os setores renovadores e os que resistem a enfrentar as mudanças dificulta o encaminhamento da rica e audaciosa Resolução Política do IX Congresso. Ressalte-se ainda que lideranças de outros partidos e mesmo sem partido aproximam-se do PCB, identificando-se com sua política. É assim que a nova direção pecebista, com amplo respaldo das direções estaduais, decide convocar o X Congresso, extraordinário, para janeiro de 1992, em São Paulo, o qual dando seqüência às profundas mudanças iniciadas, altera o nome e a sigla de Partido Comunista Brasileiro – PCB para Partido Popular Socialista – PPS. Setenta e dois por cento dos delegados escolhidos em todo o país chancelam nos encontros preparatórios a decisão aprovada por 71% dos membros do Diretório Nacional, quando definem a convocação do encontro extraordinário. O nome PPS recebe 58% dos votos e o do Partido Democrático de Esquerda – PDE alcança 38%. O PCB é o primeiro PC no continente a mudar radicalmente sua política, sua estrutura orgânica e sua simbologia.

1993 se inicia com o vice-presidente Itamar Franco assumindo definitivamente a Presidência da República, após o impeachment de Fernando Collor, processo concluído no Congresso Nacional, no dia 30 de dezembro de 1992. O PPS, que apóia de imediato o novo governo, compreendendo que ele não possuía nada com o anterior, é convidado, na pessoa do deputado Roberto Freire, seu dirigente máximo nacional, a dele fazer parte, no papel de líder da bancada do governo na Câmara Federal. Exceção do PT e do PDT, a esquerda e o centro passam a ter papel destacado na nova conformação do poder. O PPS intenta atrair setores petistas para reforçar as bases governistas, de que é maior exemplo a ex-prefeita Luiza Erundina e a ex-deputada federal Irma Passoni, as quais entendem a importância de se construir um governo de ampla coalizão e ter no seu núcleo um bloco de centro-esquerda. Ameaçadas de expulsão do PT, recuam em suas pretensões. E o país muito perdeu com essa atitude da direção petista. Em abril desse ano, realiza-se o plebiscito sobre forma e sistema de governo, por meio do qual os brasileiros puderam, mesmo que sem a mobilização e o nível de discussão desejáveis, conhecer as opiniões e manifestar-se em favor da república ou da monarquia, do presidencialismo ou do parlamentarismo. As forças de esquerda e de centro, uma vez mais, se dividem: PT, PDT, PSB, e PMDB são favoráveis ao presidencialismo vitorioso; o PSDB, PPS e PCdoB lutam pelo parlamentarismo. Outra batalha política curiosa e estranha é a da revisão constitucional, colocada no texto da Carta de 1988 por exigência dos partidos de esquerda, particularmente o PT. Quando veio o tempo para revisão, apenas o PPS se mantém favorável, todos os demais partidos de esquerda se colocam frontalmente contra alterar o texto constitucional.

No ano da eleição presidencial de 1994, o PPS continua insistindo na construção de um bloco de centro-esquerda, o único capaz de ganhar a eleição no processo sucessório de Itamar e realizar as reformas que o país reclama. As articulações com o PT, de um lado, e o PSDB, do outro, por razões as mais diversas, não redundam na necessária unidade dessas decisivas forças. O Partido, em sua convenção nacional, decide apoiar a candidatura da Frente Brasil Popular, encabeçada por Lula, embora tendo divergências claras e explícitas quanto à estreiteza da frente política e no tocante à condução da campanha eleitoral, principalmente no grosseiro erro de subestimar e até mesmo ridicularizar o Plano Real e seus alcances para a economia e para o povo brasileiro. Fernando Henrique elege-se, logo no primeiro turno, com razoável diferença de votos.

