No próximo dia 9 de setembro, um grupo dissidente – com uma maioria circunstancial – planeja colocar um ponto final na história do Cidadania, projeto de partido-movimento, herdeiro do PPS e do PCB. Farão isso expurgando da Executiva Nacional aqueles dos quais discordam, entre eles, seu presidente, Roberto Freire, que assina a presente nota.
Pretendem que, assim, com uma canetada, se resolva uma crise que se arrasta há alguns anos e que ora chegou a um impasse definitivo. Uma “solução” artificial, como foi a minha recondução à presidência em 2022, que, reitero, foi uma derradeira tentativa de unidade.
E eles sabem bem. Sabem, porque votaram em mim, como votaram sempre durante todos esses anos, desde o velho PCB.
Nunca fui presidente de mim mesmo nem impus eleição alguma. Mas agora que a unidade não é mais possível, a longeva liderança com a qual me agraciaram virou um dos grandes problemas.
A Federação com o PSDB, que permitiu a sobrevivência do partido e que foi aprovada por alguns dos insurgentes, também.
Mas não são.
Alias, o Cidadania criou uma comissão responsável por avaliar os resultados da união com os tucanos. A Executiva Nacional do partido, ao contrário do que querem fazer crer, inclusive aprovou o relatório elaborado por esse colegiado, que considerou a Federação fundamental para o cumprimento da cláusula de barreira.
Vou nos poupar dos vários panos de fundo dessas nossas desavenças – agora públicas – iniciadas com as mudanças havidas na estrutura partidária no ano passado.
E focar na divergência de qualidade que há entre os caminhos que pretendemos para o partido e nas contradições dos que ora se levantam contra mim e a bancada, supostamente não alinhada às diretrizes partidárias e alcunhada de bolsonarista.
Isso por apontar os erros de condução do governo Lula e recusar, no Congresso, o que considera incompatível com nossos programa e estatuto.
Devo lembrar que apoio é diferente de adesão. Nunca em nossa história fomos um partido adesista. Ao contrário. Deixamos o primeiro governo Lula no auge, em razão de divergências conhecidas, que não são tão diferentes das atuais.
Como presidente, apontei, assim como a bancada, os vários equívocos da atual gestão. Vejamos:
- Votamos e aprovamos a Reforma Trabalhista, com seus defeitos e seus acertos, que certamente estão refletindo no mais baixo desemprego dos últimos anos. Essa mesma reforma que o PT quer revogar;
- Votamos e aprovamos o Marco Legal do Saneamento, que só não foi desvirtuado pelo governo porque o Congresso Nacional impediu, a partir da relatoria do líder do Cidadania na Câmara, Alex Manente (SP);
- A tentativa de revogar a reforma do Ensino Médio, cujas bases foram lançadas pela própria ex-presidente Dilma Rousseff;
- O alinhamento internacional a governos autoritários e ditatoriais, no que incluo a defesa dos interesses russos na guerra contra a Ucrânia e o apoio ao criminoso de guerra Vladimir Putin, quando somos um partido que tem a democracia como valor universal desde o fim da década de 1980;
- A mudança na Lei das Estatais, uma resposta à sociedade, no auge da Lava Jato, que tinha como objetivo impedir o loteamento de empresas públicas para fins pouco republicanos;
- As articulações e a defesa pública da reestatização da Eletrobras, retrocesso que mostra o atraso do pensamento dominante no PT sobre economia e privatizações;
- Os ataques reiterados à autonomia do Banco Central e a Roberto Campos Neto, cuja atuação, queiram ou não, conteve a inflação contra as vontades do presidente que o indicou;
- A tentativa descabida de explorar petróleo na Amazônia, contrariando todo o discurso de campanha, atropelando órgãos ambientais e constrangendo a maior referência internacional em Meio Ambiente que nós temos, a ministra Marina Silva, que ainda teve de enfrentar um quase esvaziamento de suas atribuições sob olhar cândido de Lula;
- A tentativa de reescrever o passado, reparar a ex-presidente Dilma Rousseff como se merecedora de desagravo fosse e voltar a tratar o impeachment, legítimo e constitucional, oficialmente como golpe.
Esses são apenas alguns dos pontos de atrito com o governo que decidimos apoiar, mas não de forma acrítica. Apontá-los não significa fazer oposição sistemática, muito menos nos perfilarmos com o bolsonarismo.
Até porque muitos dos que ora se insurgem contra as críticas pertinentes ao governo Lula estavam ou estão alinhados a herdeiros de Bolsonaro em seus estados ou abrigados em governos de direita. O que é de amplo conhecimento dentro do Cidadania.
Alguns podem imaginar que isso é irrelevante e que nada disso incomoda ou incomodou o corpo partidário. Mas não foram nem admoestados publicamente nem expurgados do partido, como agora querem alguns.
E não foram porque o presidente – qualquer um que pretenda liderar, na verdade – tem de ter a capacidade de manter o equilíbrio interno. Unidade não há nem mesmo entre os 13 que formam a maioria eventual que agora pretende impor sua visão sobre o coletivo partidário num ato puro e claro de adesismo a teses que não são nossas.
Não pode uma maioria eventual promover mudanças substantivas e programáticas no partido. Para isso, só um Congresso Extraordinário. Precisamos entregar a decisão sobre o nosso futuro, renunciando a nossas posições de liderança, para o conjunto de militantes e filiados ao Cidadania.
Por essas razões, a reunião do dia 9 tem caráter divisionista e vai apenas aprofundar a nossa crise. Basta ver o vexame a que o partido e alguns de nós foram expostos com o vazamento de nosso mais recente encontro.
Sob minha liderança, o partido não deixou de funcionar, muito menos de se reunir, ainda que já enfrentássemos desgastes e divergências internas e o impasse se avizinhasse. Era o que tentava evitar.
O clima de recomposição e camaradagem entre velhos correligionários já não é mais possível entre nós. Se a isso servirão as nossas reuniões, delas já não posso participar.
Não posso, aos 81 anos, desde 1961 dedicado ao PCB, seus sucessores e à vida pública, concorrer para a liquidação do partido.
Roberto Freire