A esquerda necessária e esgotada

por Cristovam Buarque

Apesar de ser mais necessária do que nunca, a esquerda está perdendo por ter se tornado obsoleta ao não apresentar propostas para o futuro: em tempos digitais, manteve-se analógica

Nunca a política necessitou tanto de propostas progressistas para enfrentar os problemas de cada país e da humanidade inteira — limites ao crescimento, mudanças climáticas, desemprego estrutural, concentração de renda, manipulação de informações, poder transnacional das big techs, inteligência artificial, crime organizado, migração em massa. Apesar disso, as forças de esquerda, que deveriam ser portadoras de utopias para o futuro, estão sendo preteridas em eleições. A direita, que só chegava ao poder por meio de golpes militares, é eleita democraticamente. Apesar de necessária, a esquerda perde porque se esgotou ao não compreender o tamanho das crises e não oferecer soluções novas para os dilemas contemporâneos, em sintonia com a vontade dos eleitores.

Por décadas, as esquerdas se beneficiaram eleitoralmente da Era da Abundância, criada pelo capitalismo graças ao avanço técnico, à disponibilidade de recursos fiscais, ao crescimento econômico sem limites e ao Estado capaz de definir soberanamente políticas econômicas nacionais. Mas a esquerda não se adaptou à Era da Escassez provocada por razões ecológicas, por desemprego estrutural, pela inversão da pirâmide etária, pelo esgotamento das finanças públicas, pelo enfraquecimento das fronteiras nacionais, pela facilidade técnica à migração, pela ineficiência e corrupção do Estado, pela concentração de renda e pelo apartheid social.

Também não compreendeu a mudança da primazia do capital industrial para o capital conhecimento, nem o divórcio entre o humanismo planetário e a democracia nacional. Não se preparou para oferecer utopias capazes de enfrentar os novos dilemas contando com apoio eleitoral: como convencer o eleitor a reduzir o consumo imediato para salvar o equilíbrio ecológico; como aceitar o aumento do preço da energia para evitar a elevação do nível do mar; como ser receptivo ao imigrante que ameaça o bem-estar e a cultura da população nacional; como lidar com trabalhadores assalariados que se tornam desnecessários, fragilizados politicamente e movidos por interesses individualistas sem consciência de classe; como enfrentar a violência e o crime sem ferir direitos humanos; como passar dos direitos humanos individuais aos direitos coletivos da humanidade; como olhar a educação pela ótica das crianças e da formação do capital conhecimento, e não pelos interesses corporativos de professores e de teóricos da pedagogia; como sacrificar privilégios para ampliar direitos; como tratar a disputa política entre consumidores atuais e os excluídos do consumo no presente ou no futuro, e não mais entre capitalistas e trabalhadores em busca da propriedade; como ajustar as contas públicas aos limites fiscais, abandonando a fantasia de que o Tesouro é ilimitado e todos os benefícios sociais seriam viáveis; como admitir que “estatal” não é sinônimo de “público” e, que muitas vezes, o Estado tem servido mais para assegurar privilégios do que para promover direitos; como manter, para jovens sem filhos, conquistas previdenciárias que foram viáveis para seus avós com imensas proles; como retomar o vigor reformista em vez do comodismo assistencialista; como defender valores morais modernos que se chocam com as crenças tradicionais; como tomar decisões nacionais no tempo em que o país é um pedaço do mundo; como abandonar a autossuficiência de certezas que já não correspondem à realidade, reconhecendo erros, insuficiências e falta de sintonia eleitoral; como sair do negacionismo que explica a realidade atual com modelos de eras passadas.

Apesar de ser mais necessária do que nunca, a esquerda está perdendo por ter se tornado obsoleta ao não apresentar propostas para o futuro: em tempos digitais, manteve-se analógica. Esgotou-se por não se renovar diante da realidade que exige ideias tão progressistas que redefinam o próprio conceito de progresso e sejam capazes de atrair os eleitores para um novo tipo de desenvolvimento — harmônico entre os seres humanos e destes com a natureza. A direita tem mais votos porque é mais confiável no discurso anti-humanista e conservador contra imigrantes, meio ambiente e direitos humanos.

A direita vence por estar sintonizada com o passado; a esquerda perde por não estar sintonizada com o futuro. Não sabe como ser humanista e democrática para convencer o eleitor a buscar bem-estar dentro dos limites da Era da Escassez.

Publicado em Correio Braziliense | 26 de novembro de 2025

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