De 25 a 28 de abril de 1996, o PPS realiza o seu XI Congresso, no Rio de Janeiro, com um balanço bastante positivo após a mudança de nome. O Partido havia incorporado milhares de novos filiados e estava organizado em todo o país, sendo reconhecido como um ativo participante da cena política brasileira. Em sua Resolução Política, coloca-se no campo da oposição ao governo Fernando Henrique, mas sem abrir mão de “sua responsabilidade de lutar por avanços e conquistas democráticas, agora e já”. Depois de denunciar “a crescente submissão do governo democrático de FHC a uma base de sustentação política, majoritariamente fisiológica e conservadora, insensível às reivindicações da maioria da população e também às conquistas da modernidade” e propor que o governo “precisa fazer uma inflexão nesta sua perigosa caminhada”, o PPS declara que “a esquerda não pode omitir-se deste debate e desta responsabilidade” e “reforçar uma lógica oposicionista destituída de potencial transformador”. O Partido procura convencer a oposição de que, heterogêneo como era o governo, se ela agisse corretamente poderia reforçar os seus setores democráticos e progressistas e fazê-los avançar para uma política de interesse do país. Porém, uma vez mais, o PPS não foi ouvido nem considerado.

Um fato novo na vida política brasileira é o processo de aproximação, em 1997, entre o PPS e o ex-ministro Ciro Gomes. Atento à movimentação do ex-governador do Ceará, o senador Roberto Freire, além de um longo artigo em grande jornal de circulação nacional sobre o que havia de novidade em elaboração no continente e no país, inicia contactos pessoais com Ciro, a respeito dos seus projetos futuros. Entre eles revelam-se vários pontos de convergência e, como é natural, algumas divergências. Ao analisarem o quadro partidário da época, constatam que o Partido Socialista Brasileiro poderia ser, junto com o PPS, um dos eixos para a construção do bloco de centro-esquerda capaz de tornar-se uma alternativa de poder, na disputa presidencial do ano seguinte. Diante dos empecilhos que começam a ser colocados para a entrada de Ciro no PSB, a partir da própria direção estadual do Ceará e de algumas lideranças nacionais dos socialistas, Freire convida o ex-governador do Ceará para um encontro formal com a direção nacional do PPS, para que ambos se conhecessem nas idéias que professam e nos projetos que alimentam. Com a crescente identidade revelada em outros encontros com dirigentes e militantes, ao lado da ampliação das dificuldades no PSB, define-se a saída de Ciro Gomes do PSDB, partido do qual foi fundador, para o PPS, o que ocorre no dia 27 de setembro.

O XII Congresso, realizado de 16 a 19 de abril de 1998, em Brasília, reúne mais de 800 delegados de todos os estados brasileiros. Chamado de o congresso da maturidade e da consolidação do partido, ele aprova Resolução Política que após destacar que “o PPS tem seu referencial programático e prático expresso em uma política que compreende o caminho do socialismo como conseqüência do fortalecimento e radicalização da democracia, da sua expansão a todas as esferas da vida social e da intensificação da revolução técnico-científica”, reafirma a necessidade de “uma nova agenda democrática e de se constituir um novo bloco político” de centro-esquerda, capaz de “romper a lógica bipolar da política brasileira” (de um lado, forças de direita e do centro, e, do outro, a esquerda isolada), a qual “bloqueia o desenvolvimento da democracia e a realização das reformas do Estado e sociais”. Ao final, “o PPS apresenta à nação a candidatura de Ciro Gomes à Presidência da República”, dirigindo-se aos demais partidos “para um amplo debate”, pois um programa de novas perspectivas para o país “precisará contar com um governo que disponha de grande apoio na sociedade, isto é, um governo de ampla coalizão democrática, que expresse o acordo de todas as forças nacionais interessadas na reorientação da economia e do quadro social”.

Fazendo um balanço das eleições de outubro de 1998, o Diretório Nacional se reúne em novembro (dia 15) e lança a resolução Superar a crise e avançar nas reformas democráticas. Nela analisa a crise mundial e os seus rebatimentos no Brasil. Sobre o pleito, constata que “ainda que se considerem o poder econômico, o uso da máquina pública, o cerceamento ao debate, as pressões multilaterais, a manipulação, a fraude e o largo emprego da mídia da contra-informação, as forças de centro-esquerda deram um novo e razoável passo à frente”. Frisa ainda que as eleições “demonstram como é necessária uma ampla reforma política no país, para democratizar o processo eleitoral, tornando mais equânime a expressão das diversas candidaturas, fortalecendo ainda a prática do contraditório em todos os níveis, inclusive nos meios de comunicação de massas”. Enfatiza, em certo trecho: “O PPS está convencido de que não se podem dissociar soluções políticas e soluções econômico-sociais: o desenvolvimento da democracia brasileira vincula-se estreitamente a uma nova relação Estado/Sociedade Civil (com destaque a uma maior participação da cidadania) e à reorientação da sua economia, equacionando-se as dívidas interna e externa, salvaguardando-se os interesses nacionais, mantendo-se a estabilidade monetária sobre novas bases, desconcentrando-se a renda e a propriedade, desconcentrando-se a renda e a propriedade (…)”

Em março de 1999, o Partido lança documento no qual, após condenar palavras de ordem e ações partidárias e sociais, de natureza golpista (tipo “fora FHC”, “antecipação de eleições”), envolvendo todos os partidos de esquerda, conclama, mais uma vez, estas forças e as de centro a celebrarem um Diálogo Nacional, “movimento de convergência que possa gerar um projeto de desenvolvimento nacional e um novo bloco político democrático, capaz de obter sucesso nas eleições municipais de 2000 e de abrir espaços para uma vitória consagradora em 2002”. No final do ano, o Partido promove Encontro Nacional e lança o Manifesto pela democracia, pelo diálogo e pela esperança, acentuando que “o mundo que abre as portas do século XXI apresenta um quadro contraditório e ainda dominado pelas desigualdades sociais, mas está melhor”; que “o século XXI cria condições favoráveis para se pensar com otimismo o futuro da humanidade. Mesmo assim, enormes desafios como as crises de civilização e ambiental, a exclusão social e a dificuldade de acesso à cultura para milhões de pessoas terão que ser resolvidos”: e que “a Nação brasileira apresenta grandes avanços democráticos e um despertar crescente da importância da cidadania, e não corre o risco do caos e da sua desconstituição. Apesar dos gravíssimos desequilíbrios sociais e regionais, a economia do país oferece muita vitalidade, o que assegura a esperança e a possibilidade da retomada do desenvolvimento sob novos paradigmas”. E conclui o documento “renovando o apelo a todas as forças de oposição democrática a celebrarem o Diálogo Nacional, movimento capaz de formular um projeto de centro-esquerda para o país e escolher, por intermédio de prévias em 2001, um nome para liderá-lo” e apresentando, “como alternativa a este processo, o nome do companheiro Ciro Gomes”.

Em manifesto lançado no dia 1º de abril, Unir para mudar o Brasil, o Diretório Nacional do PPS concluiu “pela necessidade de se articular novamente uma outra aliança, igualmente ampla (como a que isolou e derrotou a ditadura militar), só que para atingir um outro objetivo: o de uma sociedade ainda mais democrática, justa do ponto de vista social, ambientalmente equilibrada e que tenha capacidade para levar a todos os brasileiros os benefícios do progresso, da ciência e da cultura”. A partir daí, por articulações das principais lideranças do PPS, começa a se construir a frente eleitoral com o PDT e o PTB, enfrentando resistências e desconfianças mútuas, até se chegar à Frente Trabalhista, que lançou a candidatura Ciro Gomes a nova disputa presidencial.

Em março de 2002, em Niterói, completando 80 anos, realiza-se o XIII Congresso do PCB/PPS. Ao final de dois dias de trabalho, aprova-se uma Declaração Política e elege-se um novo Diretório Nacional. Já em maio (dia 9), em sua primeira reunião, o DN lança Declaração Política na qual destaca revelar-se “cada vez mais nítido o espaço para uma alternativa transformadora, dirigida à construção de um bloco de centro-esquerda”, que a candidatura Ciro Gomes “não é sinônimo de gerência competente da ordem” pois “queremos mudar o Brasil, ampliar a democracia e extirpar a exclusão social”. Nas eleições de 6 de outubro, nossa candidatura presidencial obteve o apoio de mais de 10 milhões de votos (12% do eleitorado) e serviu de suporte para elegermos 15 deputados federais (correspondendo a 3,06% do total de votos válidos e alcançando 2% dos votos locais em 13 unidades da federação) e 41 estaduais e distrital, uma senadora (Patrícia Saboya Gomes, do Ceará), dois governadores (Eduardo Braga, Amazonas e Blairo Maggi, Mato Grosso) e duas vices (Sergipe e Mato Grosso).

No dia 8, 48 horas após o 1º turno, a Executiva Nacional reuniu-se, em Fortaleza, para declarar que “continua apostando nas mudanças” e que “mesmo mantendo com o PT divergências programáticas” “o nome que melhor representa os anseios do povo brasileiro, nesse momento, é o de Lula”. “Trata-se – diz a resolução – de uma decisão política coerente com a história do PPS” e conclamava “a todos os que querem efetivamente mudar nossa realidade que nos acompanhem nesse novo momento da luta que mantemos há tantos anos”. Nos dias 9 e 10 de novembro, o Diretório Nacional faz balanço completo do ano eleitoral e aprova resolução, O novo Brasil possível, na qual assinala ser “a histórica vitória de Lula” como “também a vitória de um amplo campo político que ajudamos a construir”; que “o sucesso da nova administração ainda é uma expectativa”, “porém, é uma possibilidade real”; que “isso só ocorrerá se, a par da ousadia necessária, o novo governo se pautar pelo realismo e contar com um bem equacionado apoio político”. Acentua que “de ante-mão, e sem qualquer pré-condição, o novo governo… contará com a nossa cooperação e apoio político, no Congresso e na sociedade”; que “o PPS lutará para que o governo Lula desenvolva uma nova forma de fazer política em nosso país, tendo como pano de fundo a mais ampla tolerância democrática e a perspectiva de alteração do modelo de desenvolvimento e as reclamadas reformas estruturais e políticas, bandeiras que sempre estiveram no centro da concepção mudancista do PPS”. Destaca, por fim, que “em qualquer relação que venha a ser estabelecida com a administração Lula, o fortalecimento da identidade do partido constitui-se tarefa central nessa nova etapa que o país inaugura”.

2003/2007 - O encerramento de um ciclo

O ano de 2003 começa com grave ameaça para a paz mundial. O governo dos EUA pressiona em vários fóruns internacionais para invadir o Iraque, alegando, para tanto, que este país é detentor de fartos arsenais de armas químicas e bacteriológicas, acusando ainda o governo de Sadam Hussein de buscar obter armas atômicas. Em 18 de março, a Comissão Executiva do Diretório Nacional do PPS lança o documento Pela Paz e Pelo Desarmamento defendendo a paz como valor universal e “prerrogativa ao desenvolvimento integral da pessoa humana e dos povos”; sustentando que “somente a ONU é a instância legítima e decisória para dar conseqüência a qualquer forma de desarmamento do Iraque” e que “uma guerra no Iraque, mesmo de curta duração como apregoa o governo Bush, trará graves conseqüências econômicas e sociais para a economia mundial”.

Em sua primeira reunião, realizada nos dias 17 e 18 de maio, em Brasília, o Diretório Nacional do PPS, após ouvir seus integrantes, bancada de deputados e governadores, lança o documento Rumo às Reformas, em apoio ao governo Lula, e já alertava que “as contradições na base de apoio ao governo e os conflitos internos do PT, cada vez mais visíveis, são reais limitações para a elaboração de uma estratégia de desenvolvimento sustentado, com geração de emprego e renda e mais justiça social, alicerçada na construção de um bloco de forças democráticas e progressistas”. Alertava, ainda, que “a unidade de ação no plano das iniciativas imediatas do Governo não está assegurada, nas questões de natureza estratégica e até mesmo nas suas políticas setoriais, o Governo tem revelado dubiedades. A ausência de uma estratégia de reformas realimenta o choque de forças na sua base de sustentação e no seu interior”.

Em julho, no dia 22, a Comissão Executiva Nacional do PPS reuniu-se em Brasília/DF, em meio às dificuldades do Governo em fazer avançar as necessárias reformas do Estado, e lança o documento As reformas, os seus críticos e a institucionalidade, no qual denunciava a possível “decretação de greve por parte de um dos poderes da República, simbolizado pela iniciativa dos juízes e magistrados, para forçar a adoção de seus pontos de vista e interesses na reforma da Previdência em marcha”, defendendo que “o Congresso Nacional deve ser o árbitro maior das contendas. Se for preciso o povo opinar diretamente sobre os atos do Congresso Nacional – e achamos a tese procedente –, que se recorram aos institutos constitucionais democráticos do referendo ou do plebiscito”. Com tal posição defende que “a reforma tributária deve ser efetiva no estabelecimento de rumos seguros no processo de montagem de uma nova matriz tributária, democrática, progressiva, simplificadora e descentralizadora, convertendo-se em instrumento de distribuição de renda, de desoneração da produção, de ampliação da massa salarial e desenvolvimento econômico do país”. E mais uma vez alerta para “uma possível erosão da base de sustentação política do governo, em seus segmentos mais sólidos e conseqüentes, articulados e viabilizados ainda no processo de campanha eleitoral”.

Nos dias 10 e 11 de outubro, em Foz do Iguaçu/PR, reuniu-se o Diretório Nacional, que divulgou o documento Crescer em 2004 para crescer ainda mais em 2006, onde afirma “a posição de lançar chapas completas a prefeito e a vereador, em todos os municípios com mais de 20 mil eleitores, com destaque para as capitais e as grandes cidades”. Acrescentando, ainda, que “a opção pela preferencialidade de chapas completas, ao contrário do que se pode argumentar, não elide a nossa vocação aliancista histórica nem tampouco tem por objetivo levar dificuldades ao bloco de apoio que formamos, com outros partidos, em torno do governo Lula. Pelo contrário, o que fazemos é ressaltar a nossa autonomia, deixando claro que a governabilidade só se torna efetiva se for materializado o conceito de unidade na diversidade. Finalizando, afirma o compromisso do Partido com a reforma do Estado brasileiro, destacando-se a “fundamental à própria democracia” que é a reforma política, “desde que encaminhada na perspectiva da autonomia partidária e da afirmação da cidadania e não na do controle das organizações pelo Estado e do cerceamento da liberdade. Sem uma profunda reforma, o Brasil dificilmente poderá contar com partidos políticos fortes e estáveis “.

Em 26 de novembro, reunida, em Brasília/DF, a Comissão Executiva Nacional do PPS lança o documento Um forte partido pela democracia e pela liberdade, quando se decidiu que o PPS iria criar um grupo permanente de acompanhamento estratégico e de formulação econômica, ao mesmo tempo em que trabalharia para estabelecer uma política internacional compatível com a tradição humanista dos socialistas, “que vê como positivo o advento de um mundo íntegro e regido pelo princípio da paz e da harmonia entre os povos”. O documento se encerra com o apoio à Operação Anaconda, responsável pelo desnudamento de graves ilícitos e de relações promíscuas em setores administrativos estratégicos do Estado brasileiro, com destaque para a Justiça e a Polícia Federal, no qual se afirma taxativamente que “ela não se contamine com qualquer tipo de manipulação política ou ideológica e, ao final, dê grande contribuição à afirmação da República, do império legal e do Estado Democrático de Direito”.

Em 2004, ano de seu XIV Congresso, o PPS reúne o seu Diretório Nacional, em Maceió/AL, nos dias 06 e 07 de fevereiro, quando avalia a conjuntura nacional, analisando o primeiro ano do governo Lula, oportunidade em que foi divulgado, fruto dos debates de seus integrantes, o documento Ampliar a democracia trilhar o caminho do desenvolvimento, no qual, mesmo reconhecendo a necessidade da estabilização da economia, o controle dos gastos e a responsabilidade fiscal, o PPS compartilhava das “expectativas populares de mudanças sociais efetivas e, nesse sentido, trabalhará no âmbito da aliança governamental”. Para tanto, o PPS manifestava “a necessidade de que avance a reforma democrática do Estado brasileiro, que precisa ser mais moderno e eficiente. Por isso mesmo, conclama o governo a refletir mais sobre o processo de condução das reformas, corrigindo erros e ampliando o seu debate na base partidária aliada, no parlamento e na sociedade, para dar mais solidez e garantir maior legitimidade às suas propostas”. Defendendo a reforma política “como absolutamente prioritária”, o documento destaca que “a cultura do populismo e a corrupção, estimuladas pelas distorções que caracterizam o sistema político-eleitoral do país, geram o fisiologismo, o clientelismo, o nepotismo, o patrimonialismo e a interferência do poder econômico nos resultados eleitorais, comprometendo seriamente a qualidade da representação política no Brasil e qualquer esforço futuro para a implementação das mudanças estruturais que o país precisa e reclama, a partir inclusive das eleições municipais”. Integrante do Governo e de sua base de sustentação, o PPS propõe “o estabelecimento de canais eficientes de diálogo entre os partidos e com a própria administração Lula, em torno das políticas de Governo e dos valores republicanos, o que reduzirá os naturais tensionamentos na base do governo, no cotidiano da política nacional. Sendo o regime presidencialista, cabe ao primeiro mandatário da República tecer o bloco político e social que lhe dá sustentação”.

Nos dias 26, 27 e 28 de março, realiza-se, em São Paulo, o XIV Congresso Nacional do PPS, tendo por tema Poder Local: O desafio da democracia. Com a participação de 1.100 delegados de todo o país, após exaustivas discussões, foi tornado público o documento Mudar o Brasil é possível, em que o Partido começa a pontuar suas diferenças com a política geral levada a cabo pelo governo Lula. Afirma que “nascemos um partido transformador. E assim vamos continuar”, significando o reconhecimento que “ser de esquerda não é condição suficiente para resolver os graves problemas nacionais acumulados por séculos, mas, ao assumir o poder, o novo governo constituiu-se em esperança renovada, tendo em vista que as demais experiências, hegemonizadas por forças conservadoras e de centro, aí incluídas as mais recentes, foram incapazes de impulsionar um modelo de desenvolvimento, com efetiva justiça social”. Reconhecendo as dificuldades do governo, assinala que “os riscos de desestabilização imediata da economia e das finanças do país foram afastados no primeiro ano do governo, à custa de receituário conservador, de insatisfações no seu seio e na sua base política de apoio, e de imensos sacrifícios sociais. Passados quinze meses de gestão, renovam-se expectativas de que, no decorrer de 2004, afirme-se uma orientação diferenciada daquelas que por anos se reproduzem no interior do Estado, e que continuam a vigir no atual governo. Para haver mudanças, é necessário que haja ruptura. É indispensável a execução de novas estratégias públicas, por meio de agenda capaz de promover o desenvolvimento, o crescimento econômico, a criação de empregos e a redução das desigualdades sociais, com efetiva distribuição de renda – tocando-se em privilégios existentes, o que certamente levará a reações e a possíveis impasses. Se há riscos nessa estratégia de transformação, eles devem ser enfrentados com audácia, racionalidade, competência e com maior apoio político possível”. Afirma-se ainda que “o PPS agirá sempre em função de seu inalienável compromisso com a radicalidade democrática, para que se substitua a velha cultura do aparelhismo, do hegemonismo, da cooptação e da intolerância política, pela cultura do pluralismo, do respeito aos aliados, da tolerância e da prática da discussão e participação, nos marcos internos dos partidos, no governo, no parlamento e na sociedade. Por rigor de concepção, o partido privilegia projetos políticos quando direcionados à mudança processual do país e repudia aqueles vocacionados apenas para a manutenção do poder”.

Reunido em Brasília/DF, nos dias 16 e 17 de abril, o Diretório Nacional discutiu alguns temas de grave interesse público, como a questão da violência e da segurança pública, com a participação do sociólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de segurança do Ministério da Justiça e um dos maiores especialistas no assunto. Debateu também as questões que envolvem as reformas sindical e trabalhista e as precárias políticas publicas do governo Lula. No dia 25 de maio, a Comissão Executiva Nacional do PPS, também em Brasília/DF, torna público documento intitulado É hora de decisões políticas corajosas, onde se começa a fazer uma crítica da política econômica do governo Lula, sobretudo no que respeita à política salarial e à impostergável “revisão do Imposto de Renda” que ao não se realizar “converteu-se em instrumento de expropriação de renda dos assalariados, principalmente de classe média, reduzindo a massa salarial, a circulação de dinheiro e, conseqüentemente, atrofiando o nosso mercado interno”.

Em 2 de agosto, reune-se, no Rio de Janeiro, o Diretório Nacional para discutir a relação com o governo Lula, sendo lançado o documento Sem mudança não há esperança, no qual se afirma que “depois de mais de um ano e meio de governo, pouco foi feito, a rigor, para superar as condições sociais e as dificuldades econômicas do passado, remoto ou recente. Na gestão pública, pequeno foi o avanço na reforma do Estado; no econômico, a ortodoxia continua intocável e o velho receituário, dominante pelo menos desde o início dos anos 1990, impera soberanamente; na área social o avanço foi mínimo e, o que é pior, perdeu-se tempo ao se insistir somente em políticas compensatórias e assistencialistas (como, por exemplo, o Fome Zero), limitadas para reduzir efetivamente as imensas desigualdades sociais quando não perpetuadoras destas; na política, além do bloqueio à reforma partidária e eleitoral, que se encontra pronta no Congresso, pouco se fez também para alterar padrões culturais e comportamentais no ato de governar, resultando na manutenção de práticas fisiológicas antigas e na instrumentalização e partidarização do Estado, afetando, gravemente, a sua própria capacidade gerencial”. E conclui que “o governo oriundo da esperança da maioria dos brasileiros ainda não emergiu, com visibilidade, no contexto da República, e tem se revelado paradoxalmente incapaz de inovar”. Nesse longo documento, o Partido abre uma discussão com o conjunto de seus Diretórios Estaduais para definir seu relacionamento com o governo Lula e coloca para a sociedade uma outra concepção de política econômica e de administração do poder.

Em 04 de outubro, o Secretariado Nacional divulga o documento Eleições de 2004 – A vitória de uma política, no qual faz uma avaliação preliminar das eleições municipais de outubro, onde afirma que o PPS “saiu do primeiro turno vitorioso, afirmação toda ela comprovada por números inquestionáveis. Aumentou o número de prefeituras em mais de 80% – saiu de 163 em 2000 para um pouco mais 300 agora em 2004 – e incorporou ao seu patrimônio eleitoral aproximadamente 1,5 milhão de votos, pulando de 3,5 milhões em 2.000 para 5 milhões no pleito que ora se encerra, ultrapassando os 5% do eleitorado nacional. Elegeu ainda 313 vice-prefeitos e 2.787 vereadores, dos quais 35 nas capitais”.

Um pouco menos de umes depois, em 9 de novembro, reunida no Distrito Federal, a Comissão Executiva Nacional do PPS, entre outras questões, aprova o documento PPS e PDT – construindo uma nova alternativa de esquerda para o Brasil, no qual reconhece que o PT e PSDB como pertencentes ao campo de esquerda e democrático “não têm impulsionado, de forma conseqüente, nas condições da realidade atual, as transformações e reformas que a sociedade há muito exige”, e acrescenta que “nesse sentido, nas últimas semanas, e recuperando relações construídas durante a última campanha presidencial, o PPS vem aprofundando contatos com o PDT, com vistas a um projeto político comum”. Assim, frente ao tema, a Comissão Executiva Nacional resolve dar “prosseguimento aos entendimentos de uma aproximação política forte do PPS com o PDT, com vistas a enfrentar os grandes desafios, com um projeto nacional de desenvolvimento capaz de retirar o país da crise estrutural em que se encontra”; dar todo apoio ao Seminário PPS/PDT; reafirmar o posicionamento do PPS em lançar um candidato desse campo à Presidência da República, em 2006.

Realizado o Seminário Nacional Darcy Ribeiro, no Rio de Janeiro, no dia 10 de dezembro, no qual entre outros temas foram avaliadas as trajetórias históricas entre comunistas e trabalhistas, o Diretório Nacional do PPS reuniu-se, no dia seguinte (11), para debater e definir a postura do Partido frente ao governo Lula e o projeto político comum entre o PPS e o PDT, com o lançamento do documento Ousadia para corrigir os rumos do Brasil, no qual o PPS formaliza seu afastamento do governo e entrega os cargos, na esfera federal, argumentando que “durante mais de dois anos de mandato, o governo ignorou solenemente o PPS como Partido. Sempre virou as costas às sugestões e críticas emanadas da Direção Nacional e, pior, articulou-se abertamente para intervir em nossos assuntos internos, incentivando dissidências e buscando bloquear, a qualquer custo, o nosso crescimento em escala nacional”. Finalizando, afirma que “tal decisão, em hipótese nenhuma, implicaria integração a blocos oposicionistas que se caracterizam pela prática da obstrução e que têm, como objetivo, inviabilizar o próprio governo Lula. Queremos que o Brasil dê certo e o governo, com a orientação que sugerimos, poderia sempre contar com o nosso apoio no caso de afirmar propostas realmente transformadoras”.